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Chão Urbano

Chão Urbano ANO XI – N° 2 MARÇO / ABRIL 2011

01/03/2011

Integra:

 ANO XI N 1 MARÇO / ABRIL 2011

Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral

  

Comitê Editorial

• Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

• Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional)

• Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

• Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

• Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

• Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

• Hugo Pinto (Doutorando em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)


IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

Coordenador Mauro Kleiman 

 

Equipe

Aline Alves Barbosa da Silva, Priscylla Conceição Guerreiro dos Santos, Juliana Rocha Amaral


Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva 

 

Artigos

Editorial - A Cidade sem Muros: O Desenvolvimento Regional como Contexto da Problemática Urbana

Hugo Pinto e Hermes Tavares

 

A Importância da Inovação no Desenvolvimento de Regiões Transfronteiriças

 Maria Manuela Santos Natário

 

 Políticas de Criatividade para o Desenvolvimento Regional: A Importância do Setor Cultural e Criativo em Portugal

 Ana Rita Cruz

 

Um Novo Contrato Social com o Mundo Agro-rural. Elementos para uma Nova Política Agroecológica. O Decálogo dos Bens de Mérito e Reputação (BMR)

António Covas

 

 

  

Editorial

A Cidade sem Muros: O Desenvolvimento Regional como Contexto da Problemática Urbana

A região assume-se não só como o suporte físico onde as atividades económicas prosperam e definham mas também como um lugar relacional onde a sociedade humana se desenvolve, com um conjunto de interações e instituições que potenciam e restringem o comportamento individual e coletivo. A região é uma noção de geometria variável, que pode ir desde o nível regional europeu, onde é comum encontrar territórios como o Algarve em Portugal com meio milhão de habitantes e cinco mil quilómetros quadrados, até à Região Sudeste do Brasil, com mais de setenta milhões de habitantes e
quase um milhão de quilómetros quadrados. A região não deve ser vista como uma ilha isolada mas sim na sua interligação com outras regiões e múltiplos níveis de governação e análise. Independentemente da escala utilizada é a região que acomoda o crescimento da cidade e é o enfoque na região que permite ter em atenção as relações múltiplas entre o urbano e o rural assim como o relacionamento entre cidades. O urbano está incrustado no regional. O regional é a cidade sem muros.

Esta importância da escala regional tem sido aliás exaltada pela intervenção das políticas públicas, que tem assumido a região, como um elemento central entre o governo nacional e a governação local. É dada cada vez mais importância à capacidade competitiva das regiões como resposta a um esvaziamento dos poderes e possibilidade de intervenção dos estados-nação face às dinâmicas globais lideradas por instituições transnacionais. Hoje, na União Europeia, é o princípio da subsidariedade que norteia a intervenção dos estados-membros. E o nível mais eficiente de intervenção é muitas vezes o regional. É por esse motivo que a política é uma política regionalizada onde os fundos estruturais são distribuídos de acordo com a capacidade económica das regiões seguindo ideias de solidariedade inter-regional. As regiões mais pobres, medidas pelo limiar de 75% do Produto Interno Bruto médio comunitário, acedem a um volume mais generoso de fundos para o seu desenvolvimento.

É preciso fazer notar que o desenvolvimento regional tem diferentes motores. Um dos mais discutidos, e que origina uma dimensão urbana do desenvolvimento regional, são as economias de aglomeração, e como a proximidade geográfica é geradora de benefícios para empresas que se concentram espacialmente, partilhando saberes, mercados e recursos, estimulando a criação de clusters e de spill-overs de conhecimento. A inovação é outro dos focos do desenvolvimento da região na atualidade porque esta tem sido uma escala muito relevante na implementação de políticas para a inovação e tido a atenção de muitos desenvolvimentos teóricos, entre outros as ideias dos sistemas regionais de inovação, das regiões aprendentes ou dos meios inovadores. A coexistência de uma arquitetura institucional comum, com um conjunto de normas e rotinas, de atores privados e públicos definidos por uma área espacial, torna a região a escala preferencial para a compreensão dos processos de aprendizagem coletiva e de partilha de conhecimento. Outro motor do desenvolvimento regional, que tem tido uma atenção crescente, é a criatividade. A criatividade deixou de ser uma característica individual para ser um meso-atributo que depende do talento, tecnologia e tolerância que determinado território consegue estimular e reter. A existência de criatividade e no território atrai num processo de reforço circular, mais membros da classe criativa, o principal recurso para o desenvolvimento regional e competitividade, segundo os autores na linha de pensamento de Richard Florida.

O presente número do Chão Urbano preocupa-se com estas e outras questões emergentes do desenvolvimento regional. O primeiro artigo, de Ana Rita Cruz, foca a importância da criatividade no desenvolvimento, ilustrando as interseções entre políticas culturais e criativas com base no caso das regiões portuguesas e evidenciando a importância económica deste tipo de atividades. O artigo de Maria Manuela Natário, discute a problemática do desenvolvimento regional em regiões periféricas. Partindo da análise de 169 empresas das regiões da Raia Ibérica, territórios fronteiriços do interior de Portugal e Espanha, normalmente associados ao despovoamento e desertificação, é evidenciado como a ativação de um sistema de inovação em rede pode ser positivo para a dinâmica empresarial de ambos os lados da fronteira. Finalmente, o último texto de António Covas, problematiza as tensões crescentes no mundo agro-rural. Novas legitimações agroecológica e agrocultural são necessárias na sociedade contemporânea que carece da valorização de um paradigma assente em bens de mérito e reputação. Estes bens distinguem-se dos produtos “tradicionais” de um paradigma mais produtivista, uma vez que têm igualmente valor económico mas agregam características multifuncionais, que aproveitam as potencialidades endógenas e valorizam a identidade dos territórios.

 

Hugo Pinto

Hermes Tavares

Faro e Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2011

 

 

 

 

 

A Importância da Inovação no Desenvolvimento de Regiões Transfronteiriças

Maria Manuela Santos Natário[1]

 

RESUMO

A competitividade das regiões está fortemente relacionada com as dinâmicas territoriais de inovação. Relativamente às regiões transfronteiriças estas deparam-se com uma dinâmica de inovação pouco forte e com problemas de competitividade. Perante estas características e a situação desfavorável destas regiões, pretende-se de perspetivar a dinâmica de inovação em particular numa ótica transfronteiriça. Com efeito, para ultrapassar estes problemas das regiões de fronteira, fomentar a inovação e promover a competitividade a aposta num Sistema Transfronteiriço de Inovação poderá ser um caminho eficaz para reduzir assimetrias, promover a dinâmica de inovação e fomentar a competitividade destas regiões periféricas. Além disso, pretende-se avaliar a dinâmica de inovação destas regiões através da análise ao envolvimento das empresas para promover a inovação na tentativa de perceber quais os fatores do meio envolvente que estão associados a essa dinâmica. A análise aqui apresentada diz respeito a cinco sub-regiões (três portuguesas e duas espanholas) da fronteira de Portugal/Espanha, a Raia Central Ibérica (RCI) e baseia-se nos resultados obtidos de inquéritos aplicados a um vasto conjunto de empresas que, direta ou indiretamente, podiam estar envolvidos na promoção de inovação destes territórios. O estudo engloba 169 empresas.

 

Palavras-chave: Inovação, Sistemas Territoriais de Inovação, Sistemas Transfronteiriços de Inovação, Capacidade Territorial de Inovação.

 

Introdução

Um importante fator de competitividade, num mundo cada vez mais globalizado, é a inovação. Esta é a principal locomotiva do crescimento económico e da competitividade, assumindo assim um papel central nas dinâmicas territoriais de inovação e competitividade.

Relativamente às regiões transfronteiriças, estas são caracterizadas por terem uma realidade sócio-económica muito semelhante, têm vindo a perder população, quer do ponto de vista quantitativo quer qualitativo, apresentam debilidade no tecido empresarial e escassa capacidade económica. A região de fronteira de Portugal e Espanha é qualificada de desfavorecida e deprimida (Reigado, 2000, 2002; Santos and Caetano (eds), 2002; De La Fuente (ed.), 2002). Estas regiões apresentam uma situação de periferia geográfica e política, que poderíamos denominar de marginal e muito distanciado dos centros de decisão nacionais, (Hernández, 2000:17), regionais (no caso de Espanha) e dos centros de consumo.

Deste modo, as regiões transfronteiriças apresentam realidades desfavoráveis face aos seus respetivos países e deparam-se com uma dinâmica de inovação pouco forte e com problemas de competitividade. Todavia, o seu desenvolvimento não está subordinado apenas à capacidade para atrair empresas e recursos qualificados do exterior, mas depende da sua capacidade para promover iniciativas locais e ativar a dinâmica territorial da inovação. Perante esta realidade como é que os territórios de fronteira se devem organizar para gerar uma dinâmica inovadora e competitiva?

O estudo dos sistemas regionais de inovação (Braczyk et al., (eds.), 1998; De Autio, 1998; la Mothe and Paquet, 1998; Morgan and Nauwelaers, (eds.), 1999; Howells 1999; Acs (eds), 2000; Edquist and Mckelvey, 2000; Cooke et al. 2000; Cooke, 1992, 2003, 2008; Doloreux, 2003, 2004; Asheim and Gertler 2005; Doloreux and Parto, 2005; Tödtling and Trippl, 2005; Trippl, 2006; Asheim and Coenen 2006), dos meios inovadores (Aydalot, 1986; Maillat, 1995, 1997; Camagni, 1999) e das “learning regions”(Florida, 1995; Asheim, 1996, Maillat and Kébir, 1999), são abordagens que procuram atestar a perspectiva da inovação nos estudos regionais e teorizar um modelo de inovação de base territorial. Nos factores explicativos mais relevantes como: interacção, conhecimento, cooperação, diferentes actores; pouco contrastam entre si, todavia cada uma delas realça diferentes pontos de vista.

A perspectiva local e regional dos sistemas de inovação, distingue-se da abordagem dos meios inovadores, porque fornece uma base de referência para a análise das especificidades dos processos territoriais de inovação e para a definição de políticas, especificando os mecanismos e processos que promovem a inovação em certas regiões. O conceito de sistema regional de inovação diferencia-se das abordagens anteriores por ter uma dimensão mais operativa, um papel instrumental, associado às políticas de inovação e à implementação de estratégias regionais de inovação. Deste modo, a importância destes sistemas, prende-se com a necessidade, dadas as especificidades de cada região, e em particular das regiões de fronteira, de definir e coordenar políticas e estratégias de inovação. Estas requerem o envolvimento do mais alto nível do governo, do nível local (Administração Local), bem como transfronteiriço, empresas, o mundo académico e de investigação, que devem actuar conjuntamente e em rede para aumentar a capacidade de inovação destas regiões.

O objectivo dos sistemas regionais de inovação é reforçar os patamares territoriais de competitividade, tornando os meios mais inovadores e as regiões mais “learning”. Esta abordagem é importante para impulsionar a inovação em regiões de fronteira e para promover e sustentar a sua competitividade.

Face ao exposto, o objectivo deste trabalho é encontrar formas de organização dos territórios que permitam às regiões transfronteiriças inverter a tendência de declínio e estimular a dinâmica territorial da inovação e de competitividade. Pretende-se ainda, perceber quais os factores do meio envolvente que estão associados a essa dinâmica. Neste sentido, procurou-se estudar os comportamentos das empresas em termos de inovação, em cinco sub-regiões (três portuguesas e duas espanholas) da fronteira de Portugal/Espanha, a Raia Central Ibérica (RCI) e analisar quais os factores que condicionam e/ou potenciam a inovação das regiões transfronteiriças.

Deste modo, o paper apresenta-se estruturado em 5 pontos. No primeiro ponto começa-se por fazer o enquadramento teórico relativo aos modelos de inovação na perspectiva territorial. No ponto dois, discutem-se os elementos e dimensões de um sistema transfronteiriço de inovação, que permita estimular dinâmicas de inovação, impulsionar a capacidade de inovação em regiões de fronteira e promover a sua competitividade. No ponto três, apresentam-se as hipóteses a testar e a metodologia do estudo de caso e no ponto quatro apresentam-se os resultados. Finalmente, no ponto cinco apresentam-se algumas reflexões finais.

 

Modelos de Inovação Territorial: Os Sistemas de Inovação e a Perspectiva Regional e Local, Meios Inovadores e Learning Regions

Alguns investigadores acolheram positivamente o conceito de sistema de inovação, mas mantiveram-se críticos relativamente aos sistemas nacionais. Argumentam que o nível nacional não é o mais relevante quando se pretende analisar a inovação: os sistemas de inovação são até certo ponto mais locais ou transnacionais do que de âmbito nacional (Lundvall, 1988:412), e elementos importantes do processo de inovação tendem a ser mais regionais do que nacionais (Acs, 2000:3). Neste sentido, encontramos várias contribuições que reforçam a análise ao nível regional.

Segundo Niosi and Bellon[2] (1994), é possível distinguir 3 tipos de sistemas: regional, nacional e internacional, que coexistem e competem uns com os outros, mas também sectoriais (Edquist, 2001) em que cada um complementa o outro. Encontramos, assim, as redes mundiais, regionais ou locais de empresas e nichos de indústria e cada vez mais estes diferentes níveis interagem entre si. Estes sistemas podem, ou não, confinar-se às fronteiras de uma nação mas as características e os contextos nacionais tem sempre um papel decisivo na sua criação. Apesar da perspectiva regional ser importante, alguns autores continuam a defender que o nível nacional é o mais adequado quando se pretende estudar o sistema de inovação[3]. Com efeito, para Nelson (2000) é inevitável a análise da inovação no contexto do país, nomeadamente nas discussões do mercado de trabalho, dos sistemas financeiros, das políticas monetária, fiscal e de comércio, etc. excepto quando definimos inovação em sentido muito restrito e reduzirmos o nível institucional. Além disso, os sistemas de inovação assumem maior uniformidade e conectividade dentro da nação.

Por conseguinte, para Nelson (2000), Caracostas and Soete (1997) o sistema permanece nacional porque existe continuidade das instituições dentro da nação. É o caso do sistema de educação, do sistema nacional de investigação das universidades e dos laboratórios públicos que devem continuar a ser de âmbito nacional. De nível nacional são também as outras infra-estruturas públicas, leis, instituições financeiras, e as políticas monetária, fiscal e de comércio que podem influenciar a actividade económica, incluindo a inovação. Também para Smith (1995:79), as análises à escala nacional são mais úteis ao debate da política geral.

Embora os sistemas nacionais de inovação (SNI) permaneçam importantes porque suportam e direccionam o processo de inovação e de conhecimento, o processo de globalização e de regionalização enfraqueceu a sua importância ao nível nacional. A pressão da globalização deslocou a ênfase do estado nação para regiões e comunidades sub-nacionais uma vez que a cultura, a linguagem, a etnicidade e as tradições estão mais enraizadas ao nível regional e local. Também a disfuncionalidade do estado nação activou a emergência de comunidades colectivas genuínas de interesses económicos ao nível regional e conduziu à ascensão do estado-região. Assim, os governos sub-nacionais, as alianças entre autoridades regionais e locais, enquanto activos colaboradores dos investidores e fornecedores da infra-estrutura indispensável, e as políticas regionais tornaram-se fundamentais para tornar a região participante activa da economia global.

Segundo Cooke (2000: 53) hoje, a dimensão regional da política de inovação tem recebido mais atenção do que a nacional, o que se deve a cinco razões:

1) o desenvolvimento do multi-nível do governo, particularmente na União Europeia (U.E.);

2) a globalização que significa que os mercados financeiros influenciam as políticas fiscais, monetárias e orçamentais nacionais significativamente;

3) a competitividade global motivou as empresas a reavaliarem a importância do nível regional como parte das suas estratégias globais;

4) as empresas obtiveram benefícios de externalização das grandes empresas derivados da cadeia regionalizada de fornecimentos;

5) emergiu uma forte evidência para contrariar as teses avançadas de Krugman (1995), de que as economias estão menos limitadas às fronteiras nacionais e são mais geograficamente especializadas. 

Deste modo, a região (subconjunto do estado nação) tem vindo a ser reconhecida como a unidade geográfica mais adequada para a criação de vantagens competitivas do que o estado nação (Ohmae, 1995; Campos, 1997; Braczyk et al., 1998; Fisher et al., 1999; Acs, 2000; Couto, 2000; Santos, 2001). Simultaneamente, algumas das maiores empresas diminuíram as suas relações com o seu país e dispersaram as suas actividades de inovação para diferentes fontes regionais do sistema de inovação. Estas mudanças são importantes e desafiam o papel tradicional dos sistemas nacionais de inovação (Acs, 2000: 3-4).

Os objectivos da política tecnológica, da década de 1970 e 1980, eram aumentar a competitividade nacional. Todavia, estas metas foram alargadas a políticas regionais de inovação para promover o desenvolvimento regional e nacional. Assim, no sentido de modernizar a economia nacional desenvolveram-se e estudaram-se, nos últimos anos, estratégias de desenvolvimento regional relativamente às capacidades de inovação e às actividades de I&D nas regiões, como resultado foram concebidas políticas de desenvolvimento regional.

Entretanto, na década de 1990, as políticas de inovação regional foram influenciadas pelas discussões dos sistemas nacionais de inovação, surgindo então o conceito de Sistema Regional de Inovação (SRI) (Cooke, 1992; Braczyk et al., 1998). Desta forma, quando se aplica o conceito de SNI ao desenvolvimento regional, o conceito de SRI pode ser identificado como um sub-sistema do SNI (Chung, 1999:2). Este conceito reflecte a crescente importância das regiões na C&T, negócios e actividades económicas e pode incluir as características específicas da região: a estrutura económica, a infra-estrutura tecnológica e o sistema de apoio regional.

Além disso, ao nível regional, os sistemas de inovação envolvem uma necessidade específica da comunidade e em princípio têm maior probabilidade de mobilizar a comunidade e os diferentes actores regionais a participar de forma positiva neste processo. Assim, apoiados na definição de Chung (1999:5), podemos definir o SRI como o complexo de actores e instituições da inovação na região em interacção e que estão directamente relacionados com a geração, difusão e apropriação de inovação.

O nível regional é então apontado como unidade de análise adequada para fomentar as dinâmicas de inovação territorial e tem sido destacado em diversos trabalhos sobre os sistemas regionais de inovação (Cooke, 1992, 2003, 2008; Autio 1998; De la Mothe et Paquet 1998; Howells, 1999; Cooke et al. 2000; Doloreux, 2003, 2004; Asheim and Gertler 2005; Doloreux et Parto, 2005; Tödtling and Trippl, 2005; Trippl 2006; Asheim and Coenen 2006) por várias razões (Trippl, 2006:3; Natário et al., 2009: 3571):

- As actividades de inovação exibem uma geografia muito distinta. Tornou-se evidente que as actividades inovadoras não estão distribuídas uniformemente pelas diversas regiões. Vários autores demonstraram que existem diferenças entre regiões tendo em conta o seu padrão de especialização e desempenho inovador (Howells, 1999; Breshi, 2000; Doloreux, 2004; Vang et al., 2007).

- Os spillovers de conhecimento estão localizados. Os spillovers, que assumem um papel crucial no processo de inovação estão confinados/limitados a certos espaços geográficos (Bottazzi and Peri, 2003).

- O conhecimento tácito e as relações baseadas na confiança. Apesar da crescente tendência para codificação do conhecimento, é o conhecimento tácito (Polanyi, 1966) que assume um papel importante para levar à inovação. A troca de conhecimento tácito pressupõe confiança e contactos pessoais e é facilitada pela proximidade geográfica (Storper, 1997; Morgan, 2004).

- Competências políticas e instituições. Na governância da inovação, os territórios sub-nacionais diferem fortemente no seu conjunto de instituições que dispõem e em termos de decisões políticas (Cooke et al., 2000; Goodwin, et al., 2006).

O sistema regional de inovação, segundo Asheim and Isaksen (1997), enquanto componente de um sistema nacional de inovação regionalizado, engloba partes das estruturas produtivas e institucionais localizadas nas regiões mas funcionalmente integradas no SNI (abordagem “top-down”), e/ou partes da estrutura institucional e da produção que estão territorialmente integradas e enraizadas na região (abordagem “bottom-up”). Deste modo, representa a infra-estrutura institucional disponível na região para fomentar e sustentar a dinâmica regional de inovação, e é um instrumento para criar economias externas e promover o desempenho competitivo das empresas e das regiões (Natário et al. 2009).

O sistema regional de inovação considera a presença concertada de 4 tipos de recursos: Recursos territoriais (de localização, naturais e humanos); Recursos intangíveis (conhecimento tácito, conhecimento codificado e cultura de rede); Recursos institucionais (empresas, instituições, entidade de I+D+I) e Recursos relacionais (redes institucionais, redes de conhecimento, redes mercantis) (Pinto and Guerreiro, 2006). Deste modo, reflecte a análise conjunta de quatro dimensões: institucional, territorial, relacional e intangível (Natário et al., 2008). A dimensão institucional inclui todos os recursos institucionais da região (empresas, centros tecnológicos, instituições de apoio e assistência à actividade empresarial e de I&D e as instituições de ensino superior), enquanto a territorial que engloba os recursos territoriais (naturais, património arquitectónico e factores de localização). Relativamente às dimensões relacional e intangível, a primeira abarca as interacções e as redes de cooperação e colaboração formais e/ou informais, intra e inter instituições do território; e a segunda diz respeito à geração e difusão de conhecimento (explícito ou implícito) e ao sistema cultural e de valores da região.

Relativamente aos sistemas de inovação, é possível ainda encontrar um nível de desagregação territorial maior: os Sistemas Locais de Inovação (Charbit et al. (1991); Courlet and Pecqueur, 1992; Campos, 1997; Sicsú, 2000; Couto, 2000; Coutinho et al, 2001). Estes podem ser considerados como acordos de interacção/cooperação entre os agentes responsáveis pela aprendizagem e pela internalização do progresso tecnológico (empresas privadas, governo, instituições tecnológicas, entidades de educação/treino, etc) na dinâmica de uma localidade. Este conceito envolve as relações de mercado e o papel do estado além de outros actores que desempenham papéis distintos (no país e no exterior) e as suas relações de interdependência para gerar e introduzir inovações. (Coutinho et al, 2001:7).

As regiões têm um papel cada vez mais determinante para activar interfaces entre a investigação privada e a investigação académica (Munier and Rondé, 2001: 517). Neste contexto de crescente importância das regiões sobressaem também os conceitos de learning region (Florida, 1995, Ferrão, 1996) e dos meios inovadores (Aydalot (eds), 1986; Maillat, 1995,1997; Crevoisier and Camagni (eds), 2000). 

No centro das reflexões do paradigma da learning region[4] estão as externalidades do conhecimento entre empresas e o meio científico da região. Nesta perspectiva, a dimensão regional tem um papel determinante no processo de inovação. Os aspectos sociais da aprendizagem de uma região implicam uma dimensão fortemente idiossincrática de interacções entre empresas e as instituições que formam esta região (Munier and Rondé, 2001: 518). Deste modo, a abordagem sistémica é necessária para gerar a learning region e também o learning state (Chung, 1999:5). 

Os meios inovadores realçam a auto-organização, as interdependências produtivas, as complementaridades e a indivisibilidade (Crevoisier, 2000) dos meios. Por sua vez, o meio apoia-se nestas características para gerar interacções e saber-fazer, para aumentar a capacidade de inovação e tornar-se inovador. Requer proximidade (institucional, social, económica), capacidade de estar conjuntamente em rede com o mundo exterior e com o sistema de governância para determinar uma imagem externa específica e criar uma identidade interna com processos colectivos e sinergéticos de aprendizagem.

Deste modo, apesar de as abordagens das learning regions, dos meios inovadores e dos sistemas regionais de inovação pouco divergirem nos factores explicativos mais relevantes nomeadamente na importância da aprendizagem e conhecimento no processo de inovação, dos diferentes actores envolvidos, da interacção entre actores e relações em rede e em sistema, e das diferenças anteriormente expostas, estas abordagens da inovação de base territorial valorizam ainda de forma distinta outras características associadas ao processo territorial de inovação como se pode constatar no Quadro 1.

 

Quadro 1: Meio Inovador/Learning Region/Sistemas Regionais de Inovação: Características mais Valorizadas pelas Diferentes Abordagens

 

Meio Inovador

Learning Region

Sistemas Regionais de Inovação

Características Gerais da Empresa/Instituição/Associação:

 

 

 

 

Estrutura, sede, idade

++

++

++

Características de pessoal ao serviço

+

+++

++

Instrução dos dirigentes

+

+++

++

Utilização de TIC’s

+

++

+++

Mercado geográfico local ou não

+++

 

+

Localização de fornecedores local

+++

 

+

Factores de Localização

 

 

 

Pessoais

+++

 

+

Ambiente da Região

+++

+++

+

Mercado

+++

 

+

Relações empresariais

+++

 

++

Matérias-primas e outros inputs

++

 

++

Recursos humanos

++

+++

++

Acessibilidade

 

 

 

Caracterização das Relações

 

 

 

Origem territorial do capital social

+++

 

 

Localização dos clientes

+++

 

+

Localização dos recursos tecnológicos, financeiros, humanos, matérias-primas e informação em geral

+++

+++

+

Cooperação local ou não

+++

+++

+++

Cooperação com empresas, fornecedores, clientes, concorrentes, consultores

+++

+

++

Cooperação com Instituições de I&D, de Ensino Superior

++

+++

++

Cooperação com Associações empresariais, Administração Pública Central e Local

++

+

+++

Relações de concorrência locais

+++

 

 

Serviços externos

+++

 

 

Relações de subcontratação

+++

 

 

Comportamento em Matéria de Inovação

 

 

 

Actividades de inovação: I&D interna, I&D externa, novas tecnologias, tecnologias de informação, formação de recursos humanos, inovações de mercado, de gestão organização e marketing

++

++

+++

Desenvolvimento da inovação em cooperação ou individual

+++

+++

+++

Impacte das inovações

+

+

+++

Cooperação para inovar com empresas, fornecedores, clientes, concorrentes, consultores

+++

+

+++

Cooperação para inovar com Instituições de I&D, de Ensino Superior

+++

+++

+++

Cooperação para inovar com Associações empresariais, Administração Pública Central e Local

++

+

+++

Fontes de inovação internas, de fornecedores, clientes, concorrentes

++

 

+++

Fontes de inovação de Instituições e Laboratórios de I&D, do Ensino Superior

++

+++

+++

Fontes de inovação: reuniões e publicações cientificas; feiras, mostras de produtos; empresas de consultoria e contactos

++

+

+++

Dificuldades de inovar

+

+

++

Promoção dos produtos localmente ou não

+++

 

 

Efeito de aprendizagem colectiva

+++

++

+++

Aprendizagem individual local

+++

+++

+++

Mecanismos de Governância

 

 

 

Caracterização da região em termos de satisfação e problemas

+++

 

++

Efeitos de intervenção Pública

+++

 

++

Identidade comum local

+++

 

++

Fonte: Elaboração própria

Legenda: + corresponde a pouco; ++ corresponde a médio; +++ corresponde a elevado

 

Efectivamente, as abordagens valorizam de forma distinta em particular os seguintes factores da empresa/organização e da sua envolvente: as características gerais da organização/empresa; os factores de localização: origem territorial do capital, dos clientes e dos fornecedores; relações de concorrência; as diversas actividades de inovação (I&D interna, I&D externa, novas tecnologias, tecnologias de informação, formação de recursos humanos, inovações de mercado, de gestão organização e marketing); o impacte e fontes de inovação, a cooperação entre consumidores/fornecedores versus instituições de I&D e de Ensino Superior versus Administração Pública Central/Local e Instituições de apoio à actividade empresarial, bem como os mecanismos de governância.

Moulaert and Sekia (2003), além destes modelos de inovação territorial, consideraram a abordagem dos distritos industriais, os sistemas de produção localizados, os novos espaços industriais e os clusters de inovação, procurando discutir e identificar as características de cada um deles. Nos modelos de inovação territorial, o primeiro grande grupo (meios, inovadores, distritos industriais e sistemas de produção local) é o resultado das investigações da escola francesa; o segundo grande grupo (sistemas de inovação regional, learning region) assenta nos princípios de coordenação institucional e o terceiro grupo (novos espaços industriais) decorre da corrente californiana da geografia económica. Distinguem ainda um grupo residual, os clusters de inovação, embora com reduzida afinidade com a economia regional. Também para Moulaert and Sekia (2003), estes modelos de inovação territorial, apresentam características distintas relativamente ao núcleo da dinâmica inovadora (capacidade das empresas, dos actores etc); ao papel das instituições (importante, agente; regulação do comportamentos, etc); ao lugar da inovação; ao conceito de desenvolvimento regional; cultura e tipos de relacionamento entre os agentes e com o ambiente.

Mais recentemente foi introduzido o conceito de cidades criativas (Costa et al., 2009) associadas à novidade e à criação de valor nas cidades. A criatividade urbana surge enquadrada nas teorias do conhecimento e das economias criativas, na preocupação crescente de encontrar respostas satisfatórias para a diversidade de padrões no crescimento urbano (Storper and Manville, 2006).

Todavia, estes modelos de inovação de base territorial, dificilmente se podem utilizar e/ou aplicar às regiões de fronteira devido às características específicas associadas a cada um deles nomeadamente aos distritos industriais, aos sistemas de produção local, aos clusters ou das cidades criativas) e atendendo à especificidade própria destas regiões onde não está intrínseco a ideia de território único e real ou de espaço contíguo. As regiões de fronteira são consideradas um “território fictício” (Natário, 2005). Deste modo, as características específicas do meio e da learning region (ou ainda dos distritos industriais, dos sistemas de produção local, dos clusters ou das cidades criativas) impedem de considerar as regiões de fronteira como um meio ou mais propriamente meios inovadores e ou learning region.

Todavia, o conceito de sistema regional de inovação tem um papel instrumental, associado às políticas de inovação e à implementação de estratégias regionais de inovação, diferenciando-se das abordagens anteriores por ter uma dimensão mais operativa. O objectivo dos sistemas regionais de inovação é reforçar os patamares territoriais de competitividade, tornando os meios mais inovadores e as regiões mais “learning”.

Face ao exposto, para as regiões transfronteiriças inverterem a tendência de declínio e gerar e estimular a dinâmica territorial da inovação e de competitividade é importante encontrar formas de organização destes territórios inovadoras. A aposta, desenvolvimento e re-organização dos sistemas de inovação num Sistema Transfronteiriço de Inovação poderá ser um caminho eficaz para reduzir assimetrias, promover a dinâmica de inovação e fomentar a competitividade destas regiões. É esta perspectiva que seguidamente se irá apresentar.

 

Sistemas Transfronteiriços de Inovação

A inovação não é um processo isolado das empresas, resulta de um processo colectivo, complexo, interactivo e sistémico, com diversos actores institucionais de um dado território, de captação, criação e difusão de conhecimento. A melhoria do processo territorial de inovação e o aumento da competitividade das regiões de fronteira poderia passar pelo reordenamento territorial que permitisse configurar o sistema de inovação numa óptica transfronteiriça (Natário and Neto, 2006). A aposta num Sistema Transfronteiriço de Inovação poderia ser um caminho eficaz para reduzir assimetrias, promover a dinâmica de inovação e fomentar a competitividade destas regiões. Nesta configuração dos diversos actores, os sistemas de inovação são considerados instrumentos privilegiados de criação e promoção de inovação e de sustentabilidade da competitividade territorial.

A opção transfronteiriça, poderá ser um vector eficiente, dado a proximidade geográfica, as mesmas ambições e as semelhanças entre as regiões de fronteira, e uma oportunidade decorrente da abertura de fronteiras resultado, do processo de Integração Europeia. Neste sentido, o sistema transfronteiriço de inovação, e numa concepção alargada do sistema regional de inovação, apresentada por Cooke (1998: 25), a regiões de fronteira de dois espaços nacionais, é conceptualizado em termos de coordenação colectiva assente a nível microinstitucional e também transinstitucional e condicionado pela consistência, pela cooperação e pela interacção com o sistema empresarial transfronteiriço (Natário, 2005; Natário and Neto 2006).  

A análise sistémica da inovação constrói os alicerces das vantagens competitivas, numa economia cada vez mais baseada no conhecimento e na aprendizagem, e tem a ambição de compreender os determinantes de inovação ao nível nacional, regional e local, e poderia estender-se ao nível transfronteiriço (Natário, 2005; Natário and Neto, 2006; Trippl, 2006, Lundquist and Trippl, 2009). Neste contexto, o funcionamento eficiente do Sistema Transfronteiriço de Inovação ajudará a alcançar níveis satisfatórios de inovação e a promover a competitividade das regiões de fronteira.

A configuração de um sistema transfronteiriço de inovação, poderia ajustar o saber-fazer empresarial dos dois lados da fronteira, com o saber-fazer institucional, científico e tecnológico dos dois lados da fronteira, possibilitar o aproveitamento de sinergias, a criação de dinâmicas colectivas de aprendizagem e produzir e explorar as potencialidades e competências locais e traduzir-se numa dinâmica inovadora e numa alavanca da competitividade destas regiões.

Assim, o sistema transfronteiriço de inovação (STI) pode ser um meio eficaz para fomentar a inovação das regiões de fronteira. Este sistema envolve um território específico e consiste no conjunto de instituições dos dois lados da fronteira que em interacção com a estrutura produtiva da região de fronteira determina a produção e utilização de novo conhecimento economicamente útil, como pode ser esquematizado na figura 1. A complexa arquitectura do STI reflecte a visão sistémica e envolve a presença concertada de recursos territoriais, intangíveis, institucionais e relacionais (Pinto and Guerreiro, 2006) e, simultaneamente, a análise conjunta das dimensões: institucional, territorial, relacional e intangível (Natário et al., 2008). Ou seja, envolve relações fortes de cooperação transfronteiriça, mais ou menos formalizadas, corporizando um novo arquétipo organizativo e cognitivo (Santos, 2001), orientadas para promover uma dinâmica inovadora nas regiões de fronteira.

Esta concepção é, por um lado, mais descentralizada e, por outro lado, mais ampla do conceito de Sistema de Inovação de Nelson e Rosenberg (1993), uma vez que é componente de dois sistemas nacionais de inovação e é constituído por partes das estruturas produtivas e institucionais localizadas nas regiões mas funcionalmente integradas no sistema nacional de inovação (numa perspectiva “top-down”) e ainda por partes da estrutura institucional e produtiva que estão territorialmente integradas e enraizadas nessas regiões numa abordagem “bottom-up” considerando a perspectiva de Asheim e Isakem (1997) para a definição dos sistema regionais de inovação.

O Sistema de Inovação na perspectiva Transfronteiriça (Figura 1), ou o sistema transfronteiriço de inovação representa assim a infra-estrutura institucional de duas regiões de fronteira, que em interacção com o sistema empresarial dos dois lados da fronteira, sustenta e fomenta uma dinâmica transfronteiriça de inovação. Pode constituir um instrumento de criação de economias externas de aglomeração e de promoção da competitividade das regiões de fronteira e das suas empresas. Mas para o sistema de inovação ser efectivo é necessário a interacção. Interacção entre o sistema de governância regional e nacional, a academia, a indústria e as pessoas aí estabelecidas.

Face a estas considerações, a capacidade de inovação das regiões de fronteira, com uma realidade económica de espaço periférico e de industrialização difusa, poderia passar pela organização do Sistema de Inovação numa perspectiva transfronteiriça. Neste sentido, é necessário identificar qual é o conjunto de actores que estão territorialmente integrados e enraizados nestas regiões e configurá-lo num modelo interactivo de inovação por forma a obterem-se sinergias regionais e a um maior aproveitamento das potencialidades locais.

 

Figura 1 Sistema Transfronteirico de Inovacao

 

 

Fonte: Elaboração própria

 

Dos principais atores das regiões da fronteira e que poderiam constituir o sistema transfronteiriço de inovação, destacam-se entre outros, os subsistemas educativo, científico e tecnológico, empresarial, a Administração Pública e instituições de apoio às empresas e ao desenvolvimento regional, ou seja de forma resumida:
A- Empresas, dos dois lados da fronteira
B- Instituições Públicas (Administração Central/Regional, Administração Local, Outras Instituições Públicas (Associação de Municípios), dos dois lados da fronteira
C- Instituições de Apoio e Assistência à Atividade Empresarial: Centros Tecnológicos, Associações Empresariais e de Desenvolvimento, dos dois lados da fronteira
D- Sistema de Ensino, de Formação e de I&D: Universidades e Politécnicos, Institutos de Formação e Escolas Tecnológicas dos dois lados da fronteira

Este conjunto de atores, dos dois lados de fronteira, deveriam estar interligados, em interação entre si e também com os dois sistemas nacionais de inovação (do país 1 e do país 2), trabalhar em rede, para criar, desenvolver, absorver, utilizar e partilhar, conhecimentos, informações e experiências, economicamente úteis para as regiões de fronteira e desta forma aumentar a sua capacidade de inovação.

Hipóteses a Testar e Metodologia
Neste trabalho, para analisar a importância da inovação no desenvolvimento da regiões de fronteira, utilizou-se um estudo de caso sobre duas regiões de fronteira de Portugal e Espanha – a Raia Central Ibérica, tendo como ponto de partida o comportamento das empresas em termos de inovação e procurando aferir os fatores e processos territoriais que estão associados à dinâmica de inovação e que podem caracterizar o STI. Deste modo, irão ser testadas um conjunto de hipóteses, que visam relacionar, a variável independente com as dependentes, tendo como base uma amostra de empresas de 5 NUTS III (3 Portuguesas e 2 Espanholas) da Raia Central Ibérica.
 Tendo em conta a literatura anteriormente referida relativa aos Sistemas Territoriais de Inovação podemos considerar as seguintes dimensões ou grupos de fatores que influenciam os fatores e processos territoriais de inovação e consequentemente o STI: as características gerais da empresa e do diretor, os objetivos iniciais e as fontes para inovar, as relações em rede de cooperação, o apoio financeiro e os obstáculos para inovar e o ambiente da região. Assim, o STI influenciado pela dinâmica territorial de inovação, que é condicionada pelas características específicas de cada território assente nestas cinco dimensões.
A primeira hipótese deste trabalho procura salientar a influência que algumas características das empresas podem ter nos resultados ao nível da dinâmica de inovação. Assim, apoiados em Lundvall (1992), Edquist (1997), Hauknes (1999), Murteira et al (2001), Doloreux (2004), Lundvall  et al (eds) (2006) e Vang et al (2007) e no facto que os recursos humanos são um elemento chave da inovação e a inovação depende cada vez mais da qualidade e disponibilidade do conhecimento sendo por isso fundamental a qualificação dos recursos, apoiados nos diferentes inquéritos comunitários à inovação (CIS), na importância das TIC’s para a inovação, a ciência, a tecnologia e a economia patente no relatório da OCDE (2001) e em Camagni and Capello (2005), admitiu-se que as características gerais da empresa influenciam os processos e as dinâmicas territoriais de inovação. Além disso, a personalidade e perfil do dirigente da empresa pode influenciar positiva ou negativamente as atividades de inovação, ao promover uma cultura coletiva de inovação, ao encorajar o desenvolvimento de iniciativas e ao risco, ou pelo contrário ter uma atitude rígida e conservadora que sufoque a criatividade (Kitchell, 1997). Trata-se de detetar no empresário o seu espírito empreendedor, em termos de iniciativa e assunção ao risco, se é mais ou menos inovador. A primeira hipótese foi então formulada como:

H1: A dinâmica transfronteiriça de inovação é influenciada pelas características gerais da empresa e do diretor e da atitude em termos de divulgação dos produtos
Segundo Conceição and Ávila (2001), Natário et. al (2006) existem diferenças significativas nas empresas relativamente aos objetivos que estiveram subjacentes ao desenvolvimento da introdução de inovações. Estes diferem de empresa para empresa, consoante o setor, o tamanho e a sua atitude para inovar.
As fontes de informação são importantes para inovar, uma vez que daí resultam sugestões para projetos de inovação ou contribuem para a implementação de inovações. A importância das fontes de informação para inovar tem sido realçada, nos vários inquéritos comunitários (CIS). Em regiões menos favorecidas, com baixo esforço em investigação básica e caracterizadas por especialização em setores tradicionais com reduzida base científica, como as que estamos aqui a analisar o importante é saber quais as fontes de inovação para as empresas. Tendo em conta os diversos objetivos e fontes de inovação, estabeleceu-se como segunda hipótese:

H2: A dinâmica transfronteiriça de inovação é influenciada pelos objetivos iniciais e das fontes para inovar
Nas regiões assume, particular importância para promover a inovação regional, a criação artificial do meio envolvente através de parques tecnológicos, da cooperação entre os vários agentes locais e das ligações em rede (Landabaso, 1997). Na verdade, as relações de cooperação têm sido apontadas em vários estudos como um veículo eficaz para promover a inovação e a competitividade numa região (Lundvall, 1992) (Edquist, 1997), (OCDE, 1997), (Bramanti, 1999), (Doloreux, 2004), (Henttonen, 2006), (Vang et al, 2007). As relações em rede de cooperação facilitam a produção e transmissão do fluxo de conhecimento, determinam a performance inovadora das empresas e influenciam o processo territorial de inovação. Face a estas considerações estabeleceu-se a seguinte hipótese:

H3: A dinâmica transfronteiriça de inovação é influenciada pelas relações em rede de cooperação
A falta de apoio financeiro por parte das entidades públicas é muitas vezes apontada como obstáculo ao desenvolvimento de inovações. As pequenas e médias empresas apresentam desvantagens relativamente às grandes empresas particularmente em termos financeiros, em resposta os governos e a união europeia desenvolveram várias medidas e apoios para estimular a inovação nestas organizações (Avermate et al, 2006; Riding and Haines 2001). A quarta hipótese foi então formulada como:

H4: A dinâmica transfronteiriça de inovação é influenciada pelos apoios institucionais à inovação e pelos obstáculos para inovar
As condições do meio envolvente influenciam a atitude para inovar pois a empresa não vive isoladamente (Aydalot, 1986; Maillat et al. 1991, 1993; Bramanti, 1999). Face a estas considerações, estipulou-se a quinta hipótese:

H5: A dinâmica transfronteiriça de inovação é influenciada pela satisfação do empresário com o meio envolvente do seu território e aos efeitos da intervenção pública

Neste trabalho pretende-se analisar quais os fatores e processos que estão associados à dinâmica de inovação na Raia Central Ibérica  (RCI), que engloba 5 NUTS III da fronteira de Portugal e Espanha. Estas NUTS são caracterizadas por serem sub-regiões de periferia, terem uma realidade sócio-económica muito semelhante, ambas as regiões tem vindo a perder população, quer do ponto de vista quantitativo quer qualitativo. Além disso, apresentam debilidade no tecido empresarial, escassa capacidade económica, uma densidade populacional bastante reduzida e as suas economias têm um peso muito reduzido nas economias dos seus respetivos países.
Para efetuar a análise a principal fonte de dados resultou do inquérito realizado às diferentes empresas selecionadas das 5 sub-regiões da RCI. Como universo do estudo, consideraram-se todos os setores, qualquer que seja a forma jurídica, com sede nas 5 NUTS III e selecionaram-se apenas as empresas com mais de 10 trabalhadores. A amostra é constituída por 169 inquéritos repartidos pelas 5 NUTS da Raia Central Ibérica  (Quadro 2).

 

Quadro 2: Amostra das empresas da RCI

NUTS III

BIN

BIS  

CB   

Salamanca              

Cáceres     

 Nº Inquéritos

38

31

36

34

30

Fonte: Elaboração própria


A metodologia utilizada para a análise baseia-se na aplicação da estatística multivariada: análise de clusters, para verificar como se ordenavam as empresas relativamente ao seu envolvimento em termos de atividades de inovação e de forma a agrupar as empresas segundo a sua dinâmica de inovação. Para verificar as hipóteses formuladas recorremos à aplicação de testes de diferenças múltiplas de médias e do Qui Quadrado para aferirmos as características únicas de cada cluster.

Tratamento de Dados e Resultados
A utilização da metodologia da análise de clusters mostrou-se adequada e as variáveis utilizadas para classificar as empresas em termos da sua dinâmica inovadora foram todas significativas para a solução encontrada, como podemos verificar pelos resultados da análise ANOVA, constantes no anexo 1. A análise de clusters permitiu identificar 3 grupos de empresas: um primeiro onde os resultados obtidos em termos de dinâmica territorial de inovação são a um nível médio; um segundo constituído pelas empresas que têm uma dinâmica de inovação modesta ou reduzida e um terceiro onde existem os melhores resultados em termos de dinâmica inovadora (Quadro 3).
O cluster 1 agrupa 61 empresas, repartidas pela BIN (34%), CB (23%), BIS(16%); Salamanca (15%) e Cáceres (13%). O cluster 2 contém 62 empresas, das quais 29% e 22% pertencem a Cáceres e à BIS, respetivamente, e as restantes fazem parte de Salamanca=19%, CB=16% e BIN=14%. O cluster 3 engloba 43 empresas que estão localizadas em Salamanca (30%), CB (27%) BIN (18%), BIS (16%) e Cáceres (9%).

 

Quadro 3: Análise de Cluster para as Empresas da RCI

 

 

Cluster 1

Cluster 2:

Cluster 3:

Variables used in cluster analysis

N=61

N=62

N=43

I&D Interna

0

0

1

I&D Externa

0

0

1

Aquisição de Novas Tecnologias

1

1

1

Aquisição de Tecnologias de Informação

1

0

1

Aquisição de Outros Conhecimentos Externos

0

0

1

Formação de Recursos Humanos

1

1

1

Introdução de inovações no mercado

0

0

1

Estratégia /técnicas de gestão

0

0

1

Estrutura organizacional

0

0

1

Marketing

0

0

1

A empresa Introduziu Inovações

1

0

1

Inovação de Produto

1

0

1

Processo de Inovação

0

0

1

Inovação Organizacional

0

0

0

Fonte: Elaboração própria

Na sequência da análise procedeu-se ao cruzamento de variáveis utilizando o teste de independência do Qui-quadrado, por forma a aferirmos sobre a influência das variáveis contextuais, ligadas à região onde opera a empresa e da variáveis operacionais ligadas ao ano de fundação, ao tamanho, ao setor de atividade (Indústria Extrativa, Indústria Transformadora; Construção; Comércio ou Outros Serviços) e internacionalização da empresa sobre os resultados obtidos em termos de dinâmica de inovação.
Os resultados obtidos deste teste permitem concluir que todas as variáveis mostraram ser relevantes para os resultados obtidos em termos de dinâmica de inovação exceto o facto de a empresa ser ou não exportadora que não evidenciou influência nos resultados alcançados (Quadro 4).

 

Quadro 4: Resultados do teste do Qui-quadrado

 

X2

Sig.

Observações

Morada

18,08

0,02

Y

Ano de fundação no país

131,96

0,03

Y

Volume de negócios 2002

30,89

0,06

Y

Empresa Exportadora

4,55

0,10

X

Setores

22,48

0,01

Y

Fonte: Elaboração própria

 

Para interpretar o modo como se estabelece a relação entre as variáveis explicativas e a variável dependente da dinâmica territorial de inovação recorremos à análise das diferenças de médias dos grupos. Podemos observar que relativamente às características gerais da empresa em termos de pessoal ao serviço e recursos humanos com ensino superior e termos de utilização das TIC’s, o grupo 3 destaca-se dos grupos 1 e 2 (Quadro 5). 

 

Quadro 5: Diferenças de Médias entre Grupos: Características gerais da empresa e do diretor

 

Sum of Squares

Mean Square

Mean Square

F

Sig.

Average Dif.

Pessoal ao serviço

6,90

3,45

3,45

3,04

0,05

1,2<3

Pessoal ao serviço com Ensino Superior

368,44

184,22

184,22

3,62

0,03

1,2<3

Habilitações do dirigente

1,18

0,59

0,59

0,80

0,45

 

Utilização TICs Comércio Eletrónico

2,11

1,06

1,06

4,63

0,01

1,2<3

utilização TICs clientes/ fornecedores

2,24

1,12

1,12

4,64

0,01

1,2<3

Fonte: Elaboração própria

 

Ao nível dos principais meios de divulgação do produto, o grupo 3, o mais dinâmico em termos de inovação também se destaca dos grupos 1 e 2 nomeadamente no que respeita à utilização dos media/publicidade/marketing; de mailling, prospetos/folhetos; Internet com vista a divulgar os seus produtos (Quadro 6).

 

Quadro 6: Diferenças de Médias entre Grupos: Meios de Divulgação do Produto

 

Sum of Squares

Mean Square

F

Sig.

Average Dif.

Média/publicidade/marketing

1,97

0,99

4,08

0,02

3>1

Mailing

1,51

0,76

5,12

0,01

3>2,1

Cartazes

0,61

0,30

1,75

0,18

 

Prospetos/folhetos

1,29

0,64

3,14

0,05

3>2

Difusão Direta/face to face

0,11

0,05

0,34

0,71

 

Programação/agendas culturais

0,04

0,02

0,39

0,68

 

Internet

1,79

0,89

4,74

0,01

3>1,2

Outros meios

0,51

0,26

2,03

0,13

 

Fonte: Elaboração própria

 

Table 7: Diferenças de Médias entre Grupos: Objetivos Iniciais para Inovar

 

Sum of Squares

Mean Square

F

Sig.

Average Dif.

Alargamento gama de produtos

11,44

5,72

4,25

0,02

1<3

Novos mercados /aumento da quota

7,88

3,94

3,04

0,05

1<3

Melhoria da qualidade dos produtos

6,69

3,35

3,03

0,05

1<3

Melhoria da flexibilidade de produção

2,47

1,23

0,67

0,52

 

Aumento da capacidade de produção

4,71

2,36

1,30

0,28

 

Redução de custos de trabalho

4,76

2,38

1,54

0,22

 

Redução de consumo de energia/materiais

0,42

0,21

0,21

0,81

 

Melhoria ambiental de segurança/saúde

27,14

13,57

9,63

0,00

1<3

Cumprimento de normas

12,42

6,21

3,38

0,04

1<3

Fonte: Elaboração própria

 

As diferenças entre os grupos são significativas para um vasto conjunto de objetivos e fontes para inovar. Neste caso, verificamos que as empresas do grupo 3 são as que evidenciam uma maior diversificação de objetivos para inovar. No entanto, não se verificaram diferenças nos seguintes objetivos para inovar: a melhoria da qualidade dos produtos, a melhoria da flexibilidade de produção, o aumento da capacidade de produção, a redução de custos de trabalho e a redução de consumo de energia/materiais (Quadro 7). 

 

Quadro 8: Diferenças de Médias entre Grupos: Fontes de Inovação

 

Sum of Squares

Mean Square

F

Sig.

Average Dif.

Dentro da empresa

10,63

5,32

5,63

0,00

1,2<3

Outras empresas

16,89

8,45

6,23

0,00

1,2<3

Fornecedores

3,44

1,72

1,50

0,23

 

Clientes

11,07

5,53

4,44

0,01

2<1,3

Concorrentes

0,76

0,38

0,29

0,75

 

Instituições e Laboratórios de I&D

8,12

4,06

4,02

0,02

1,2<3

Instituições de Ensino Superior

7,39

3,69

3,74

0,03

1,2<3

Conferências, Reuniões e Publicações Científicas

9,26

4,63

3,75

0,03

1,2<3

Feiras, mostras de produtos

11,63

5,82

4,59

0,01

2<1,3

Empresas de Consultoria

6,43

3,22

3,08

0,05

1,2<3

Contactos pessoais

1,42

0,71

0,55

0,58

 

Redes Profissionais

1,85

0,93

0,81

0,45

 

Fonte: Elaboração própria


Também em termos das principais fontes para inovar, o padrão é idêntico ao já observado relativamente aos objetivos, em que o grupo 3 se distancia dos grupos 1 e 2 relativamente à utilização de diversas fontes, internas, externas, institucionais e de mercado para inovar. Saliente-se não se revelaram diferenças de grupos na utilização dos fornecedores, dos concorrentes dos contactos pessoais e profissionais como fontes de informação para inovar (Quadro 8).

No que respeita às relações em rede de cooperação, de subcontratação ou de concorrência as diferenças entre os grupos são significativas, especialmente as empresas dos grupos 1 e 3 que evidenciam uma maior propensão para as relações de cooperação por oposição ao grupo 2.

 

Quadro 9: Diferenças de Médias entre Grupos: Relações em Rede de Cooperação

 

Sum of Squares

Mean Square

F

Sig.

Average Dif.

A empresa estabeleceu acordo de cooperação

3,97

1,98

8,68

0,00

2<1,3

Existe concorrência direta com outras empresas

0,12

0,06

0,27

0,77

 

A empresa tem relações de subcontratação

0,17

0,08

0,34

0,71

 

Inovação foi desenvolvida pela empresa

20,92

10,46

82,27

0,00

2<1,3

Inovação foi desenvolvida em cooperação

1,11

0,55

6,83

0,00

2<1,3

Inovação desenvolvida por outras empresas

0,54

0,27

4,19

0,02

2<1,3

Fonte: Elaboração própria

 

Ao nível dos principais e mais importantes atores para desenvolver relações de cooperação, verificamos que as empresas do grupo 2 e 3 valorizam mais a cooperação com os fornecedores do que o grupo 1, enquanto a cooperação com outras empresas mantém o padrão anterior relativamente às relações em rede. Relativamente a atores como os consultores e instituições de ensino superior, efetivamente são as empresas do grupo 3 que mostram mais interesse em cooperar com eles.


Quadro 10: Diferenças de Médias entre Grupos: Principais Atores na Rede de Cooperação

 

Sum of Squares

Mean Square

F

Sig.

Average Dif.

Empresas do grupo

13,80

6,90

4,10

0,02

2<1,3

Fornecedores

16,37

8,18

5,23

0,01

1<2,3

Clientes

3,67

1,83

0,96

0,39

 

Concorrentes

2,30

1,15

1,28

0,28

 

Consultores

12,00

6,00

4,49

0,01

1,2<3

Instituições e Laboratórios de I&D

6,09

3,05

2,57

0,08

 

Instituições de Ensino Superior

18,59

9,30

8,23

0,00

1,2<3

Associações de desenvolvimento

5,28

2,64

2,56

0,08

 

Associações empresariais/comerciais

0,39

0,19

0,15

0,86

 

Administração pública central

5,04

2,52

2,12

0,13

 

Administração pública local

0,14

0,07

0,05

0,95

 

Sindicatos

1,03

0,52

0,99

0,37

 

Fonte: Elaboração própria


No que respeita a diferenças nos níveis de apoios institucionais observam-se menor número de diferenças entre os grupos e as que existem (ao nível de apoios comunitário) apresentam um padrão é idêntico ao já observado relativamente às relações em rede de cooperação.

Quadro 1: Diferenças de Médias entre Grupos: Apoio Financeiro para Inovar

Source of support

Sum of Squares

Mean Square

F

Sig.

Average Dif.

Administração Local

0,14

0,07

0,88

0,42

 

Administração Central

0,22

0,11

0,68

0,51

 

Fundos Comunitários

4,71

2,36

12,66

0,00

2<1,3

Iniciativas Comunitárias

0,02

0,01

0,64

0,53

 

Fonte: Elaboração própria


Em relação aos obstáculos para inovar, os resultados do teste do Qui-quadrado permitem concluir que a perceção de riscos excessivos; os custos de inovação demasiado elevados, a falta de fontes de financiamento apropriadas, a estrutura organizacional pouco flexível, a falta de pessoal qualificado, a falta de informação sobre tecnologia e sobre mercados, os regulamentos e normas e a reduzida dimensão de mercado e falta de cooperação com outros agentes locais não evidenciaram influência nos resultados obtidos em termos de dinâmica inovadora. Por outro lado, a falta de recetividade dos clientes e a fraca exigência dos consumidores mostraram ser fatores relevantes, bem como a fraca mobilidade de trabalhadores entre empresas da região.

Quadro 2: Resultados do teste do Qui-quadrado: Obstáculos para Inovar

 

X2

Sig.

Observações

Perceção de riscos excessivos 

6,69

0,35

X

Custos de inovação demasiado elevados

7,76

0,26

X

Falta de fontes de financiamento apropriadas 

7,76

0,26

X

Estrutura organizacional pouco flexível 

5,95

0,43

X

Falta de pessoal qualificado

5,95

0,43

X

Falta de informação sobre tecnologia

3,68

0,72

X

Falta de informação sobre mercados

4,18

0,65

X

Regulamentos e normas

2,52

0,87

X

Falta de recetividade dos clientes

12,42

0,05

V

Reduzida dimensão de mercado

7,48

7,48

X

Falta de cooperação com outros agentes locais

4,57

0,60

X

Fraca exigência dos consumidores

11,69

0,07

V

Fraca mobilidade de trabalhadores entre empresas da região 

13,44

0,04

V

Fonte: Elaboração própria

Relativamente a influência de variáveis contextuais da região, em termos de satisfação do empresário, sobre os processos territoriais de inovação, podemos concluir que se observam um menor número de diferenças entre os grupos e as que existem evidenciam uma maior satisfação dos empresários do grupo 3 comparativamente aos grupos 1 e 2. Saliente-se que essa maior satisfação se verifica nos aspetos ligados à presença de Instituições de Ensino Superior, à abertura/transparência na circulação de informação, a ambiente e congestionamento e sistema de valores e cultura local, à cultura popular e ao dinamismo da região. Quanto à oferta de força de trabalho com qualificação pretendida, à sua realização profissional e social, à segurança e a saúde, ao tráfego, a cultura e lazer, a geografia e paisagem, ao convívio estas variáveis contextuais não influenciaram os resultados em termos de dinâmica territorial de inovação.

 

Quadro 3: Diferenças de Médias entre Grupos: Satisfação do Empresário relativamente às características gerais do seu território

 

Sum of Squares

Mean Square

F

Sig.

Average Dif.

Instituições de ensino superior

5,34

2,67

3,25

0,04

3>2

Oferta de força de trabalho

2,99

1,50

2,32

0,10

 

Oferta de força de trabalho com qualificação pretendida

3,54

1,77

2,80

0,06

 

Abertura/transparência na circulação de informação

3,86

1,93

3,54

0,03

3>1,2

Realização profissional

0,02

0,01

0,02

0,98

 

Realização social

0,88

0,44

0,86

0,43

 

Segurança

0,15

0,08

0,12

0,88

 

Saúde

4,74

2,37

3,30

0,04

3>1

 Ambiente e congestionamento do tráfego

3,00

1,50

2,51

0,08

 

Cultura e lazer

1,29

0,64

1,04

0,36

 

 Geografia e paisagem

0,85

0,43

1,16

0,32

 

Sistema de valores e cultura local

4,72

2,36

4,91

0,01

3,1>2

Cultura popular

4,38

2,19

4,84

0,01

3>2

Convívio

2,36

1,18

2,17

0,12

 

Dinamismo

3,23

1,61

3,15

0,05

3>2

Fonte: Elaboração própria

 

Quadro 4: Diferenças de Médias entre Grupos: Efeitos da Intervenção Pública

 

Sum of Squares

Mean Square

F

Sig.

Average Dif.

Acessibilidades intrarregionais

1,51

0,76

0,96

0,39

 

Acessibilidades inter-regionais

4,18

2,09

2,52

0,08

 

Equipamento infraestruturas de apoio à atividade económica

3,40

1,70

3,09

0,05

3>1,2

Equipamento infraestruturas de educação

6,51

3,25

6,38

0,00

3>1,2

Equipamento infraestruturas de saúde

5,54

2,77

3,50

0,03

3>1,2

Equipamento infraestruturas culturais

6,85

3,42

5,43

0,01

3>1,2

Apoio à conquista de novos mercados

0,23

0,12

0,17

0,84

 

Apoio à internacionalização das empresas

1,17

0,59

0,78

0,46

 

Apoio à implementação de estruturas e iniciativas de cooperação empresarial

0,65

0,33

0,41

0,66

 

Apoio à reestruturação dos processos produtivos

2,55

1,27

1,98

0,14

 

Apoio ao desenvolvimento efeitos fileira e à diversificação de produtos

1,71

0,86

1,54

0,22

 

Apoio ao desenvolvimento de processos de inovação

3,79

1,90

2,88

0,06

3>1,2

Fonte: Elaboração própria


As diferenças entre os grupos são significativas ainda para os efeitos de intervenção em termos de equipamentos e infraestruturas de apoio à atividade económica, de educação, de saúde, culturais e em termos de apoio ao desenvolvimento de processos de inovação. O grupo 3 continua a destacar-se dos outros grupos com melhores níveis de satisfação.

Considerações Finais


Para fomentar a competitividade das regiões de fronteira, com uma realidade económica de espaço periférico e de industrialização difusa, é fundamental ativar a sua dinâmica territorial de inovação. Para melhorar o processo territorial de inovação, o reordenamento territorial que permita configurar o sistema de inovação numa ótica transfronteiriça poderia ser um caminho eficaz para reduzir assimetrias, promover a dinâmica de inovação e fomentar a competitividade destas regiões. Nesta configuração dos diversos atores, os sistemas de inovação são considerados instrumentos privilegiados de criação e promoção de inovação e de sustentabilidade da competitividade territorial. Com efeito, a organização do Sistema de Inovação numa perspetiva transfronteiriça, poderia ajudar a aumentar a capacidade de inovação das regiões de fronteira. 
O sistema transfronteiriço de inovação representa assim a infraestrutura institucional de duas regiões de fronteira que leva à obtenção de sinergias regionais e a um maior aproveitamento das potencialidades locais. A cooperação e interação entre o sistema empresarial dos dois lados da fronteira, o sistema de governância regional e nacional, a academia, a indústria e as pessoas aí estabelecidas dos dois lados da fronteira, ajudam a sustentar e fomentar a dinâmica transfronteiriça de inovação.
Relativamente aos perfis desenhados pelos métodos quantitativos escolhidos para as empresas levam a concluir que a dinâmica de inovação das regiões de fronteira e que estão associadas ao melhor desempenho em termos de inovação são: a relação de pessoal ao serviço com ensino superior, disponibilidade das novas TIC’s e a sua utilização para comércio eletrónico, para relacionar-se com os seus clientes e fornecedores e para relacionar-se com utentes/sócios, as habilitações dos dirigentes, a maior valorização das diversas fontes de informação, o maior estabelecimento de relações de cooperação (formais ou informais) onde se constata que o cluster das empresas mais inovadoras é aquele em que há, apesar do reduzido valor, mais apetência para cooperar com as instituições de I&D, de Ensino Superior mas que tem preferência em cooperar com fornecedores. Concluiu-se ainda que os obstáculos económicos e financeiros, não são a maior preocupação para os atores mais envolvidos em inovação. A intenção futura dos atores em termos de inovação, o efeito de aprendizagem individual e a satisfação com o sistema de governância também permitiram influenciar o perfil mais inovador. Em contrapartida, os apoios financeiros e a dinâmica de aprendizagem coletiva não permitiram ter uma ideia clara quanto ao seu desempenho no processo inovador. Para as empresas, os clusters mais envolvidos em inovação são onde a dinâmica de aprendizagem coletiva e os apoios financeiros assumem maiores valores.
Na regiões de fronteira de Portugal e Espanha, em particular na Raia Central Ibérica constatou-se uma dinâmica territorial de inovação pouco forte e que se deve essencialmente a:
- Elevado peso das empresas com baixo ou médio envolvimento em atividades de inovação; 
- Falta de pessoal ao serviço com qualificação superior;
- Pouca valorização das diversas fontes de informação e em particular das fontes institucionais para inovar;
- Um distanciamento entre o setor empresarial e o sistema de ensino e de I&D;
- Ausência de fortes relações de cooperação entre o setor empresarial e as instituições públicas/associações;
- Reduzida intenção futura para inovar;
- Ausência de uma dinâmica de aprendizagem coletiva.

Assim, os fatores associados ao melhor desempenho inovador são os fatores estratégicos que deverão ser considerados pelos diferentes atores da RCI para melhorar a sua dinâmica inovadora desta região de fronteira. Face a esta situação é imprescindível que os diferentes atores concretizem as seguintes medidas:

- Melhorar as características gerais das organizações da RCI
- Desenvolver e sofisticar as relações com outros atores da região e de outras regiões, em particular as regiões de fronteira
- Melhorar e desenvolver o comportamento em matéria de inovação
- Melhorar o funcionamento do sistema territorial de governância e as características da região
- Organizar e ativar o STI
 
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Anexo 1: ANOVA Aplicada aos 3 padrões de envolvimento em inovação das empresas



[1]               Doutor em Economia, Professora em Economia e Economia da Inovação

[2]               Citado por Caracostas and Soete, 1997, p.413. Também Gaffard et al (1993) (citado por Caracostas and Soete, 1997, p.413) determinam 4 tipos de sistemas locais de inovação (distritos industriais, áreas metropolitanas, aglomerações territorializadas e territórios em transição.

[3]           Krugman (1995) fez uma comparação semelhante em relação ao conceito de competitividade quando aplicado à nação. Para este autor repartir o sistema nacional em subsistemas constitui uma negação ao entendimento de quem os desenvolve. Pois, os sistemas nacionais integram também a economia internacional e são a chave para entender a sua dinâmica interna.

[4]               Munier and Rondé (2001:518) considera a definição de Boekema et al (2000) em que a learning region é a expressão física para entender, que cresceu na década de 90, como o crescimento económico é dependente da inovação, e a inovação por seu lado, é dependente da criação, disseminação e aplicação do conhecimento.

 


  

 

 

Políticas de Criatividade para o Desenvolvimento Regional: A Importância do Setor Cultural e Criativo em Portugal

 Ana Rita Cruz

 

Resumo

As questões relacionadas com a criatividade tornaram-se o centro de intervenções políticas e análises dos territórios com o sucesso das ideias de Richard Florida. O presente artigo discute a emergência da classe criativa e da criatividade enquanto vetor de desenvolvimento regional no mundo contemporâneo. As políticas de estímulo à criatividade se interligam mas não se limitam às políticas culturais. Tendo por base uma avaliação recente do potencial económico da criatividade, neste artigo se debate a importância e peso em Portugal e nas suas regiões das actividades criativas.

Palavras-chave: Criatividade, Desenvolvimento Regional, Setor Cultural, Setor Criativo, Portugal

 

Abstract:

With the success of the ideas of Richard Florida issues related to creativity have become the center of policy discussions and territorial analysis. This article discusses the emergence of the creative class and creativity as a vehicle for regional development in the contemporary world. Policies to stimulate creativity are linked but are not limited to cultural policies. Based on a recent assessment of the economic potential of creativity, the study debates the importance and weight in Portugal and its regions of creative activities.

Key-words: Creativity, Regional Development, Cultural Sector, Creative Sector, Portugal

 

1. Introdução

Os estudos etimológicos acerca da origem da palavra ‘criatividade’ vêem-na como algo de trazer à existência, criando, inventando, lidar criativamente com problemas aparentemente insolúveis. Geralmente existe alguma confusão entre os conceitos criatividade e inovação que são distintos. Segundo Burnett (cit. in Barry, 1993) a criatividade é o processo através do qual novas ideias são produzidas enquanto a inovação é o processo através do qual as novas ideias são implementadas. Deste modo, a criatividade é uma pré-condição para a inovação. No entanto, também é importante referir que a criatividade não diz apenas respeito ao ‘novo’, envolvendo também a abertura a ideias, influências e/ou recursos já existentes que podem ser aproveitados de formas mais sustentáveis e eficientes (Landry e Bianchini, 1998).

Ao longo do tempo o termo ‘criatividade’ tem sido utilizado como uma abrangência relativamente pequena e muito estanque, aplicando-se com mais expressão no contexto das artes. Reconhecida a sua relevância, a arte é apenas uma pequena parte da criatividade que na atualidade se configura como um desafio global. Desde o início do século XXI que a importância e a abrangência da criatividade são reconhecidas pelos diversos atores da sociedade tendo sido esta rapidamente incorporada no discurso e prioridades políticas. No ano 2009, a Comissão Europeia levou a cabo a iniciativa “Ano Europeu da Criatividade e Inovação” com o objetivo geral de “apoiar os esforços dos Estados-Membros na promoção da criatividade, através da aprendizagem ao longo da vida, enquanto motor de inovação e fator essencial do desenvolvimento das competências pessoais, profissionais, empresariais e sociais e do bem-estar de todos os indivíduos da sociedade.” (Decisão N.º 1350/2008/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Dezembro de 2008)

No que se refere ao conhecimento académico a produção científica dirigida à importância económico-social da criatividade é relativamente recente e tem uma maior expressão ao nível das ciências sociais. De um modo geral reconhece-se que a importância social e económica dada atualmente à criatividade resulta da mudança de paradigma da economia mundial associada ao fenómeno da globalização (Fundação Serralves, 2008) e, simultaneamente, da perceção da vasta abrangência do conceito.

Neste artigo são abordadas as questões relacionadas com a criatividade no território, com a emergência da classe criativa e com o setor criativo. O artigo estrutura-se com uma secção inicial que discute a emergência da classe criativa e da criatividade enquanto vector de desenvolvimento regional. Seguidamente discute-se o tema dos territórios criativos e das políticas de estímulo à criatividade. A ligação entre as políticas culturais e criatividade são discutidas tendo por base uma avaliação recente do potencial económico das actividades criativas.

 

2. A Emergência da Classe Criativa

Segundo a OCDE (2009) o impulso mais importante para o enfoque na criatividade foi obtido a partir do livro The Creative Class de Richard Florida em 2002. O livro argumenta que a base das vantagens económicas de um território está na criatividade humana. Os locais devem desenvolver, atrair e reter pessoas criativas que possam estimular o conhecimento, a tecnologia e a inovação para reforçar o crescimento económico. Essas pessoas criativas são definidas como um novo coletivo emergente, a classe criativa. Um aspeto importante que Florida salienta é como é fundamental para a classe criativa a qualidade do lugar, combinando fatores como a abertura, diversidade, meio ambiente, cultura de rua e qualidade ambiental. Esses fatores, mais ou menos intangíveis, estruturam as instituições que influenciam a decisão de localização das pessoas criativas. Muitos países, regiões e cidades estão a configurar-se como territórios criativos. O primeiro exemplo foi a Austrália, que se posicionou como "creative nation", em 1994. Como referem Florida e Tinagli (2004), por exemplo, a região de Helsínquia na Finlândia posiciona-se como região mais criativa na Europa graças ao seu elevado nível de Investigação e Desenvolvimento e de emprego na área das tecnologias de informação e comunicação.

A ascensão da classe criativa reflete a transformação da economia e a alteração significativa do papel dos territórios. Esta ascensão provocou uma mudança relevante em termos de valores, normas e atitudes uma vez que esta classe se assumiu como padrão em termos de estilo de vida e dominante em termos de poder económico. Florida destaca três aspetos essenciais nos valores da classe criativa: a individualidade, a meritocracia e a diversidade e abertura. A individualidade refere-se ao facto dos membros da classe criativa exibirem uma forte preferência pela autoafirmação, não se conformando com as regras organizacionais ou padrões pré-definidos. A meritocracia destaca a valorização da classe criativa ao mérito pessoal, entendido como capacidade de trabalho, estabelecimento de objetivos e resultados alcançados. O dinheiro deixa assim de ser o elemento central na definição do status. Apesar da sua importância, outros aspetos como o respeito dos pares e a liberdade assumem relevância. Os membros da classe criativa sentem que querem dinheiro para viver a vida da maneira que preferirem, mas mesmo que consigam ganhar o suficiente podem ficar frustrados se notarem que estão a ser pagos de modo inferior ao que consideram justo pela qualidade do seu trabalho ou comparativamente a outros colegas. Apesar da falta de dinheiro ser um fator para a insatisfação com o trabalho, o dinheiro por si só não torna os trabalhadores criativos mais felizes, comprometidos ou motivados. A classe criativa é muitas vezes movida pela paixão pelo seu próprio trabalho. A diversidade e abertura relaciona-se com a noção de que ser mais capaz na profissão não depende da etnia, credo, preferência sexual ou outros fatores de diferença. A diversidade é entendida como um sinalizador do funcionamento da meritocracia.

Para a satisfação no trabalho, a classe criativa valoriza fatores e atributos eminentemente intrínsecos: desafios e responsabilidade: os trabalhadores criativos querem contribuir, ter impacto e fazerem a diferença; flexibilidade: um horário e um ambiente laboral flexível que permita uma adaptação individualizada às tarefas; segurança laboral: não um trabalho para a vida toda mas um trabalho que evite uma rotina diária de caos, angústia e incerteza; compensação: em particular, relacionado com o vencimento base, dinheiro com o qual se pode contar; desenvolvimento profissional: a oportunidade de aprender, crescer e expandir os seus próprios horizontes; reconhecimento dos pares: a oportunidade de ganhar reputação e a estima e reconhecimento dos outros que se conhece; estímulo de colegas e gestores: as pessoas criativas gostam de estar rodeadas de outras pessoas criativas e preferem líderes que não os ignoram mas que também não os subestimam; conteúdo de trabalho estimulante: estar envolvido em projetos e tecnologias que abrem novas oportunidades e colocam problemas intelectuais interessantes; cultura organizacional: uma cultura que cria um sentimento de pertença, valorização e apoio; localização e comunidade: as pessoas necessitam de viver em locais com uma ambiência estimulante onde existe uma noção de comunidade.

Ao contrário de um passado recente, no qual os indivíduos se deslocavam em procura de trabalho, os membros da classe criativa não consideram a possibilidade de morarem em determinados locais apenas pela existência de um emprego. A prioridade é normalmente invertida, as pessoas escolhem um local onde gostavam de viver com qualidade de vida e iniciam uma procura de emprego nesse local. As pessoas utilizam a participação na comunidade de forma a reproduzirem a sua identidade criativa, os seus interesses e valores no local de trabalho e na sociedade de uma forma geral.

As teorias centradas na importância do Capital Humano sublinham que o crescimento económico acontece onde se estabelecem os recursos humanos mais qualificados (Becker, 1964). Os investimentos em educação predizem muito melhor o crescimento económico subsequente que o investimento em infraestruturas como a construção de estradas ou ferrovias de alta velocidade. Mas porque algumas localizações são mais atrativas que outras? Como refere Florida esta pergunta essencial tem sido tida em atenção principalmente nas questões da localização das empresas e menosprezando a relevância da escolha das pessoas partindo do pressuposto que as pessoas se deslocam para onde existir trabalho, uma premissa que já não se verifica. A concentração de recursos humanos evidencia que pessoas com determinado perfil atraem pessoas do mesmo tipo num processo semelhante à clusterização industrial.

Essencialmente Florida descreve as suas ideias como uma teoria na qual o crescimento económico regional é incentivado pela escolha de localização das pessoas criativas, os detentores do capital criativo, que preferem locais tolerantes, diversos e abertos a ideias novas. O meio social e cultural é considerado por Florida um elemento central na estruturação da criatividade nas suas diversas formas, artística, cultural, tecnológica e económica. O meio providencia um ecossistema no qual a diversidade de formas de criatividade pode enraizar-se e florescer. A existência de instituições culturais que apoiem determinado estilo de vida fornece incentivos para a localização das pessoas que apreciam esse quotidiano. O meio fornece o mecanismo de atração de pessoas possibilitando a interação e a troca de conhecimento e ideias. Existe uma fertilização cruzada entre as várias formas de criatividade que leva a que no mundo atual os locais caracterizados fortemente pela existência de um tipo de criatividade consigam em paralelo estimular as outras formas de criatividade.

O lugar é valorizado pela classe criativa por possuir alguns atributos essenciais:

  • Mercados laborais alargados: Hoje as organizações são desleais e as carreiras são largamente horizontais levando a que as pessoas não procurem um trabalho mas sim muitas oportunidades de trabalho, uma vez que não pretendem nem conseguem permanecer muito tempo na mesma organização.
  • Estilo de vida: as pessoas recusam ofertas laborais por se localizarem em territórios que não oferecem as amenidades culturais, científico-tecnológicas e ambientais que ambicionam. A vida noturna é um fator sinalizador do dinamismo criativo do território e deve ter uma mistura de ofertas que possibilitem compatibilizar com os horários alargados da classe criativa. Muitos elementos referem a necessidade de vida noturna a horas mais tardias e de opções que não envolvam necessariamente o álcool.
  • Interação social: a capacidade de uma comunidade gerar interação entre os seus membros é muito valorizada. Locais como coffee shops, livrarias, e cafés são importantes. Esta estabilidade na interação social é mais valorizada porque a família e o trabalho estão sujeitas a mais mudanças que no passado.
  • Diversidade: a diversidade e a abertura de ideias é um dos fatores críticos de localização, permitindo simultaneamente o respeito por diferentes perfis face à sexualidade, à etnia, à idade e ao aspeto físico. É uma dimensão central que sinaliza a abertura da comunidade às pessoas externas, gerando um ambiente cosmopolita onde as culturas e ideais se cruzam.
  • Autenticidade: os lugares são valorizados face à sua autenticidade (a história dos edifícios, os bairros históricos, atributos culturais específicos). A singularidade do local deriva da mistura destes elementos tradicionais e que caracterizam a história do lugar com a modernidade e a valorização das infraestruturas e adaptação ao cosmopolitismo sem desvinculação total dos valores e práticas estabelecidas.
  • Identidade: atualmente a identidade pessoal está afastada da empresa, que anteriormente era um importante alicerce da identidade individual. A combinação do que o indivíduo faz com onde reside assumiu o papel identitário central. Esta importância acrescida faz com que os membros da classe criativa queiram ser, também eles, geradores de identidade do lugar, participando ativamente na vida da comunidade.
  • Qualidade do Lugar: este é o fator central na decisão da localização da classe criativa. Esta noção envolve uma multiplicidade de aspetos que tornam o lugar mais atrativo. Florida sugere que a qualidade do lugar como tendo três dimensões essenciais: i) o que está lá? A combinação do ambiente construído com o ambiente natural, ii) quem está lá? Os diferentes tipos de pessoas interagindo e criando uma comunidade, e, iii) o que se passa lá? A dinâmica da vida quotidiana, da vida urbana e das atividades exteriores. A qualidade de vida de um lugar pode ser entendida como o conjunto de experiências que o território consegue oferecer. Os lugares bem sucedidos não fornecem um tipo único de experiência mas sim uma gama alargada de opções de qualidade de vida que atraem diferentes pessoas em diferentes momentos do seu ciclo de vida.

Os membros da classe criativa caracterizam-se pela diversidade de formas, cores e estilos de vida. Para serem bem sucedidas as regiões devem ser capazes de oferecer algo a todas elas. O estilo de vida da classe criativa baseia-se numa constante procura de experiências para os momentos de lazer. Estas experiências relacionam-se com dois vetores centrais: i) a vida ativa, focando atividades ligadas à prática desportiva e à natureza, e ii) a vida urbana, com o papel da animação de rua, dos eventos e da cultura do lugar. As amenidades são importantes, em particular aquelas que se relacionam com a vida ativa e urbana e com o fornecimento de experiências mas também com a disponibilidade adequada de locais para o consumo. Os territórios tornam-se locais onde a classe criativa quer consumir. As regiões mais criativas são locais que fornecem aos seus residentes uma oferta alargada de consumo e que por esta via alicerçam as dinâmicas económicas.

A classe criativa valoriza um misto de existência de infraestruturas científicas e tecnológicas, e facilidades culturais, de recursos naturais e também de autenticidade da própria cidade.

Os 3 Ts do Desenvolvimento Económico, tecnologia, talento e tolerância, sofrem impactos da existência de uma universidade dinâmica. As universidades são centros de investigação que são fonte crucial de empresas spin-off e de novas tecnologias, são ímanes efetivos de talento, e ajudam a criar um clima tolerante, progressivo e aberto.

Transformar o Algarve de uma economia baseada em serviços para uma região criativa necessita que a região não se deixe apanhar pelo seu próprio passado. Como refere Florida muitas regiões com êxito deixam-se apanhar pelo seu passado bem sucedido insistindo em práticas institucionais desadequadas ao ritmo dos novos tempos, uma esclerose institucional. Estas regiões passam a ser caracterizadas pela inércia e resistência à mudança apresentando dificuldades em adotar novos padrões culturais e organizacionais levando a que a inovação se instale em outros lugares.

A teoria da criatividade desenvolvida por Florida refere-se essencialmente à classe criativa em meio urbano. Em jeito de síntese, os fatores que atraem a classe criativa para o meio urbano são o talento, a tecnologia e a tolerância que está presente nas cidades. A classe criativa procura nestes locais atividades e desafios interessantes, cidades dinâmicas com capacidade de proporcionar atmosferas de lazer e, simultaneamente, de trabalho, e procuram ainda ambientes autênticos caracterizados pela diversidade. Vários autores afirmam que esta é uma das limitações da teoria de Florida. Apenas são considerados territórios urbanos com características de metrópole. No entanto, existem evidências de que a classe criativa pode também ser atraída para meio rural.

A classe criativa em meio rural é uma utilização posterior da noção de classe criativa desenvolvida por Florida que se aplicava somente às metrópoles. Num estudo elaborado sobre as indústrias criativas na região de East Midlands (Reino Unido), em 2008, foi analisado porque motivo as pessoas de deslocam para áreas rurais com o objetivo de aí se estabelecerem e criarem o seu próprio negócio. O resultado desta análise revela que a classe criativa se desloca para o meio rural pois estas zonas representam: locais de trabalho calmos e pitorescos; um cenário perfeito para desenvolver o trabalho que estimula o pensamento criativo; uma fonte de imagens e de matérias-primas diferentes; um estilo de vida saudável física e mentalmente.

Baptista (1999) defende que a realidade atual do meio rural revela que estamos perante “campos urbanizados”, ou seja, campos transformados pela tecnologia que permite planear as atividades que se podem desenvolver neste meio (e.g., agricultura) e pela apropriação urbana destes meios através do aumento da mobilidade populacional (e.g., substituição das populações tradicionais pela população migrante da cidade para o campo e o fenómeno turístico). Este processo é no entanto experimentado de formas diversas devido às especificidades nacionais, regionais e locais e, por este motivo, apesar de universal, detém um caráter único consoante à adaptação aos fatores económicos, sócio-culturais e ambientais.

Pese embora a classe criativa possa instalar-se em zonas rurais, não parece natural que o faça se não for alvo de estímulo prévio. O mesmo estudo revela que algumas das empresas criativas apenas foram criadas em resposta direta a uma política rural específica relacionada com o desenvolvimento iniciativas na área das artes rurais e com a oferta de utilização de edifícios degradados para uso de novos negócios a custo zero (Burns e Kirkpatrik, 2008). Este estudo revela a importância das políticas e estratégias quando se fala na criação de indústrias e economias criativas.

 

3. Criatividade e Território

3.1 Cidades Criativas, Indústrias Criativas e Clusters Criativos

É nas cidades que atualmente reside a maioria da população e por este motivo cada vez mais estas se constituem como parte fundamental para a promoção da competitividade, da cidadania e da qualidade de vida.

As cidades são territórios que desde sempre sofreram forte influência da evolução das sociedades ao longo do tempo: mudanças nos paradigmas económicos, alterações dos modos de vida, entre outros. Deste modo, a cidade ela própria sofre alterações que mudam também os problemas que hoje se associam aos novos modos de vida: crime e insegurança, tendência para a imitação, necessidade de melhoria da qualidade ambiental e necessidade de pensar em novas formas de trabalho que acompanhem os paradigmas sociais, económicos, políticos, ambientais, culturais e demográficos emergentes (Landry e Bianchini, 1998).

É neste contexto que a criatividade no contexto da cidade assume uma importância fundamental. A cidade criativa é, segundo Florida (2002), um espaço capaz de atrair e fixar a nova classe criativa, caracterizada pela elevada mobilidade, e capaz de desenvolver investigação e tecnologia (universidades e empresas inovadoras). A valorização da diversidade social e cultural (tolerância) determina a capacidade de atração de talento de uma cidade criativa. A competitividade futura vai assim depender dos 3 Ts do crescimento económico: tecnologia, talento e tolerância.

Outros contributos fundamentais para a definição deste conceito têm sido dados por outros autores e agências e instituições essencialmente ligadas à cultura mas, no entanto, este continua a ser identificado como um conceito relativamente ambíguo e longe de reunir consensos. Hansen et al. (2001) refere em tom de crítica que o conceito de cidade criativa pode ser visto como o mais recente produto de marketing territorial, ao serviço da luta e

Costa et al. (2008), num esforço de reunir as várias abordagens ao conceito de cidade criativa, propõem uma tipologia de três eixos para suportar a construção conceptual desta noção: i) a ideia de criatividade como instrumento ou ferramenta para o

Em 2004, a UNESCO lança a iniciativa Rede de Cidades Criativas com o objetivo de criar uma rede de cidades para partilha de experiências, estimular o potencial criativo comum e desenvolver projetos comuns. Na perspetiva da UNESCO uma cidade criativa apresenta as seguintes características: cidade em que as artes são respeitadas pela sua importância estética, pela sua capacidade de facilitar o entendimento e a comunicação; cidade em que se encoraja a diversidade cultural e se apoia a expressão da criatividade em todas as suas formas; cidade na qual as pessoas podem usufruir de atividades culturais no seu quotidiano; cidade onde as artes são encaradas como uma necessidade educativa e a criatividade é reconhecida com uma competência sem valor atribuível na Era da Informação; e cidade onde as artes são avaliadas tanto pelo seu papel económico como pelo valor espiritual, intelectual e social. A Figura 1, ilustra o modelo de Mateus (2010) que faz a convergência da classe criativa e da cidade criativa. O modelo mostra como os 3 Ts (talento, tecnologia e tolerância) convergem para os 3 Cs (cultura, comunicação e cooperação) e como dependem dos recursos e das comunidades neste processo.

 

Figura 1: Convergência da “Classe criativa” e da “Cidade criativa”

Fonte: Mateus (2010: 21)

 

Na indústria assistiu-se também a uma alteração do paradigma, que teve uma influência determinante no modo de organização e estilo de vida das cidades. Atualmente a indústria nada tem a ver com os padrões industriais fordistas característicos do século XIX e início do século XX. No século XXI espera-se que as indústrias sejam geradoras de conhecimento através da criatividade e inovação combinadas com rigorosos sistemas de controlo. A definição de indústrias criativas surgiu na Austrália, em 1994, mas apenas se popularizou em 1997, quando o Department for Culture, Media and Sport (DCMS) do Reino Unido o desenvolveu. Nesta definição as indústrias criativas caracterizam-se por terem origem na criatividade, competência e talento individuais e o potencial para criarem riqueza e emprego gerando e explorando a propriedade intelectual. Os produtos resultantes das indústrias criativas têm um valor que assenta no seu conteúdo, no seu significado ou no que representam. Ou seja, é o valor expressivo do produto criativo que reflete o seu valor e não o objeto que o transporta, por exemplo, numa peça de vestuário criativa o que realmente é criativo é o estilo que esta proporciona a quem a veste e não apenas o tecido utilizado (Throsby, 2001 cit. in Fundação Serralves, 2008).

As indústrias criativas refletem vários setores de maior crescimento na economia global e representam também uma fonte essencial de competitividade. Na Europa as indústrias criativas representam um volume de negócios de 654 mil milhões de euros, correspondendo a 2,6% do PIB da UE e apresentam um crescimento de 12,3% com 5,8 milhões de pessoas nelas empregadas (KEA, 2006). Em Portugal, o estudo elaborado pela KEA – European Affairs (2006) sobre a Economia Cultural na Europa revela que o setor das indústrias criativas no ano 2003 apresentava um volume de negócios de 6 358 milhões de euros, correspondendo a 1,4% do PIB nacional, sendo o terceiro setor que mais contribuiu nesse ano para o PIB português, à frente de setores como o da indústria química (0,8%), o imobiliário (0,6%) ou o dos sistemas de informação (0,5%). Em termos de emprego, o setor das indústrias criativas em Portugal empregava 76 mil pessoas em 2004, sendo que se a este valor se associar o turismo cultural o volume de pessoas empregadas era de 116 mil.

Estes dados são fundamentais para compreender a importância e a evolução que o setor das indústrias criativas tem preconizado e como, gradualmente, se torna evidente a necessidade e convergir para economias baseadas em indústrias criativas.

Os modelos de governança das cidades criativas diferem consoante o nível de aplicação (nacional ou regional/local). A Tabela 3 esquematiza os procedimentos de governança para os níveis nacional e regional/local.

 

Nível Territorial

Procedimentos

Nacional

Definição de estratégias para o setor

Ministério da cultura em articulação com outros departamentos do Governo

Promover, desenvolver marcas e internacionalização

Mapeamento das atividades criativas

Políticas de cidades criativas

Regional/Local

Orientação para o turismo e património cultural

Promoção dos clusters e cadeias de valor

Promoção da regeneração urbana

Diversidade de atividades económicas

Atração de talentos e recursos humanos qualificados

Atração de investimento/capital de risco

Universidades

Criação de agências para a promoção das atividades nas regiões e nas cidades

Tabela 3: Procedimentos de Governança das Cidades Criativas

Fonte: Costa et al. (2008)

 

O nível regional é o mais diversificado e que se relaciona com as dimensões mais urbanas. Para atrair talento e tecnologia as cidades e/ou regiões podem recorrer a qualquer uma destas ferramentas ou a várias simultaneamente. O cluster criativo é uma das opções disponível. Porter (1998) define um cluster como uma concentração geográfica de empresas interconectadas, fornecedores especializados, prestadores de serviços, instituições e empresas associadas em indústrias relacionadas. Mas o cluster criativo não se refere à mesma definição de cluster que Porter introduziu em 1998. Um conjunto de empresas criativas precisa de muito mais do que a visão convencional de um parque empresarial ao lado de um campus de tecnologia. Na definição da UNESCO:

 

Um cluster criativo inclui empresas sem fins lucrativos, instituições culturais, salas de artes e artistas individuais, juntamente com Parques de Ciência e centros de media. Clusters criativos são lugares para se viver, bem como para trabalhar, lugares onde os produtos culturais são consumidos e produzidos. Eles estão abertos permanentemente para trabalho e para lazer. Alimentam-se de diversidade e mudança e assim prosperam através da sua especificidade local própria, e não deixando nunca de estar ligados ao mundo" (UNESCO, s/d)

 

Este amplo conceito do papel do cluster criativo requer uma atenção e coordenação significativas e o comprometimento das autoridades de gestão locais de modo a que se garanta a participação de agentes culturais, órgãos públicos, investidores e do setor privado, a fim de explorar as oportunidades culturais que existem nas cidades.

 

3.2 Bairros Culturais, Vilas e Aldeias Criativas

Em todas as épocas podem ser identificadas cidades consideradas criativas no seu tempo (por exemplo a Roma Antiga). Uma característica comum a estas cidades é o facto de nelas existirem algumas zonas ou bairros culturais:

 

O seu modelo é variável mas, por norma, são zonas que foram reconvertidas, com um ambiente criativo e informal, mistura de cafés, bares, galerias de arte ou salas de concertos, onde artistas emergentes podem experimentar. São os chamados bairros culturais, cada vez mais enaltecidos por permitirem um estilo de vida de escala humana e por serem sinónimo, quando equilibrados, de desenvolvimento económico sustentável. As suas fronteiras podem ser indefinidas, mas quando desembocamos num desses locais sentimos de imediato que não só entrámos numa comunidade cultural como podemos participar dela, de maneira interativa. Hoje, esse tipo de territórios ganhou nova pertinência, também porque o sentido de cultura foi alterado, englobando indústrias culturais tradicionais, novas indústrias de conteúdos, formas consagradas de arte ou manifestações emergentes associadas às formas de sociabilidade urbana juvenis.” (Costa, 2007)

 

O desenvolvimento de comunidades criativas em meio rural constitui também uma preocupação quando se fala em criatividade. O crescente movimento migratório, do interior para o litoral, que se continua a verificar em todo o mundo agravando de forma cada vez mais acentuada o fenómeno de desertificação humana das vilas e aldeias do interior está há muito na agenda política de vários países. A ideia de criação de vilas e aldeias criativas através da atração de população criativa e indústrias criativas para estes locais começa a ser gradualmente uma realidade como forma de combate ao abandono do território.

Apesar da teoria da economia criativa ter sido desenvolvida a pensar nas áreas metropolitanas, há autores que argumentam que as vilas e aldeias rurais têm poder de atração da classe criativa uma vez que a criatividade é importante para todas as indústrias. Enquanto alguns membros da classe criativa trabalham em indústrias criativas como o webdesign ou música, a maioria de trabalho desenvolvido nas indústrias mais tradicionais, como a agricultura ou o fabrico, ganha valor através de soluções criativas e inovadoras para os problemas que surgem (McGranahan e Wojan, 2007). A Figura 2 ilustra um modelo da estratégia económica para a criação de uma economia baseada em criatividade numa zona rural de Ontário no Canadá (Prince Edward County).

Figura 2: Modelo para a Criação de uma Economia Criativa Rural em Ontário

Fonte: Adaptado de Ferreira, 2010

 

A criatividade pode ser usada por todos os setores da economia e em todos os níveis socioeconómicos. Muitas vezes os consumidores das zonas rurais são apenas visitantes, predominantemente cosmopolitas que apreciam boa comida, as artes, o vinho, entre outros. A inspiração inovadora deve começar localmente, inserindo aspetos criativos nos aspetos tradicionais como a gastronomia sem perder a base local.

Representando a força de trabalho, as pessoas são o recurso fundamental para atingir a criatividade. Esta não reflete no território apenas através de artistas ou daqueles que se envolvem diretamente na economia criativa. A criatividade resulta antes de mais das pessoas e da forma como estas respondem aos problemas de forma criativa. É partindo deste pressuposto que poderá tornar os territórios criativos.

 

4. Políticas Culturais e Setor Criativo: Enfoque ao Caso Português

Cultura e criatividade são duas noções com significados e abrangências distintas mas nem sempre fáceis de identificar. Logo à partida pode afirmar-se que a noção de criatividade, com origem nas teorias de Florida, tem um caráter económico que geralmente não se verifica na noção de cultura. Ao longo do século XX houve uma consciencialização crescente de que a cultura é influenciada pelas políticas económicas e é sem dúvida fundamental para qualquer economia, gerando riqueza e emprego, tendo-se começado a usar o termo ‘indústrias culturais’. Em 2005, a UNESCO elaborou um relatório acerca do comércio internacional de bens e serviços culturais, entre 1994 e 2003, e concluiu que, em termos de volume de negócios, o comércio internacional de bens e serviços culturais passou de uma receita de cerca 33 mil milhões de euros em 1994, para cerca de 50 mil milhões de euros em 2003.

Verificado o potencial de desenvolvimento das denominadas ‘indústrias culturais’ estas são alvo de políticas e estratégias públicas. O termo ‘indústrias criativas’ surge no final do século XX com uma abrangência maior do que as anteriores ‘indústrias culturais’ passando os limites das artes e incluindo setores económicos emergentes relacionados, por exemplo, com tecnologias ou publicidade (UNESCO, 2006a). No entanto, é importante referir que as noções de ‘indústrias culturais’ e ‘indústrias criativas’ não têm utilização exclusiva. O significado de uma não anula a outra e vice-versa. Pelo contrário, estes conceitos complementam-se e dão origem a um setor económico: o setor cultural e criativo.

Augusto Mateus (2010) esquematizou o setor cultural e criativo apresentando todos os intervenientes e qual o papel das indústrias culturais e criativas neste contexto (Figura 3).

 

Figura 3: Setor Cultural e Criativo

Fonte: Mateus (2010: 25)

 

O setor cultural e criativo é composto por quatro dimensões: o setor cultural, as indústrias culturais, as indústrias criativas e as línguas e linguagens. O setor cultural é enquadrado como o espaço de afirmação de bens e serviços públicos e semipúblicos onde os atores essenciais são os cidadãos portadores de direitos democráticos de acesso à cultura. As indústrias culturais representam o espaço de afirmação de bens e serviços transacionáveis onde os atores essenciais são os consumidores com hábitos e poder de compra segmentados. As indústrias criativas são o espaço de afirmação de competências criativas onde os atores essenciais se referem a profissionais com competências diferenciadoras. As línguas e linguagens suportam as três dimensões anteriores através do uso da “língua da comunidade”, como elemento principal do património cultural e de identidade local, e do uso da “língua global” como meio de comunicação e interação com o exterior da comunidade (Mateus, 2010).

Ao nível do contributo do setor cultural e criativo para a geração de riqueza em Portugal, entre os anos 2000 e 2006 (Tabela 4), verifica-se no total um crescimento acumulado de 18,6% com uma taxa média de crescimento anual de 2,9%, fazendo notar a importância crescente deste tipo de atividades. Focando especificamente as atividades criativas verifica-se um acompanhamento da tendência geral do setor cultural e criativo, sendo que as atividades associadas à arquitetura e design são aquelas mais contribuem para a criação de riqueza no quadro das atividades criativas.

 

Tabela 4: Contributo do Setor Cultural e Criativo para a Criação de Riqueza

Fonte: Mateus (2010: 81)

 

Em termos da geração de emprego potenciada pelo setor cultural e criativo, entre os anos 2000 e 2006, a Tabela 5 torna clara a tendência para o aumento do número de empregos neste setor em Portugal. Em 2000 existiam 121 600 empregos ligados à cultura e criatividade seguindo uma orientação crescente e atingindo os 127 079 empregos em 2006. Estes números revelam um crescimento acumulado de 4,6% e uma taxa de crescimento médio anual de 0,4%. No que se refere concretamente às atividades criativas estes valores são ainda mais acentuados, verificando-se entre 2000 e 2006 um crescimento acumulado de 6,1% e uma taxa média de crescimento anual de 1,0%.

 

Tabela 5: Contributo do Setor Cultural e Criativo para o Emprego Nacional

Fonte: Mateus (2010: 83)

A análise do setor cultural e criativo ao nível regional (NUTS II) mostra a dispersão de estabelecimentos deste setor pelo território português (Tabela 6). Naturalmente, as regiões com maior expressão nas atividades culturais nucleares, nas indústrias culturais e com o setor cultural e criativo mais desenvolvido são o Norte e Lisboa que concentram as áreas metropolitanas do Porto e Lisboa, respetivamente. No entanto, a região do Norte apresenta um menor número de estabelecimentos no setor cultural e criativo (27,6%) proporcionalmente ao total da economia (33,5%). Em Lisboa, a situação é inversa, apresentando o setor cultural e criativo maior número de estabelecimentos (36,0%) face ao número total de estabelecimentos desta região (26,5%). No caso do Algarve, principal região turística, os números mostram que, em termos de número de estabelecimentos, o setor cultural e criativo acompanha (5,5%) os restantes setores da economia da região (5,8%).

 

Região (NUT II)

Atividades Nucleares

Industrias Culturais

Total SCC

Total Economia

%

%

N

%

N

%

Norte

28,2

27,4

3 305

27,6

121 486

33,5

Centro

22,5

20,1

2 460

20,6

81 828

22,5

Lisboa

32,3

36,8

4 301

36,0

96 257

26,5

Alentejo

6,2

5,9

702

5,9

27 294

7,5

Algarve

5,4

5,5

652

5,5

20 933

5,8

R. A. Açores

3,3

2,1

282

2,4

7 893

2,2

R. A. Madeira

2,1

2,2

258

2,2

7 207

2,0

Total

100,0

100,0

11 960

100,0

362 898

100,0

Tabela 6: Distribuição dos Estabelecimentos do Setor Cultural e Criativo

Fonte: Elaboração própria com base nos dados de Mateus (2010: 91)

 

O aumento do debate em torno das questões culturais e da criatividade tem levado igualmente à discussão em torno da adequação das políticas públicas culturais ao contexto atual. As alterações que se verificam em termos de oferta e perfis de consumo culturais levantam a questão da necessidade de uma análise do alargamento do setor cultural e da adequação dos instrumentos de estratégia e monitorização utilizados pelos decisores políticos.

As políticas culturais podem ser entendidas, de uma forma geral, como estratégias e/ou programas de intervenção da responsabilidade do Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento das representações culturais simbólicas das comunidades (Coelho, 1997). A Tabela 7 representa a comparação entre as políticas tradicionais e emergentes de apoio à cultura em Portugal.

Políticas Culturais Tradicionais

Políticas Culturais Emergentes

Disponibilização de infraestruturas físicas de divulgação cultural (museus, bibliotecas, teatros e recintos culturais)

Apoio às empresas culturais e criativas para incrementar a massa crítica e a valia económica dos projetos com mecanismos de cofinanciamento

Subsidiação de certa produção artística

Estímulo à utilização da cultura como elemento de identidade regional e fator de diferenciação competitiva de base territorial

Promoção da igualdade de oportunidades no acesso à cultura

Tabela 7: Políticas Culturais Tradicionais e Emergentes em Portugal

Fonte: Elaboração própria com base em Mateus (2010: 12)

É importante reconhecer que existem mudanças ao nível das políticas culturais em Portugal. Como refere Santos (2008), é fundamental que os decisores políticos se empenhem, mais do que nunca, na promoção de um setor cultural e artístico qualificado e dinâmico que seja capaz de responder às atuais necessidades de competitividade e de criatividade numa lógica de participação social, com vista ao desenvolvimento deste setor. É necessário que se dê atenção a vertentes essenciais como a qualificação dos atores culturais e artísticos, a participação cultural da população em geral, a internacionalização da cultura (agentes, projetos, bens e serviços culturais) e, finalmente, mantendo presente a vertente de sustentabilidade dos projetos iniciados e dos que venham a iniciar-se no futuro.

A cultura e a criatividade estão estabelecidas na agenda política urbana como os principais motores de desenvolvimento das cidades e a chegada destas temáticas à agenda política provocou alterações profundas na mesma: tanto a cultura como a criatividade tornaram-se centrais para as tentativas de estimular as indústrias culturais e criativas, para promover a cidade a nível internacional, atraindo investimentos e a classe criativa (Bayliss, 2007).

 

5. Notas Conclusivas: A Necessidade de um Olhar Cético à Criatividade como Instrumento de Desenvolvimento Regional

O sucesso de Florida com The Rise of the Creative Class levou à publicação de mais livros que se tornaram best-sellers internacionais, vários artigos científicos, numerosos editoriais, vários blogues, seminários e entrevistas, criando à sua volta uma popularidade não habitual para um investigador científico. As políticas inspiradas nas ideias de Florida e na atração da classe criativa ganharam um forte destaque tendo o autor criado uma espécie de franchising em torno da noção de criatividade como motor de desenvolvimento (Long, 2009).

Long refere que as ideias de Florida têm sido um alvo constante de críticas dos pensadores do desenvolvimento territorial. Apesar da sua tese ter ganho notoriedade internacional, as vozes mais críticas mostraram preocupações ao nível do elitismo (Maliszewski, 2004) e da lógica circular da teoria. Mas as críticas não se ficam por aqui. Um misto de economistas, geógrafos e gestores do território duvidaram da metodologia de Florida, da classificação vaga e apelidaram-na de “sociologia pop” (entre outros Glaeser, 2004; Peck, 2005; Scott, 2006; Rantisi, et al., 2006). Pese embora, alguns destes estudos façam uma crítica consistente da tese da classe criativa, Long (2009) mostra que muitas delas têm uma visão caricatural da mesma.

As limitações apontadas no meio académico não únicas. Muitas têm sido as cidades e regiões a apostarem na criatividade como instrumento de desenvolvimento. No entanto, o sucesso destas iniciativas é muitas vezes relativo. Zimmerman (2008) estudando a cidade de Milwaukee, nos EUA, tradicionalmente uma cidade da classe trabalhadora ligada ao setor industrial que tentou a implementação de uma estratégia baseada na criatividade, mostrou o insucesso deste caso. A cidade acabou por perder as suas vantagens competitivas, o emprego diminuiu e a desigualdade económico-social aumentou entre membros da classe criativa e outros, afastando do centro renovado da cidade vários grupos residentes e gerando uma das cidades mais racialmente polarizadas dos EUA.

Long (2009) estudando o caso de Austin, também nos EUA, considerada por muitos o paradigma de cidade criativa, sustentou que a explicitação de estratégias baseadas na criatividade nas políticas urbanas levou a que a cidade perdesse alguma da sua autenticidade e gerou uma exagerada comercialização cultural, levando a que o ambiente criativo da cidade se degradasse.

Deste modo, a aplicação nos territórios de políticas baseadas na criatividade deve ser atenta às especificidades do local e tendo atenção a desafios sócio-culturais que se possam colocar. Pode ser problemático a implementação de políticas de desenvolvimento do território de caráter mimético. A tentativa de cultivar a criatividade em ambientes adversos a esta, por exemplo ambientes tradicionalmente ligados à classe trabalhadora, pode exacerbar divisões socioeconómicas. É fundamental que ações destinadas a promover o crescimento dos territórios como pólos criativos se baseiem em recursos e potencialidades verdadeiramente existentes no território.

 

Referências

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Um Novo Contrato Social com o Mundo Agro-rural. Elementos para uma Nova Política Agroecológica. O Decálogo dos Bens de Mérito e Reputação (BMR)

António Covas

 

Introdução: os mercados de futuro e os bens de mérito e reputação

Nos mercados de futuro do mundo agro-rural assistiremos, muito provavelmente, a uma disputa entre dois grupos de fiéis partidários: o grupo da biotecnologia produtivista, muito poderoso, que acredita na bondade da tecnologia e dos mercados para resolver todos os problemas emergentes e o grupo da biotecnologia ecossistémica, menos poderoso mas não menos crente, que acredita na virtude redentora dos sistemas naturais como modelo de referência para o funcionamento dos agrossistemas.

Nestes mercados de futuro, os bens e serviços que incorporem, ao mesmo tempo, a eficiência económica, a responsabilidade social, a sustentabilidade ambiental e a identidade dos territórios, serão considerados bens de mérito e reputação e estes atributos distintivos serão a sua fonte de valor primordial que a sociedade premiará quer por via do preço quer por via de contrato e/ou transferência pública. A procura destes sinais distintivos tornar-se-á, em si mesmo, um fator de diferenciação por excelência. Do que se trata, portanto, é de criar as condições para que estes sinais distintivos vejam a luz do dia e sejam, progressivamente, incorporados no desenho dos mercados agroecológicos. Pela sua natureza paradigmática, os mercados agroecológicos serão o grande desafio do próximo futuro, quer para a investigação científica, na zona de fronteira entre a economia e a ecologia, quer para as políticas agrorrurais, na formulação conceptual e no desenho de novos instrumentos, de tal modo que seja possível lançar uma nova geração de bens públicos agrorrurais onde o lugar central seja desempenhado pelos bens de mérito e reputação.

 

1.O divórcio entre a economia e a ecologia ou a ausência de uma política agroecológica

Perante os factos, graves e sérios, que afetam, hoje, a natureza e o homem, a economia dominante tornou-se “nova economia”, cada vez mais economia da circulação e economia financeira, aproveitando em benefício próprio os fatores de desmaterialização introduzidos pelas novas tecnologias. Esta economia desmaterializada aumentou a distância que a separa dos sistemas vivos e ignora, levianamente, que toda a história do pensamento económico não é dissociável da conceção que os homens têm da sua relação com a natureza e com os outros homens. Como já dissemos, foi esta conceção que fez a grandeza da economia política ou, mais rigorosamente, da “ciência económica”.

Hoje, dominada pela gestão e pelo sucesso fulgurante, é uma disciplina sem alma, disponível para todas as operações de propaganda, que se limita a usar meia dúzia de técnicas para manipular outros tantos indicadores económicos. Hoje, a orientação energética, material e tecnológica dos aparelhos produtivos, informada pelo capital financeiro, é o vetor determinante da evolução económica. A natureza e o homem contam pouco, são capital de exploração e variáveis endógenas. Não é da sua especialidade, que é de coisas “mortas”. Sobre a sua visão dos limites, sobre a finitude da matéria, a entropia da energia ou a corrosão do caráter do homem, a economia diz pouco. O seu “marginalismo essencial” diz-nos, apenas, que, na circunstância, o poluidor-pagador paga uma parcela irrisória do dano causado, o contribuinte paga a parcela seguinte e a próxima geração tudo o resto, que é quase tudo.

Este introito serve, apenas, para marcar a grande diferença, de conceito e de operação, existente entre a economia dominante, essencialmente financeira, sem tempo e sem espaço, e a bio-economia ou a ecoeconomia que liga os processos produtivos aos sistemas biofísicos que os suportam e alimentam. Não admira, também, que estas diferenças sejam mais vincadas e mais problemáticas nas áreas de contacto da economia da energia, da economia dos recursos naturais e da economia agrária. Nesta última área, em especial, vejamos, mais de perto algumas evoluções previsíveis no próximo futuro que podem apontar, julgamos nós, no sentido de uma reagrarização da base produtiva no quadro de um sistema agro-rural multifuncional. Eis as nossas perguntas de partida:

Será muito difícil entrever para o próximo futuro uma exploração agrícola multifuncional composta por mais alimentos certificados (desde os convencionais até aos biológicos com passagem pelos modos de produção integrada), por uma produção sustentável de bens e serviços agroflorestais de uma floresta de uso múltiplo, por uma base diversificada e pluralista de produção energética (desde as formas mais convencionais às renováveis com passagem pelas culturas energéticas de biomassa), pela conservação e restauração de funções ecológicas relativas aos elementos solo, água, vegetação, espécies ameaçadas e clima, por uma componente recreativa em múltiplas formas compatíveis de produção-conservação-recreação, obtendo-se, no final, uma produção composta de “campo novo” fazendo um forte apelo às atividades trabalho-intensivo e, portanto, também, a um novo simbolismo agrocultural?

Será muito difícil entrever uma Nova PAC pós-2013, em processo de conversão de uma política de produção e rendimentos agrícolas para uma política de produção de bens públicos e externalidades positivas, cumprindo funções conservacionistas, energéticas, ambientais e rurais, numa economia de base produtiva multifuncional, onde as boas práticas naqueles domínios são, também, os códigos inspiradores de uma boa conduta pessoal e social, em que a conservação de recursos, a eficiência energética e a moderação nos consumos são virtudes ativamente promovidas e premiadas?

Será muito difícil entrever, amanhã, explorações agroenergéticas em que a fatura dos rendimentos energéticos, diretos e indiretos, representa uma das principais fontes de receita do agricultor?

Será muito difícil entrever, no próximo futuro, o acréscimo do conflito de interesses entre ocupações do solo, agrícolas, florestais, energéticas, conservacionistas e turísticas?

Será muito difícil entrever, nas nossas áreas rurais de baixa densidade, a confluência virtuosa entre a ecologia e a economia, num combate sem tréguas contra a máxima entropia, isto é, a desertificação?

Estas interrogações, entre outras, fazem parte das preocupações da ecoeconomia, uma área do saber ainda muito controversa, em elaboração contínua, onde os equívocos mais frequentes só são ultrapassados pela necessidade imperiosa de reconciliar as disciplinas da ecologia (as normas da casa) e da economia (o governo da casa), na exata medida em que a lei da entropia ou da degradação do meio ambiente, omnipresente, espreita a todo o momento e obriga a esse entendimento. Esta necessidade é por demais evidente no que diz respeito ao ordenamento do espaço rural.

Quais são os grandes princípios desta abordagem compósita do espaço rural?

Em primeiro lugar, a pluralidade da base energética, no sentido da autonomia e complementaridade das fontes de energia.

Em segundo lugar, a diversidade da base biofísica, no sentido da máxima interdependência, integração e regeneração dos recursos naturais. Estas duas primeiras bases são, em primeira instância, contributos essenciais da ecologia por via da circulação da energia e materiais.

Em terceiro lugar, a policultura da base agroalimentar, que nos transporta das bases naturais para as bases mais artificiais da economia e onde a entropia ressurge a cada fase de transformação agroindustrial. Nesta exata medida, a reagrarização da base alimentar ou a sua desindustrialização parcial é uma oportunidade a não perder, porque, mais uma vez, é a ocasião para testar os nossos meios de combate contra o processo de entropia que está sobrerrepresentado em todos os transformadores industriais alimentares.

Em quarto lugar, a base urbanística, por via de uma apropriada e prudente “programação verde”, que as disciplinas da arquitetura paisagística e da engenharia biofísica tão bem acautelam, muito em especial por intermédio da bioconstrução e dos princípios que preservam e promovem a circulação da energia e dos materiais. Estas primeiras quatro bases são determinantes para um correto ordenamento territorial na medida em que são elas que informam e ocupam, em maior escala, o território.

Em quinto lugar, a diversificação da base económica, descentralizada, de escala e tecnologia intermédias, em íntima articulação com as bases energética e biofísica e apontando na direção de atividades trabalho-intensivas.

Em sexto lugar, a base informacional, rica em conhecimento, que em conjunto com a energia e a matéria formam o triângulo constituinte da ecoeconomia.

Por último, em sétimo lugar, a densidade da base simbólica, o caldo de cultura e o cimento coesivo das relações de sociabilidade que estão sempre presentes na retaguarda das nossas decisões e opções.

Esta ordem das bases não é arbitrária. Há, se quisermos, uma direção ideológica nesta ordem, assim estabelecida. Em primeiro lugar, afirmamos que as três primeiras bases, as bases ecológicas, são prevalecentes, são elas que determinam, que deveriam determinar, a nossa maneira de ser, de estar e de pensar. Em segundo lugar, dizemos que a economia é, claramente, um subconjunto da biosfera e que o ter e o haver são conjuntos materialistas de segunda ordem. Em terceiro lugar, dizemos que as bases não estão inscritas numa linha determinística e linear à espera de vez. Elas inscrevem-se no ciclo da vida, numa luta infindável entre a ordem e a desordem, num imenso campo de forças onde as bases informacional e simbólica experimentam e testam todas as suas “convenções e protocolos”.

Na sociedade informacional em que vivemos, só o capital financeiro, simultaneamente mais concentrado e mais desmaterializado, revela capacidade para estar presente em todas as bases referidas e só ele tem uma “visão superior e um efetivo poder de ordenação”, para si, que é, ao mesmo tempo, um fantástico poder de desordenação, para todos os outros, em particular, para os outros dois capitais, o natural e o social. Com efeito, desmaterializado, o capital financeiro desconcentra-se materialmente para se tornar operacional nos níveis e escalas mais pequenos, ao mesmo tempo que se concentra virtualmente, isto é, “realmente”, para ser autoridade superior.

Dito isto, basta olhar à nossa volta e ver. O mundo está praticamente organizado às avessas. O espaço agro-rural é, seguramente, um dos exemplos mais eloquentes da 2ª lei da termodinâmica, a lei da entropia ou da degradação continuada das formas de energia. De uma revolução que começou “verde”, na química, na mecânica e eletricidade, mas que, rapidamente, se embrulhou no turbilhão do processo irreversível de degradação energética rumo à sua dissipação calórica. Processo espetacular cujos impactos e prejuízos saltam todos os dias à nossa frente: exaustão dos recursos naturais solo e água, poluição dos mesmos recursos, abandono e desertificação agro-rural, despovoamento e desvitalização social, êxodo agrícola e rural e guetos urbanos, ruturas nos sub-sistemas locais da base informacional, da educação e da saúde, para alimentar e compensar os níveis de entropia monumentais do centro ordenador devido, justamente, ao seu gigantismo organizacional. Mas também se anunciam “vitórias” no combate contra o processo de entropia. Assim, o “ambiente e as suas indústrias a jusante” dizem-se “substitutos quase perfeitos” dos ciclos naturais biogeoquímicos, aligeirando, porém, o facto de que voltam a injetar energia adicional no processo de reciclagem, porque, obviamente, para haver indústria é preciso haver rejeição, isto é, poluição-massa, isto é, matéria-prima para a indústria.

Entretanto, a constituição simbólico-cultural da base agrária, o seu património mais valioso, aquilo que deveria ser o lastro genuíno entre o passado e o futuro do mundo rural, aliena, em resultado de sucessivas transações imobiliárias consentidas por um capital natural cada vez mais desvalorizado, a sua posição à publicidade e ao marketing, isto é, à moda, qual elemento decorativo de uma estratégia comunicacional urbana virada para o “campo” ou para a “indústria do campo”.

Dito isto, é um imperativo de civilização e cultura fazer convergir rapidamente as disciplinas da ecologia e da economia, as normas e o governo da casa comum, pois não é possível suportar, por mais tempo, a situação paradoxal a que assistimos:

 

- Rendibilidades económicas positivas coexistindo com balanços energéticos desastrosos; só porque o sistema de preços é transitoriamente favorável, mantêm-se sistemas produtivos em rota de colisão com os sistemas energéticos e biofísicos;

- Balanços energéticos comprovadamente positivos coexistindo com rendibilidades económicas negativas que o mercado não valoriza suficientemente e que sobrevivem graças às subvenções dos contribuintes;

- A proliferação de contraordenações, compensações e mitigações de natureza ambiental, que se parecem mais com o “pagamento de indulgências” e servem para confundir os nossos problemas de consciência a propósito.

 

O divórcio entre a ecologia e a economia, entre as normas e o governo da casa comum, tem criado inúmeros embaraços às duas disciplinas. Com efeito, a falta de verdade ecológica dos processos económicos, por um lado, e a falta de realismo económico dos processos ecológicos, por outro, têm, continuadamente, posto a ridículo as duas disciplinas.

 

2.O decálogo dos bens de mérito e reputação (BMR): construir uma nova teoria da legitimação agroecológica e agr(o)cultural

 

Se queremos passar um novo contrato social com o mundo agro-rural teremos de ser capazes de elaborar uma nova teoria da legitimação agroecológica e agr(o)cultural. Nesta teoria, os bens de mérito e reputação têm um papel importante a desempenhar. Eis o nosso contributo sob a forma de um decálogo.

 

1.Os BMR: uma nova doutrina agro-rural, a agr(o)cultura 

Em termos analíticos podemos distinguir duas formas principais de agricultura: uma agricultura de especialização, monofuncional e produtivista, e uma agricultura de diversificação, multifuncional, agroecológica e ecossistémica, se quisermos, mais agr(o)cultural do que agr(i)cultural. Com efeito, a agricultura de diversificação, pela sua natureza tridimensional ( produção, conservação e recreação), é mais agr(o)cultura do que agr(i)cultura.

Estamos a falar de uma cultura pós-agricola ou pós-convencional que tem na sua génese fatores muito diversos:

 

- Os novos valores socioculturais e as respetivas modas identitárias;

- O esverdeamento da agricultura e a intensificação verde;

- A turistificação e a recreação do espaço rural;

- O desenvolvimento dos modos não convencionais de produção;

- Os avanços da investigação biotecnológica e agroecológica;

- Os novos atores da nostalgia neo-ruralista e da economia residencial;

- Os novos investimentos de mitigação, adaptação e compensação;

- A prioridade crescente aos valores da conservação e da biodiversidade;

- O desenvolvimento de novos mercados e serviços ambientais;

- O reconhecimento da paisagem global e a importância dos mosaicos paisagísticos.

 

Estes fatores estão já a criar uma verdadeira pluralidade de sistemas e modos de agricultura, desde os sistemas mais convencionais até aos pequenos sistemas produtivos locais com indicação geográfica de proveniência e “encaixados” em nichos de mercado especializados e/ou de gama alta. Com uma vantagem adicional. Na sociedade da informação e do conhecimento em que vivemos a adoção destes fatores distintivos ajuda a criar reputação e bens de mérito, isto é, novo valor acrescentado que valoriza empresarialmente quem os promove. Este é, de resto, o sinal mais distintivo da cultura pós-convencional.

Dito isto, a nova doutrina agro-rural e o novo contrato social com o mundo rural incorporarão, em dose variada, agr(i)cultura e agr(o)cultura.

 

2.Os BMR: a expressão de um novo contrato social para o mundo rural

Neste alinhamento, o fator crítico consiste em saber se existem condições necessárias e suficientes, de natureza societal, para um novo contrato social com o mundo agro-rural, em ordem à produção desta nova geração de bens e serviços de mérito e reputação. Os bens de mérito e reputação são bens e serviços com valor económico, que acumulam características agroecológicas, ecossistémicas e multifuncionais, que aproveitam os recursos endógenos, que geram benefícios de contexto, que criam novos mercados e novas cadeias de valor, que valorizam a identidade e o capital social dos lugares e dos territórios.

Em especial, para a cultura pós-convencional que se avizinha, é fundamental preservar e valorizar tudo o que rodeia a provisão regular de serviços ecossistémicos. O universo destes serviços é impressionante se pensarmos em todos os efeitos externos que desencadeia. De facto, a salvaguarda e promoção dos efeitos positivos e a minimização dos negativos é, só por si, um programa de trabalho de grande fôlego para a política pública e uma oportunidade única para o mundo rural. Eis o catálogo destes serviços fundamentais:

 

1) Serviços que sustentam a vida: a formação de solos, a formação de habitats, a circulação dos nutrientes, a produção de oxigénio, a produção primária de biomassa, a polinização, a dispersão de sementes; 

2) Serviços que regulam o equilíbrio ecológico: a purificação do ar, a purificação da água, a regulação do ciclo da água, o controlo de enchentes, o controlo da erosão, o tratamento de resíduos, o controlo de pragas e doenças; 

3) Serviços que fornecem bens: alimentos, energia, fibras, recursos genéticos e bioquímicos, fitofármacos, água potável, plantas ornamentais; 

4) Serviços culturais: identidade cultural e territorial, valores espirituais e religiosos, conhecimento tradicional, valores estéticos, lazer e turismo, valores simbólicos. 

 

Por este enunciado de serviços pode perceber-se até que ponto a boa gestão ecossistémica é uma condição decisiva para a regularidade dos serviços prestados. E não se trata apenas de internalizar e socializar prejuízos como costuma dizer a economia do ambiente. Com efeito, já não é suficiente esta abordagem, um pouco cínica, da socialização e remediação dos prejuízos. Ao contrário, os recursos escassos dos contribuintes devem servir prioritariamente para a produção de bens de mérito que promovam e salvaguardem os mercados de futuro da agr(o)cultura, na linha da economia dos agroecossistemas e numa aceção mais democrática de inclusão socioterritorial das regiões mais desfavorecidas e respetivas populações.

A Estratégia 2020 proposta pela Comissão Europeia tem por tema “uma sociedade inteligente, sustentável e inclusa”; agora que se discute a revisão da PAC, o que aqui sugerimos, neste contexto, é um novo contrato social com o mundo agro-rural, na base de bens inteligentes, sustentáveis e inclusos, os bens de mérito e reputação.

 

1.Os BMR: um novo princípio geral de funcionamento

Dito isto, temos um enorme desafio pela frente, qual seja, o de fazer com que a sociedade e o mercado reconheçam o valor dos sinais distintivos antes referidos e, através desse reconhecimento, fazer convergir o valor e o preço, não apenas aumentando a visibilidade e a notoriedade dos BMR mas, também, desenhando novos mercados e instrumentos agroecológicos que aproximem estes dois fatores, preço e valor.

Daqui decorre um novo princípio geral de funcionamento: onde antes estava “privatizar o benefício e socializar o prejuízo, em benefício do infrator (moral hazard e free raider)”, deve estar agora “socializar o benefício e privatizar o prejuízo, em prejuízo do infrator e em benefício da sociedade”. Só uma economia contratual pode registar, com rigor e com justeza, o elenco dos serviços ecossistémicos prestados, a qualidade e o valor dessa prestação e, bem assim, providenciar a compensação justa e merecida por essa contribuição para o bem-estar das populações e das suas respetivas atividades económicas.

 

4.Os BMR: a fronteira do risco, a justiça ambiental e o acesso aos recursos

Face aos grandes riscos globais os problemas locais não têm uma solução fácil. Quer dizer, face aos danos incomensuráveis causados aos ecossistemas e dada a importância vital de que se revestem os serviços ecossistémicos para o bem-estar das populações, estamos perante um problema político de primeira grandeza, a saber, o acesso equitativo aos recursos e a regulação política desse acesso. Uma vez mais uma questão primordial de política pública que só uma governança multilateral está em condições de abordar com sucesso. De facto, os grandes riscos globais incluem: as calamidades naturais, os acidentes de origem antrópica, o crescimento demográfico regionalmente desequilibrado, o consumo insustentável, a globalização predadora, o aquecimento global, a invasão de espécies exóticas, a fragmentação dos ecossistemas.

Estes riscos globais não conhecem fronteiras, os seus impactos fazem-se sentir por todo o globo e produzem efeitos discriminatórios graves, não apenas sobre as condições de vida de largos estratos da população mas, também, sobre a capacidade de muitos Estados atingidos iniciarem processos de reabilitação do seu valioso património natural, razão pela qual levantamos a questão essencial da regulação, do acesso e da provisão dos bens públicos globais, em si mesmos, um BMR de primordial importância. O protocolo de Quioto e o mercado do carbono são um bom exemplo destes bens de mérito. Está em causa, portanto, o acesso dos grupos sociais vulneráveis aos recursos vitais para a sua sobrevivênvia. Este acesso coloca-se a vários níveis e em várias escalas:

 

- O acesso aos recursos genéticos e biológicos: novamente a tragédia dos bens públicos, a proteção dos direitos sobre o património natural e a repartição dos benefícios entre quem detem a propriedade dos recursos e quem detem a capacidade para os investigar e comercializar;

- O acesso aos serviços ambientais: mais uma vez os direitos de propriedade, a gestão integrada da paisagem e a criação de novos mercados ecossistémicos;

- O acesso aos produtos e serviços biotecnológicos: a definição política da responsabilidade pública e social da investigação e o acesso aos direitos de patente na grande área da biotecnologia;

- O acesso aos mercados de produtos e serviços sustentáveis: já sabemos que, só por si, a regulamentação sobre estes produtos segmenta e cria mercados; acrescente-se a certificação, a auditoria e a inspeção e teremos novas segmentações do mercado;

- A definição dos limites sociais da biotecnologia: a biossegurança e o princípio da precaução como fatores regulatórios principais, sem esquecer as questões fundamentais da ética da vida.

 

 5.Os BMR: os mercados de futuro da agr(o)cultura

Chegados aqui, estamos em condições de enunciar aqueles que serão, seguramente, os principais mercados de futuro do mundo agro-rural das próximas gerações. Eles estarão, certamente, na confluência de quatro grandes vetores estruturantes: a agroecologia, a biodiversidade, os ecossistemas e as paisagens globais. Eis os principais mercados de futuro do mundo rural pós-agrícola:

 

- Os mercados dos produtos “limpos, justos e seguros”: uma gama cada vez mais alargada, que as tecnologias agroecológicas e ecossistémicas vão dilatando;

- Os mercados do carbono: as transações entre quem limpa e quem suja e o papel dos fundos de investimento no “sequestro carbónico” do mundo rural;

- Os mercados da água: da água da chuva até à água da rede, de novo as cisternas da nossa nostalgia, quem sabe?;

- Os mercados da biodiversidade e dos serviços ecossistémicos: os bens de mérito por excelência, socializados, com gosto, por todos nós, os contribuintes;

 - Os mercados das amenidades e da arquitetura paisagística: o ordenamento da paisagem global é um recurso precioso e uma externalidade de primeira linha para a produção de amenidades recreativas e turísticas;

- Os mercados dos 3R: reduzir, reciclar e reutilizar, é uma questão fundamental de consumo responsável, simples, rápida e barata de pôr em execução, logo uma indústria em rápido crescimento;

- Os mercados dos produtos com identidade e denominação de origem: estes são os nossos “produtos glocais”, aqueles que importa valorizar a todo o custo porque põem no mapa os nossos territórios mais remotos;

- Os mercados dos produtos pós-convencionais: as diferentes modalidades de agricultura comunitária, ao serviço, por exemplo, de uma política de institutional food?;

- Os mercados da mitigação, adaptação e compensação: as alterações climáticas não perdoam, eis, pois, mais uma linha fundamental de intervenção para a política pública;

- Os mercados dos alimentos funcionais, os “alicamentos”: a investigação biotecnológica ao serviço da saúde pública;

- Os mercados da microgeração energética integrada: os sistemas integrados, desde a poupança e a eficiência até à diversificação das fontes, em que os consumidores são, também, produtores de energia;

- Os mercados da prevenção, contingência e segurança: um mercado em crescimento rápido, da meteorologia, dos equipamentos de aviso e alerta até aos processos laboratoriais de rastreabilidade dos produtos;

- Os mercados da regeneração e da renaturalização dos recursos e dos ecossistemas: da engenharia biofísica e da arquitetura paisagística até à cirurgia reconstrutiva das áreas ardidas.

 

6.Os BMR: uma nova geração de investimentos agrorrurais

Como facilmente se observa, nos mercados de futuro haverá muitas oportunidades para a política pública poder mostrar qual a sua verdadeira preferência e como deseja afetar os seus escassos recursos financeiros. Por outro lado, acredito que a distinção que fizemos inicialmente entre agricultura de especialização e agricultura de diversificação terá tendência para convergir uma vez que existem fatores pesados que sustentam esta hipótese de convergência. Nesta linha de raciocínio, os investimentos a financiar pela política pública serão os seguintes:

 

- Investimentos em tecnologias agroecológicas para a formação de agroecossistemas;

- Investimentos em gestão ambiental de redução, reciclagem e reutilização de recursos;

- Investimentos na reconstituição e melhoramento de mosaicos paisagísticos;

- Investimentos na biotecnologia dos ecossistemas para melhorar a sua produtividade;

- Investimentos em mitigação e adaptação  para combater as alterações climáticas;

- Investimentos em sistemas descentralizados de produção de energias alternativas;

- Investimentos em sistemas de alertas e avisos face às calamidades naturais/antrópicas;

- Investimentos na formação de amenidades paisagísticas e recreativas.

 

Se fizermos estes investimentos, sairemos, gradualmente, da atividade e do setor agrícola, deixaremos de socializar o prejuízo pelos erros cometidos e penetraremos, também gradualmente, no território, no ecossistema e na paisagem global para socializar o benefício, isto é, para premiar quem produziu os bens de mérito e as externalidades positivas para toda a comunidade de agricultores e cidadãos.

 

 

7.Os BMR: a mudança de coordenadas, do sistema de produtos aos produtos do sistema ou a criação de sistemas produtivos locais (SPL)

Os territórios podem e devem ser encarados como um terreno favorável à criação de um sistema produtivo local (SPL), na confluência dos seus três fatores constituintes (produção, conservação e recreação) e num contexto em que o sistema de produtos (produção sem coordenação e integração) dá lugar aos produtos do sistema (produção com coordenação e integração). Feita uma primeira comprovação relativamente ao estado de saúde dos capitais aí existentes (capital natural, capital físico, capital humano e capital social) e à densidade e intensidade das suas ligações biodiversas, produtivas e relacionais, é, então, o tempo de desenhar o modelo agroecológico que melhor serve o sistema produtivo local, assim como o cabaz de produtos e serviços que lhes corresponde e que melhor se ajusta às finalidades, princípios e objetivos expressos numa Convenção do Território ou do SPL.

 

 

8.Os BMR: a construção social de uma economia da qualidade 

Não é difícil de prever que serão quatro “as qualidades” a determinar o perfil da política pública: a qualidade alimentar (saúde e segurança), a qualidade ambiental (recursos, habitats e ecossistemas) a qualidade territorial (zonas desfavorecidas, unidades de paisagem e paisagem global) e a qualidade institucional (organizações e instituições). Dito isto, é preciso transpor estas qualidades para o espaço concreto dos territórios, isto é, é preciso abordar a questão central da tensão entre normas gerais e normas específicas e iniciar a construção social de uma economia da qualidade, a construção de um mercado de alimentos específicos (MAE) adaptado a uma economia de recursos e com base numa certificação própria, pelo menos numa primeira fase do projeto. Os “territórios concretos” podem ser mais institucionalizados ou mais privatizados; por exemplo, no primeiro caso, um território multi-aldeias ou intermunicipal, um parque natural ou um parque agrícola peri-urbano, no segundo caso, uma grande propriedade privada com uma área de influência significativa, um clube de produtores, uma cooperativa de agricultores, um condomínio de proprietários agroflorestais, uma associação de proteção do património natural, etc. Em todos estes casos, a construção social de uma economia da qualidade significa que há um acordo voluntário entre todos os parceiros para construir “uma qualidade especifica” em que todos ou a grande maioria se reconhece. Um exemplo desta construção social, já conhecido em vários países, diz respeito à “ agricultura apoiada pela comunidade” (AAC) em que clubes de produtores e clubes de consumidores, por via e nos termos de uma convenção, desenham o seu próprio mercado de acordo com um caderno de encargos específico que traduz a  vontade comum de respeitar e materializar as quatro qualidades acima referidas.

 

9.Os BMR: a economia da convenção de um território

O território de uma cooperativa multi-serviços, a constituição de um parque agrícola peri-urbano, o território de um parque e/ou reserva natural, o ordenamento e gestão de terrenos baldios, uma zona desfavorecida com handicapes específicos, uma grande aglomeração de explorações minifundiárias, são terrenos de eleição para testar o instrumento “economia da convenção de um território”. Trata-se de um instrumento utilitário que pode ajudar a estabilizar expectativas, direitos e obrigações num período suficientemente longo para produzir resultados mensuráveis e seguros face às opções tomadas e, do mesmo passo, medir os serviços comuns oferecidos. Acresce que a informalidade e a vizinhança, que eram elementos fundamentais numa fase inicial, estão sendo substituídas, gradualmente, por contratos formais e por standards supralocais e supranacionais o que acaba por elevar o nível de controlo e regulação e promover formas de coordenação mais verticais e exigentes, mas, também, novos custos de formalidade e novas formas de segregação. Nos princípios e nos termos da própria Convenção estará inscrito este objetivo nuclear, a saber, o de que é imprescindível acautelar, a todo o tempo, este equilíbrio precário entre inclusão e exclusão por virtude da introdução sucessiva de normas e standards. Ao graduar o esforço de adaptação, o caráter regulador que ela assume serve, justamente, para proteger os subscritores da Convenção e promover o seu upgrading.

 

1.Os BMR: A governança específica do território

No estado de prevenção e carência em que se encontram muitos dos territórios referidos, o desenho institucional e a sua multifuncionalidade assumem uma importância decisiva, que não ignora a precariedade dos recursos próprios e a base ou capital social em que assenta toda a organização convencional. Só uma direção/liderança muito criativa pode propiciar e conciliar fatores tão diversos, mas tão inevitáveis, como são: a orgânica funcional, o insourcing e o outsourcing, a certificação e o benchmarking, o modelo de proteção e gestão do risco, os incentivos e o funding próprio, a imagem de marca e o marketing, as formas de gestão partilhada e o entrepreneurship, a gestão e mediação de conflitos, etc. O simples enunciado destes fatores críticos serve para mostrar que o modelo de governança de um território é a chave para um empreendimento bem sucedido.

 

3. Contrato social e ecotopia do mundo rural

O século XX foi marcado pelos avanços espetaculares da física e da química, o século XXI pertencerá às ciências da vida. Cientistas de todo o mundo estão a decifrar o código genético da vida. Os genes são a matéria-prima da nova era económica e estão a ser utilizados em múltiplos negócios: a agricultura, o melhoramento animal, a energia, a criação de novas fibras, a invenção de novos remédios e terapias. Assim modelarão o mundo bio-industrial que se avizinha. Agora, em vez de matérias inertes, estamos a dividir, a recombinar e a inserir matéria viva em bens de consumo. Uma grande quantidade de alimentos e fibras pode ser criada em cultura de tecidos, eliminando parcialmente o cultivo do solo.

A clonagem animal e humana vai tornar-se habitual e em vez de reprodução teremos replicação. Duas grandes aproximações ao século da biotecnologia começam a emergir. Uma, a mais brutal, utiliza a ciência genética para preparar mudanças radicais no património genético das espécies. Outra, mais suave, cria formas mais bem integradas e mais sustentáveis de relação entre as espécies existentes e o seu ambiente.

Tomemos a agricultura. Biólogos moleculares estão a inserir genes de organismos exóticos e não alimentares no código genético de culturas alimentares para as tornar mais resistentes aos herbicidas, às doenças, aos fungos e às bactérias. Por outro lado, muitos ecologistas estão a utilizar as novas descobertas genéticas para compreender melhor a forma como os fatores ambientais afetam as mutações genéticas nas plantas. Recusam a manipulação genética das culturas tradicionais preferindo a criação de uma forma sofisticada de agricultura baseada no controlo das doenças, na rotação das colheitas, na fertilização natural e noutros métodos sustentáveis.

Entretanto, gigantes da indústria informática e da investigação genómica preparam-se para controlar o emergente comércio genético. Passa-se da era da petroquímica para a era do comércio genético e das patentes genéticas. Estamos a criar, assim, um segundo Génesis, desta vez um Génesis sintético. Uma espécie de Santa Aliança entre o produtivismo agroquímico e o produtivismo biotecnológico.

Mas não tem que ser assim necessariamente, pelo que, nela, também, já se adivinha ou antevê os elementos do que consideramos poder ser a ordem multifuncional da agricultura da 2ª modernidade, que aqui designamos como a ordem agroecológica ou ciclo ecorrural. De facto, o advento da economia biotecnológica, em particular, no último quartel do século vinte, é, de tal modo, espetacular e surpreendente que poderemos estar, paradoxalmente, no limiar do melhor e do pior dos mundos. De todo o modo, “Um admirável mundo novo” onde quase tudo é possível. Laboratórios que geram pequenos monstros geneticamente modificados, que comercializam “kits” para a produção e venda de OGM`s (organismos geneticamente modificados) aos países pobres. Que pilham a riqueza de biodiversidade existente nos países menos desenvolvidos, com consequências desastrosas para as pequenas economias agrorrurais, tudo isto com a cobertura e a encenação de laboriosas negociações internacionais multilaterais, onde, quase sempre, a relação de forças é muito desigual. Mas outras saídas mais virtuosas, uma ecotopia do mundo rural, são perfeitamente possíveis se um imperativo político de cultura e civilização, se uma ética prática se interiorizar nas procuras e ofertas sociais emergentes e conseguir impor-se ao produtivismo mercantilista dominante. Com efeito, se a economia biotecnológica tem o domínio dos instrumentos e dos processos, a nova economia agroecossistémica do mundo rural já tem, também, uma matriz de objetivos bem consolidada que aqui relembramos: a reposição e valorização da biodiversidade, a pluralidade e a integração das fontes energéticas, a multifuncionalidade e a integração das atividades económicas, a sustentabilidade dos processos e dos recursos naturais, a valoração e valorização dos serviços ecossistémicos, a qualidade e a segurança dos alimentos, a reticulação multilocal dos empreendimentos agrorrurais, a consolidação dos mosaicos e unidades paisagísticas, a solidariedade e a cooperação territorial descentralizada entre grupos de municípios, regiões e países. É a este conjunto de objetivos e à economia convencional e contratual que lhe corresponde que atribuímos a designação de “ordem multifuncional e agroecológica” que marcará decisivamente a 2ª modernidade da agricultura e do mundo rural. (Grifos do Autor) 

Nesta nova ordem multifuncional e agroecológica da agricultura da 2ª modernidade está implícita uma tese controversa que aqui designamos como “ecotopia do mundo rural”, uma nova ecologia política do mundo rural que poderia ser definida, de modo simples, como a convergência ou a fusão entre os direitos do consumidor e os direitos da natureza, de acordo com uma noção pós-materialista de consumo, mais glocalista, denominada, diferenciada, biodiversa, culturalista, patrimonialista, ecossistémica.

A pergunta óbvia e pertinente é a seguinte: estão os movimentos sociais em causa, da agricultura sustentável, dos consumidores, do ambiente e do património histórico e cultural, por via de uma convergência, mutuamente vantajosa, entre os direitos agroecológicos, sociais, naturais e patrimoniais, em condições de se erguerem a um patamar superior de consciência e organização, de tal modo que sejam capazes de influenciar, no sentido pretendido, o sistema produtivista e mercantilista dominante, ou, em alternativa,  articulando-se, de alguma forma, com esses interesses (por eles, mesmo, patrocinados !), e prosseguir, assim, os mesmos objetivos?

A nossa ecotopia do mundo rural está assente num outro processo de convergência ou fusão, a saber, entre a agricultura como espaço-produtor e a agricultura como espaço-produzido. Aqui, a nossa ecotopia significa que acreditamos que se poderá dar uma fecundação e rejuvenescimento do mundo agro-rural, isto é, que a fusão dos dois espaços proporcionará a chegada de novos atores atraídos por uma “nova estrutura de oportunidades”. A nossa dúvida, porém, consiste em saber se esta “descida ou regresso às origens” ainda lá encontrará capital em bom estado (capital humano, capital social, capital natural, capital físico) ou, ao invés, degradação, abandono e desertificação.

Faz sentido, pois, o aviso: é preciso ordenar e regular a chegada desse urbano pós-moderno, quantas vezes arrogante, vaidoso e ignorante, que pode deitar tudo a perder, quais neo-rurais predadores à procura de experiências ruralness; há, de facto, o risco muito elevado de um certo kitch rural e o campo a servir de elemento decorativo e figurativo para todos os tipos de marketing turístico em espaço rural.

É justamente no domínio das agriculturas ecológicas que a curiosidade é mais elevada, que o acesso está, aparentemente, mais facilitado, que os capitais necessários são mais reduzidos, que o valor acrescentado pode ser mais rápido; logo, teremos aqui um campo de possibilidades com interesse, apesar de sabermos, também, que se farão muitas mais “experiências caprichosas”, muitas delas com destino marcado.

Outro facto extremamente perturbador que nos faz voltar à história e à política diz respeito às dinâmicas territoriais. Com efeito, a aceleração das dinâmicas territoriais e a desestruturação social que daí decorre, são de tal ordem que estamos confrontados e destinados a ser “construtores sociais de território” mesmo contra nossa vontade. Para isso, teremos de nos libertar do discurso dicotómico e reinventar o sentido relacional das coisas. Face aos territórios precários da globalização, a nossa vida são fragmentos de vida, mergulhados numa mobilidade constante. Todos somos migrantes: pessoas, recursos e territórios. Tudo está em desconstrução-reconstrução. Reina a anarquia madura. O capitalismo continua o seu trabalho de sapa, contra a autonomia e a diversidade. As identidades são abandonadas e substituídas pelo conceito de mobilidade migrante. É o admirável mundo novo das redes, da razão instrumental e das redes de todo o tipo. É aqui que nos encontramos, numa encruzilhada de territórios sem rede, de territórios em rede e de territórios-rede.

Nesta encruzilhada de territórios, a nova divisória sócio-política passa a ser entre os que têm mobilidade e os que não têm mobilidade. A mobilidade diferencial traduz, por isso, uma relação de poder: alta mobilidade igual a classe alta e baixa mobilidade igual a classe baixa. Mas também existe o paradoxo da mobilidade: enquanto os turistas territorializam a sua viagem, os trabalhadores migrantes vivem uma mobilidade alienante. Seja como for, trata-se de uma territorialização-precária, que uma recessão mais prolongada converte num amontoado de seres humanos, um autêntico lumpemprecariado; veja-se o que se passa, atualmente, em Portugal, com o refluxo de trabalhadores migrantes em consequência da desconstrução socioeconómica e socioterritorial por que passa o nosso país.

É neste contexto que observamos a nova economia rural em formação e que apreciamos sobremaneira os esforços da União Europeia para consagrar uma agenda da economia da biodiversidade, dos ecossistemas, dos serviços ecossistémicos, das alterações climáticas e dos riscos globais, enfim, de uma economia hipocarbónica e ecossistémica. De onde se deduz que temos de voltar a reconhecer a imanência do território face à existência humana e ter um sentido relacional do mundo, o mesmo é dizer, reinventar um contrato social com o mundo agro-rural para lá de todas as dicotomias reais e artificiais criadas pela modernidade urbano-industrial e urbano-rural.

 

Conclusão

 Nas ciências sociais e humanas estamos habituados a raciocinar em escalas espaço-temporais curtas, logo tendemos a negligenciar os processos longos, de maior amplitude, apresentados como dados imutáveis no período em observação, como são os ciclos biogeoquímicos, climáticos e ecológicos.

 O decálogo que enunciámos a pretexto dos BMR e as reflexões que suscita, ajudam-nos a retirar a conclusão essencial que formulamos do seguinte modo: depois de várias décadas de política agrícola comum e de muita controvérsia sobre os seus fundamentos e custos, está a sociedade europeia e nacional ainda disponível para subscrever com o mundo rural um contrato de sociedade cujo propósito essencial é o desenho de estratégias de segurança alimentar e ecológica onde se incluem a prevenção contra os grandes riscos globais e a defesa e valorização dos recursos ecossistémicos que são vitais para o bem-estar das populações e, muito especialmente, os grupos mais desfavorecidos e vulneráveis? (Grifos do Autor) 

Queremos acreditar que a próxima geração de políticas públicas para a agricultura será orientada prioritariamente para a promoção dos mercados de futuro e dos bens de mérito na linha dos quatro vetores antes referidos (agroecologia, biodiversidade, serviços ecossistémicos e paisagem) e que, nesse sentido, a política de subsídios à produção e ao rendimento da União Europeia dará lugar, progressivamente, a uma ajuda contratual por serviços prestados, uma mistura inteligente de empresarialização e contratualização enquanto o preço do produto final não incorporar toda a fileira de “mérito”. Estamos convencidos de que, neste intervalo de tempo, o mercado dos serviços agroecológicos e ambientais se aprofundará e que novas fórmulas contratuais e mercantis verão a luz do dia. Todavia, como sempre acontece, é bom não esquecer, há uma relação de poder por detrás de uma relação contratual. Na prática, isto pode querer dizer que a ajuda contratual pode não compensar os custos do “caderno de encargos da convenção”, para lá dos custos de formalidade implicados pela relação contratual.

Seja como for, nada está garantido à partida se a regulação do risco global não for efetiva e não funcionar aos diferentes níveis ou escalas do problema. Os bens de mérito e reputação são fruto e pertencem, não apenas a uma economia intensiva em conhecimento mas, sobretudo, a uma economia intensiva em valores. Falamos de bens e serviços, limpos, livres, justos e dignos. Só com estes atributos experimentaremos a utilidade social do respeito.  

 

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