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Chão Urbano ANO IV Nº 01 Março 2004

01/03/2004

Integra:

ANO IV Nº 01 Março 2004

 

Laboratório Redes de Infraestruturas e Organização Territorial - IPPUR/UFRJ  

 

      Coordenação Mauro Kleiman  

 

       Equipe:  Genivaldo Henrique Silva dos Santos, Simone Cavalcanti do Amaral

 

 

Infra-estrutura e Organização Territorial

 

A Problemática da Infra-estrutura e a organização do território brasileiro.

 

 

O_processo_de_urbanização brasileiro__apresenta reconhecidamente, características__de_transcorrer- se de maneira forte e acelerada. Em pouco mais de sete décadas, a partir dos anos 30 do século XX, pode-se observar a configuração de grandes metrópoles no país – Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, entre outras – com densos e verticalizados parques imobiliários, portos, aeroportos, ruas, avenidas, túneis, elevados, redes de energia elétrica, telefone, gás, água, esgoto, meios de transporte – (principalmente automotivos, mas também ferroviários, metroviários, hidroviários)  equipamentos coletivos- hospitais, escolas, todo um aparelho de administração pública urbana, enfim um_conjunto de  _ _ elementos ___que articulam-se e desenham nossas cidades. Contudo, apesar das evidências de um país urbanizado onde, portanto, construíram-se todo um conjunto de elementos que dão a base material das cidades, paradoxalmente pouco aprofundam-se os estudos sobre a questão de infra-estrutura, e muito menos sua relação com a organização do território. Chão Urbano uma publicação do Laboratório Redes Urbanas – Redes de Infra-estrutura Urbana e Organização Territorial, do IPPUR da UFRJ, busca contribuir para ampliar o conhecimento e discussão sobre a temática da infra-estrutura e sua relação com a produção do território em suas várias escalas e dimensões. Estamos com esse número abrindo o 4º Ano da publicação. No ambiente de crise da Universidade pública brasileira, pressionada por vários interesses entre a esfera pública e privada, temos procurado, com enormes dificuldades, contando apenas com o decisivo apoio do CNPq, manter as atividades de pesquisa do Laboratório e seu canal de debates e divulgação – Chão Urbano. A problemática de infra-estrutura e sua relação com a organização do território e o desenvolvimento trata-se de tema “chave” para o Brasil contemporâneo. O país apresenta uma defasagem muito importante, seja na sua infra-estrutura de base produtiva, como na articulação regional, seja intra-urbana. Sem a decisão política de enfrentar a tarefa de renovar, ampliar e sofisticar sua infra-estrutura nas diversas esferas e escalas do Brasil dificilmente poderá propor-se à retomada do desenvolvimento. A falta de investimentos em infra-estrutura tem impactos na organização do território tornando, ainda mais fragmentado e estanque, num momento de mudanças econômicas que exigiriam uma cada vez maior articulação; e em nível local acentua as desigualdades  sócioespaciais no padrão de estruturação intra-urbana das cidades. O papel do Estado nas políticas de urbanização no Brasil tem sido moldado historicamente pela busca incessante da introdução do país na dinâmica econômica mundial, através da dependência ao capital e interesses das potências imperialistas. A política habitacional e a de saneamento (subordinada à primeira) apresentam as principais características da intervenção estatal no urbano, no Brasil: uma hierarquização no sentido de beneficiar as regiões que já vinham desenvolvendo-se, e uma forte política de exclusão social. A estas duas políticas, acrescenta-se a política de transportes baseada no automóvel. A globalização, trazendo em seu bojo o ideário neoliberal, tem provocado um rápido deslocamento do papel do Estado da intervenção para a regulação, mas onde primeiro tem privatizado-se e depois, a custo de um clamor social, faz-se um arremedo de normas e regulamentos. O impacto no território tem sido uma alavancagem à expansão geográfica dos grandes centros que adquirem dimensões de enormes aglomerados e uma intensa exclusão das camadas populares. Já no período do Império, no século XIX, procura-se ocupar o território com políticas migratórias, articulá-lo com ferrovias e estradas e através da comunicação por telégrafo, e intervém-se no intra-urbano no sentido de dar às cidades comerciais base para a acumulação, com saneamento, abertura de vias, iluminação elétrica, transporte por bondes e ferroviário. A implantação dessa infra-estrutura foi feita por empresas privadas estrangeiras no regime de concessão, através de subsidiá-las por empréstimos externos e dando-lhes garantias de rendimento. Estas empresas estrangeiras, entre outras a Light and Power canadense, em associação com capitais ingleses, controlavam serviços de luz, energia elétrica, bondes, telefonia (no Rio e em São Paulo);  a City of Improvements o esgoto até 1947 no Rio; a Eletric Band and Share com energia elétrica para a Bahia, parte de Minas, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; a Leopoldina Railway com linhas de trem, etc. A marca deste momento (que irá replicar-se mais adiante) será que a implantação de infra-estrutura por um lado não atende às necessidades da demanda produtiva e, por outro lado, os serviços urbanos cobrem apenas a parcela da população de renda mais elevada, pois sendo atendido por empresas privadas, estas buscam demanda solvável. A integração do território será tênue e restrita ao Sudeste e Sul através de ferrovias e estradas, permanecendo difíceis as ligações com o Nordeste, o Norte e o Centro- este,apontando-se para a inexistência de um mercado nacional. Pós 1930 acelera- e o desenvolvimento de infraestrutura pois o Estado irá enfeixar o papel simultâneo de centro político e econômico, acentuando suas ações sobre o território nas suas várias escalas: metropolitana, urbana/intra-urbana, estadual, regional e nacional. Será organizador e regulador do uso do solo através de planos e planejamento urbano, e implantador de políticas de urbanização, habitacionais, de saneamento, transportes; cria políticas e órgãos para desenvolvimento regional; adentra na configuração da base para a produção no setor energético e siderúrgico; e no setor creditício, com criação de bancos de desenvolvimento e regionais; e planeja macroeconomicamente, com vários planos sucendendose; e políticas energéticas (eletricidade e petróleo). Evidencia-se um enorme esforço de construção de infra-estrutura, concomitantemente à configuração de um aparelho estatal de planejamento e de regulação. Mas a infra-estrutura que vai sendo implantada reafirma suas características: uma a de, apesar dos esforços, não acompanhar a demanda produtiva e do processo de urbanização; e outra, a da desigualdade. Primeiro, setorialmente optando-se pelas rodovias e automóveis como meio de circulação e transportes. Segundo, em termos sociais, pois as redes e seus serviços são expandidas e renovadas com sofisticação técnica nas áreas de renda mais alta e existe ausência e/ou precariedade nas áreas de renda mais baixa, e regionalmente investe-se mais no Sudeste e Sul, e nas regiões Norte e Nordeste têm-se ausência ou implantação muito lenta de serviços básicos. Em todas as escalas, e em todos os planos está presente a priorização das questões de circulação em detrimento__àquelas__articuladas à habitação, e isto far-se-á através de redes viárias procurando articular as regiões e no espaço intra-urbano construindo-se nova rede.A criação de mercado nacional terá como meio a construção de um sistema viário que integre as regiões. As rodovias substituem as ferrovias, pois apresentam custo menor de via permanente, pode ser feita em etapas, material rodante adquirido por uma miríade de capitais individuais. Contudo, até 1955 concentra-se no eixo Rio – São Paulo (além do que 85% dos veículos estão no Sul e Sudeste), apesar de ter enorme crescimento, pois em 1928 são 113.570 km, em 1939, 258.390 km e em 1955, 459.714 km. Enquanto isto, irão reduzindo-se a malha ferroviária que já tinha apenas 31.851 km de ferrovia em 1928, para 34.206 em 1938 e 37.092 em 1955!, até extinguiremse vários ramais. Hoje a maior parte do transporte no país é rodoviário (65%), as hidrovias respondem por pouco mais de 10% (13%), restando o transporte ferroviário de carga que foi retomado a partir de privatizações, respondendo por um quarto do total (25%). Nas cidades os investimentos em rede viária dominam (70%) restando 20% para água e apenas de 5% a 8% para o esgoto. A introdução de novas redes de informação e comunicação com o conseqüente aparecimento de novos aparelhos domésticos, hábitos e sociabilidades – computadores pessoais, internet, TV a cabo e por satélite – não modifica e torna ainda mais paradoxal as lacunas referentes às redes e serviços básicos de infra-estrutura associados à moradia, e de transportes que configurem uma fragmentação do território e a persistência de sua frágil articulação. Como as lacunas atingem majoritariamente as camadas populares, podese refletir sobre conceitos e questões referentes a uma segregação sócio-espacial e desigualdade de acesso a serviços básicos para a vida, sobre a mobilidade, a questão fundiária e da moradia.

 

Mauro Kleiman

 

 

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