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Chão Urbano

Chão Urbano ANO X – N° 1 JANEIRO / FEVEREIRO 2010

01/01/2010

Integra:

ANO X – N° 1  JANEIRO / FEVEREIRO 2010

Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral

 

Comitê Editorial

Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional)

Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Hugo Pinto (Prof. Dr. Universidade do Algarves – Portugal)

 

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

Aline Alves Barbosa da Silva, Carolina Rezende Kroff, Priscylla Conceição Guerreiro dos Santos, Fernanda Colmenero de Melo e Moura, Natalia Andrea Urbina Castellón

 

Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva


Artigos

 

Avenida Rio Branco e Perimetral: Patrimônio Histórico do Rio de Janeiro

 Mauro Kleiman

 

 

Avenida Rio Branco e Perimetral: Patrimônio Histórico do Rio de Janeiro

 Mauro Kleiman

As recentes promessas da administração municipal do Rio de Janeiro empossada em 2008, de demolir (pelo menos em parte) a via elevada Perimetral, e de tornar a Avenida Rio Branco via de pedestres devem ser objetos de reflexão.

As vias são de épocas diferentes, a Avenida Rio Branco do começo do século XX e a Perimetral concebida nos anos 1950 e construída durante os anos 1960 e 1970. As duas são importantes elementos incorporados à paisagem urbana do Rio de Janeiro. A avenida Rio Branco incorporou-se à paisagem urbana do Rio de Janeiro através da vontade de inscrever a cidade, no rompimento com o passado da estrutura colonial das ruas estreitas, plena de odores, de escravos, de pobres... para torná-la bela e higiênica. Para tal importou-se o modelo de via “haussmaniana”: o boulevard de ampla largura, ladeado por arborização, largas calçadas, iluminação pública e perspectiva retilínea. Criou-se a via mais importante, então, da estrutura urbanística da cidade, posto que lhe foi tomado na década de 1940 pela Avenida Presidente Vargas e Avenida Brasil, sem no entanto, diminuir sua importância tanto como artéria de tráfego como ponto de centralidade sócio-cultural, econômico e político da cidade, capital do país. Ali estiveram o Senado Federal, o Supremo Tribunal Federal, a Cinelândia, sede de Grande Diário, entre outros, e ainda ali estão a Biblioteca Nacional o Teatro Municipal, a Câmara dos Vereadores, sede de empresas, escritórios, comércio, etc. A avenida Rio Branco foi concebida, e sempre foi até hoje via de  suporte de deslocamentos de modais de transporte, conjugado a via de pedestres por suas largas calçadas. Transformar sua plurifuncionalidade, que é a razão de seu sucesso como lugar de centralidade e via de articulação do Centro como os sub-centros e bairros, para uma via monofuncional de pedestres trata-se da concepção que resultará numa equivocada transformação urbanística. Apenas no trecho da Avenida Almirante Barroso até a Cinelândia poder-se-ia, isto sim, fazer a via mergulhar no subterrâneo e deixar livre a parte de cima. Ou ainda, poder-se-ia pensar numa melhor solução, como a de negar à via o tráfego de veículos automotores, mas levando-os para a pista subterrânea, e colocar sobre a via uma linha de VLT, solução que tem tido enorme êxito em cidades européias, quanto à denominada revitalização de centros históricos.

Quanto à Perimetral trata-se da primeira auto-estrada urbana implantada no Rio de Janeiro. Sua concepção é réplica do modelo implantado em Nova Yorque, antes da Segunda Guerra, de via suspensa que percorre todo o perímetro limítrofe da ilha de Manhattam, fazendo um anel viário de distribuição do tráfego que a acessa e penetra por seus bairros por meio de rampas. Faz parte da paisagem construída de “cidade moderna”, “metrópole mundial”, uma via suspensa sobre tudo que é passado, antigo e que faz com que o condutor do veículo vá percorrendo a silhueta dos “arranha-céus”, torres do progresso. Suspensa a via se afasta dos congestionamentos, e propicia rápida fluidez aos deslocamentos na área metropolitana. Trata-se deste modelo que nossa Perimetral importa para o Rio de Janeiro, no mesmo objetivo americano de adaptar a cidade aos automóveis. O crescimento geométrico do número de automóveis e ônibus no Rio a partir dos anos 1950, principalmente pós 1955 quando no país implanta-se a indústria automobilística conduz a uma verdadeira reconstrução da rede viária da cidade não apenas por sua melhoria, mas por uma verdadeira construção de uma nova tipologia de rede viária onde viadutos e elevados serão elementos estruturantes dos mais importantes.

Os congestionamentos implicando na capacidade de circular, com fluidez e velocidade, conduzem a encontrar soluções novas. Estas soluções, contudo, já existia alhures, e de novo o Rio de Janeiro implantou um modelo e aqui o importou: uma via expressa para grandes fluxos velozes, sem obstáculos, uma via suspensa por sobre os engarrafamentos, reservada aos veículos automotores que evitasse o Centro Histórico, que lhe tangenciasse (ainda mais que à época de sua concepção e até meados dos anos 1960 todo o tráfego tinha que passar obrigatoriamente pelo Centro). A Perimetral faz parte, e é um elemento muito importante da moderna rede viária da metrópole do Rio de Janeiro. Trata-se de via conectora, sem obstáculo, entre diferentes zonas, inclusive a leste, propiciada pela Ponte Rio - Niterói, e articuladora dos acessos regionais da metrópole. Demoli-la, mesmo que em parte, como pretendido pela administração municipal que tomou posse em 2009, deveria em primeiro lugar envolver complexa obra de engenharia que substitua o trecho por outra modalidade que lhe permita cumprir sua função de conexão e articulação. Mas para além deste aspecto consideramos que demoli-la, ainda que em parte, significa cortar os laços com o contexto urbanístico e cultural de sua criação vinculada ao modelo de metrópole moderna. Será cortar um traço da constituição da concepção, então progressista, de uma cidade adaptada aos automóveis, com vários “andares”, superando a idéia da cidade “térrea”, introduzindo-lhe superposições subterrâneas e aéreas, multiníveis, separação total entre pedestre e veículos, vias expressas de alta velocidade, túneis urbanos extensos etc.. que caracterizam toda uma paisagem urbana do Rio de Janeiro concebida e construída no século XX desde  e a partir do final dos anos 1920. A idéia de “mudança urbanística” lançada pela atual administração municipal coloca várias questões para as quais não se tem mostrado maior debate muito necessário quando se propõe a alterar trechos e obras de infra-estrutura que formam a identidade urbanístico-cultural da metrópole. Atinge, inclusive idéias que já tinham se consolidado quanto a preservação não ser apenas dirigida a prédios isolados de alto “valor arquitetônico” e sim a conjuntos urbanísticos (mesmo que integrados por arquitetura dita “menor”), e aquilo que digo ser o lugar constituído por infra-estruturas que denotam modelos e funções que configuram novo ambiente de vida urbana/metropolitana: a Avenida Rio Branco e a Perimetral são patrimônio histórico de urbanização do Rio de Janeiro e suas alterações tem que, no mínimo serem discutidos mais amplamente, mas principalmente serem compreendidas como parte de lugares identitários passíveis de preservação.

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