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Chão Urbano ANO IX – N°2 MARÇO / ABRIL 2009

01/03/2009

Integra:

ANO IX  Nº 2  MARÇO / ABRIL 2009

Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral

 

Comitê Editorial

Mauro Kleiman

Márcia Oliveira Kauffmann

Maria Alice Chaves Nunes Costa

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro

 

IPPUR / UFRJ

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

Aline Alves Barbosa da Silva, Carolina Rezende Kroff, Fernanda Comenero Melo de Moura, Priscylla Conceição Guerreiro dos Santos

 

Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva Márcia Oliveira Kauffmann, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva 

 

 Artigo

Rio Zona Norte, Zona Sul, Zona Oeste, Subúrbio, Periferia. A multiplicação e complexificação do fenômeno das favelas: projetos e planos

Mauro Kleiman

 

 

 

Rio Zona Norte, Zona Sul, Zona Oeste, Subúrbio, Periferia. A multiplicação e complexificação do fenômeno das favelas: projetos e planos

Mauro Kleiman

 

O fenômeno das favelas no processo de urbanização do Rio de Janeiro apresenta atualmente um quadro de intensificação de sua expansão em quantidade, mas sobretudo na sua qualidade com complexidade, que recoloca na ordem do dia um conjunto de questões para reflexão.

Entre estas questões, este artigo busca ressaltar nos diferentes projetos e programas de intervenção estatal (Programa Favela Bairro, o recente PAC e o denominado muro ecológico) alguns pontos que contribuem para uma reatualização da discussão sobre este fenômeno tão particular e interessante do processo de urbanização brasileira, e que tem no caso do Rio de Janeiro seu exemplo mais importante e complicado de ação de política pública.

Os diferentes projetos e programas introduzem inovações importantes, tanto a nível de sua concepção, como em relação a definição de elementos da governança urbana como processo de coordenação de atores e de regras de urbanização.

Podemos situar, por exemplo, o Favela Bairro como uma tentativa de romper com a concepção de atuação urbanística compartimentalizada e a procura de envolver no processo a comunidade das favelas, alvo do programa. Procura-se articular diferentes níveis de governo numa concepção de ações transversais coordenadas.

Devemos nos perguntar contudo, sobre o grau de êxito desta tentativa e sobre sua consolidação, continuidade, a situação pósurbanização; e se podemos pensar sobre a efetividade social do seu objetivo principal a qual seja o da inclusão das favelas na cidade formal.

Análise que temos realizado (em trabalho de campo com observação técnica e entrevistas com os diferentes atores) para uma avaliação do Favela Bairro mostra que:

(a) se de fato existiu um progressivo engajamento de diferentes atores inclusive de diferentes níveis governamentais necessários para deslanchar o projeto e sua execução, observamos muitas dificuldades na coordenação das ações, sobretudo pelo enraizamento do planejamento e gestão compartimentalizado, e também por diferenças de objetivos políticos-partidários (Prefeitura era de um partido, Governo do Estado era de outro e Governo da União de outro); existiu determinado grau de êxito (se não nada teria sido feito), mas esta ainda não constituiu suporte necessário para sua consolidação.

(b) Na pós-urbanização as dificuldades de coordenação dos atores e ações necessárias para a operação e a manutenção da infraestrutura construída ou não funciona ou funciona precariamente (ex: Cedae não opera ou não mantém redes de água e esgoto que a Prefeitura tenha feito...). O Pouso funciona apenas parcialmente em 15 favelas, a regularização fundiária não acompanha no mesmo tempo e em todos os locais as ações.

(c) O elemento participação da população em todas as etapas do processo ainda não aconteceu realmente. Embora mesmo o contrato de empréstimo com o BID preveja a participação como um item esta tem se resumido a no máximo (quando existe) a uma reunião onde a população toma contato com o que será feito, mas tudo já está resolvido. A comunidade alvo do projeto não participa em nenhuma etapa e seu envolvimento o que seria fundamental, dado a rede social e o modo de vida próprio do lugar. Não existe os elementos a negociação e construção social do consenso. Não existe a idéia de projeto como um instrumento de coordenação e mobilização para uma adesão da população.

(d) O processo decisório em cada etapa, e sobretudo na etapa inicial, ainda está muito centralizado no Poder Executivo de cada nível de governo. Não existe ainda maior grau de descentralização.

(e) O Favela Bairro busca introduzir regras para as edificações, conter a expansão em relação ao meio ambiente. Mas observa-se a difícil implementação real destas regras, sua fiscalização e eu diria mesmo antes de tudo a conscientização da população sobre o porque da existência de regras na cidade formal. Tem-se também a ausência prevista educação ambiental.

(f) Quanto ao grau de efetividade do objetivo de inclusão das favelas na cidade formal, os políticos procuram vender como tendo êxito já que ações coordenadas integradas e entre os diferentes níveis de governo só seria possível se o povo elegesse candidatos dos mesmos partidos ou de alianças políticas convergentes. O PAC quando agora investe em favelas do Rio de Janeiro é um resultado desta abordagem. Agora como estão todos: o Prefeito, o Governo do Estado e Lula alinhados numa mesma aliança aí sim tudo vai dar certo! Tudo vai funcionar! Acompanhando obras do PAC no Complexo de Manguinhos vê-se que o resultado não é bem este!

Avaliação Final: o Favela Bairro representa uma semente, uma cunha inovadora de uma tentativa de romper com a concepção racional funcionalista de planejamento e gestão, que se baseia na compartimentalização do território com usos específicos e na compartimentalização de ações nacionais.

A enorme expansão das favelas no Rio de Janeiro tendo em face, por outro ângulo, a questão ambiental, suscita agora o projeto do muro ecológico, que criaria limites mais rígidos para seu avanço para áreas de matas e florestas.

Durante seu forte e intenso processo de urbanização o país construiu progressivamente, em paralelo, uma estrutura jurídica e um aparelho de Estado em torno do território urbano-metropolitano e sua problemática. Como as cidades e metrópoles do Brasil foram construídas sobre um meio ambiente muito rico e complexo, e sua expansão se faz em detrimento da natureza, configura-se num movimento duplo e simultâneo, um conjunto de regras, leis, dispositivos e manias de um lado, e de outro um aparelho de Estado com todo um sistema de órgão e suas ações por todos os níveis de governo voltados à cidade. Este conjunto de duas mãos se consolida recentemente através da tomada de consciência da ecologia urbana que coloca em relação às dimensões ambientais e de urbanização, que demandam uma chamada aos princípios da governança – consulta e negociação entre as partes, gerir e integrar uma multiplicidade de interesses divergentes, articulações de diversos níveis de governo, etc. Apesar do espetacular conjunto de sistemas jurídico e governamental de regras ambientais estas não foram capazes de deter a expansão das favelas sobe áreas protegidas por falta de uma política habitacional popular, ligada à uma expansão da dinâmica imobiliária informal ilegal e por falta de uma regulamentação do urbanização estética consolidada para áreas populares, e de controle e orientação aos habitantes de favelas sobre as regras sejam ambientais, sejam de construção, etc.

O projeto do Muro Ecológico, a meu juízo, procura dar conta da ausência de políticas e regras visíveis, de maneira a criar um limite concreto nas situações existentes pela incapacidade de resolver a questão por uma ação integrada transversal. É mais uma repetição ou persistência do modelo funcionalista de intervenção no urbano de freamento pontual e parcial.

A construção de muros em cada favela possibilitando uma vigilância maior sobre uma expansão, se der certo, levará dado a ausência de políticas e regras de habitação e urbanização coordenadas, integrados e transversais a que novas favelas venham a surgir em outros pontos extra-muros.

 

 

 




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