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Chão Urbano

Chão Urbano ANO IX – N° 3 MAIO / JUNHO 2009

01/05/2009

Integra:

ANO X  N° 3  MAIO / JUNHO 2009

Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral

 

Comitê Editorial

Mauro Kleiman

Márcia Oliveira Kauffmann

Maria Alice Chaves Nunes Costa

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro

 

IPPUR / UFRJ

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

Aline Alves Barbosa da Silva, Carolina Rezende Kroff, Fernanda Comenero Melo de Moura, Priscylla Conceição Guerreiro dos Santos

 

Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva Márcia Oliveira Kauffmann, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva


Artigos

Um Plano Geral Propositivo como necessidade para a metrópole do Rio de Janeiro

Mauro Kleiman

 

 

Um Plano Geral Propositivo como necessidade para a metrópole do Rio de Janeiro

Mauro Kleiman

 

A metrópole do Rio de Janeiro tem experimentado tendências recentes de mudanças em sua dinâmica territorial que apontam para sua expansão e maior complexidade.

A estrutura da metrópole está modificando-se sob o efeito das transformações economico-produtivas. A metrópole mantém um centro principal e sub-centros no seu núcleo, mas também se expande em novas centralidades intranúcleo e Barra da Tijuca, superpostas a eixos viários e á dinâmica do automóvel (shopping centers, hipermercados, megacentros) e em expansões “pósperiféricas” (explorando os limites metropolitanos da década de 70), conformando pólos atrativos agora não mais apenas de camadas populares como antes, mas de camadas de alta renda embora consolide e altere as periferias antigas (Baixada Fluminense e São Gonçalo) modernizando-as (introduzindo shopping centers, hipermercados...) e adensa e verticaliza os lugares periféricos no centro (as favelas). Trata-se de um fenômeno de movimentos múltiplos: adensa e moderniza concentrações de centralidades anteriores, cristaliza a periferia no centro do núcleo, e dispersasse difusamente incorporando novos pólos urbanos para classes sociais diversas.

Rompe-se em diferentes circuitos econômicos atomizando lugares e funções; onde se observa a simultânea dispersão e difusão de pontos e a permanência da concentração em multipólos e no centro histórico. As mudanças na estrutura moldada em diferentes centralidades mais mantendo um centro mais importante, combinado à manutenção de áreas de especificidade pelo zoneamento de usos e funções e atividades que fragmenta o território não têm sido acompanhadas de planos para seu planejamento e gestão. Planos na sua acepção plena, ou seja, um corpo de ações propositivas coordenadas com objetivos e metas a serem alcançadas no tempo, e que tenham características de transversalidade setorial, integrando-os num Plano Geral. Esta concepção stricto-sensu do que seja planejamento do território na sua escala urbano metropolitana foi escamoteada quando da vaga neo- neoliberal que atingiu o país desde início dos anos de 1990, e até este momento não foi reposta como maneira de estruturar nossas metrópoles agora configurados diferenciadamente e muito maiores e mais complexas que quando surgem no cenário nacional dos anos 1970.

Temos hoje um cenário onde o modelo de planejamento racional-funcionalista, que utiliza o instrumento do zoneamento para classificar o uso da cidade diferenciadamente pelas classes sociais e fragmenta o território em áreas de especificidade, não mais responde plenamente as necessidades dos agentes econômicos que tem como marco do lucro o espaço; ao interesse do capital e das suas transformações econômicas-produtivas; mas onde a passagem para o modelo estratégico que melhor responderia ao novo momento não se completa.

O campo de concepção colocado na ideologia neo-liberal reformula seu discurso sobre o urbano. Busca-se a superação-trasformação do modelo racional-funcionalista para um novo modelo que incorpore práticas empresariais no sentido de uma produtividade urbana, que expressa-se numa recuperação de intervenção a nível físico por meio do (re)desenho urbano, trazendo novamente sob outra forma o projeto e a composição urbanística com base no lema (e nível de discurso) de uma re-ordenação urbana das cidades brasileiras (reordenando-as à nova economia) como forma inclusive de inseri-las no cenário internacional. Neste sentido, o papel do Estado, figura central no modelo racional-funcionalista, terá seu papel redistribuído a partir da noção de parceria público-privado, onde interesses empresariais e dos grupos sociais de maior peso estariam integrados em captação de investimentos, e em ações de urbanismo por projetos urbanos caracterizados por atuações locais e particulares.

O modelo estratégico trabalha a cidade em partes demandando um princípio norteando uma gestão mais flexível, descentralizada, eficiente e eficaz, direcionada para obtenção de resultados práticos a certo prazo, com visibilidade para o local e para o exterior, onde os projetos urbanos pontuais são o elemento principal de sua expressão espacial.

O processo de passagem do modelo racional-funcionalista para o estratégico, contudo, encontra-se nas cidades brasileiras em face de  exigência constitucional (Constituição Brasileira de 1988) pelo Plano Diretor para toda cidade com mais de 20000 habitantes e a manutenção do controle do uso do solo pelo zoneamento cristalizado no seu arcabouço jurídico e nos interesses em sua manutenção, com uma barreira que não foi superada.

A situação de convivência entre dois modelos coloca o Rio de Janeiro em face simultaneamente de um Plano Diretor, cuja base conceitual trata do controle rígido dos usos e diretrizes gerais reguladores destes usos que utiliza o instrumento jurídico consolidado do zoneamento, e de um Plano Estratégico que trabalha numa direção conceitual de flexibilização dos usos e expressa-se por intervenções pontuais ao invés de diretrizes gerais.

Um dos resultados desta convivência de diferenças será o abandono da idéia de um planejamento stricto-sensu de médio e longo prazo com um horizonte de tempo a sua frente para preparar a metrópole para seu desenvolvimento organizado para os próximos 50 anos ou um século, pois a problemática engendrada pela metrópole em expansão nas suas novas configurações articulando as diferentes dimensões de rede de infraestrutura de habitabilidade (água/esgoto, luz, gás, comunicações) e de circulação (rede viária, rede metroferroviário, rede aquaviária) e questões de moradia, educação, e saúde.

Todas estas dimensões apresentam questões não resolvidas que precisam ser pensadas no âmbito do governo de maneira coordenada em ações transversais pelos diferentes níveis de governo municipal, estadual, federal. A metrópole traspassa limites político-administrativos rígidos e exigiria uma ação conjugada de âmbito metropolitano à ausência de um ente federativo de governo para este âmbito territorial, através do que denominamos Plano Geral Propositivo.

Sua concepção é a de uma prospecção no tempo que elencasse planos de intervenção urbanística efetiva no território, não pontualmente, mas pensando de maneira a integrar a questão de infraestrutura de habitabilidade a circulação e aos problemas de moradia, educação e saúde. O Plano Geral Propositivo estaria integrando planos setoriais articulados. A metrópole precisa urgentemente, entre outros aspectos, de um Plano Viário articulado a um Plano Metroferroviário que pense o conjunto de suas vias e modos de deslocamento (inclusive prevendo o retorno dos bondes sob a forma de VLT, não como atração turística e sim como modal de deslocamento), e organismos supramunicipais que os executem e os regulem que são as chamadas Agências Metropolitanas.

Seria, enfim, uma proposta que iria no sentido inverso ao que estamos observando na atual administração municipal, onde aparece uma acentuação de trabalhar a cidade por intervenções pontualizadas, desconectadas uma das outras, e onde o embrião de agência de urbanismo que tínhamos - o Instituto Pereira Passos – tem sido conduzido a uma desmontagem de sua atuação levando para outra esfera de governo que não a preocupação no território.

Uma agência metropolitana de planejamento do território onde consolida-se um grupo interdisciplinar para pensar a metrópole no tempo e no espaço, que trabalhe no sentido de diminuir a convivência atual de dois modelos para um só território, através de um Plano Geral Propositivo abriria caminho para uma espécie de “terceira via”, para um novo modelo que retomasse a idéia de planejamento stricto-sensu.

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