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Chão Urbano ANO VIII – N° 5 SETEMBRO / OUTUBRO 2008

01/09/2008

Integra:

ANO VIII – N° 5 SETEMBRO/ OUTUBRO 2008

Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral

 

Comitê Editorial

• Mauro Kleiman

• Márcia Oliveira Kauffmann

• Maria Alice Chaves Nunes Costa

• Viviani de Moraes Freitas Ribeiro

 

IPPUR / UFRJ

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

Aline Alves Barbosa da Silva, Clarice Pereira Lima Green , Simara Guzzo Elias, Priscylla Conceição Guerreiro dos Santos

 

Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva Márcia Oliveira Kauffmann, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva

 

Artigos

Quem governa a metrópole do Rio de Janeiro

Mauro Kleiman

 

 

 

Quem governa a metrópole do Rio de Janeiro

Mauro Kleiman

Á uma configuração complexa da metrópole do Rio de Janeiro não observa-se uma resposta político-institucional adequada para seu ordenamento e gestão. Quem governaria esta configuração político-territorial é uma pergunta que instiga. Na realidade verifica-se diferentes níveis de governo, com dificuldades de articulação, e diferentes modelos de planos, segundo diferentes escalas, e quadro socio-políticoeconômico. A estrutura federativa do Brasil compreende três níveis de governo – a União, os estados e os municípios. Estes últimos na forma que dispõe a Constituição de 1988 são titulares de autonomia própria, portanto não possuem apenas caráter administrativo autônomo, como aparecem como titulares de personalidade política, com prefeitos eleitos. Esta afirmação política dos governos locais, com ações próprias dificulta a existência de uma estrutura de coordenação pela atomização e diferenças de interesses conjugado a uma fragmentação que agrava-se pela competição pelos escassos recursos que não lhe foram destinados quando a descentralização proposta na constituição. Assim tem-se entre os 17 municípios da região metropolitana uma permanente e forte tensão proveniente das colisões e conflitos entre os interesses político-partidários, em muitos casos divergentes entre eles, e com o governo do Estado e da União de quem dependem para concretizar políticas urbanas, ambientais e sociais. A dependência das partes frente a União e governo do estado, que tem sua base na hipertrofia do executivo e na hipercentralização das decisões que conduz à política do clientelismo, tem mantido a metrópole em comando ao mesmo tempo atomizado pelos governos locais e centralizado na dependência aos níveis de governo do país e do estado federativo. Esta multiplicidade de comandos e de funções torna complexa a configuração de um ente de gestão metropolitano. Quando da criação, por lei, da figura da Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 1974 sua motivação foi a de configurar um tipo de solução institucional para o planejamento através de um organismo supra local de âmbito metropolitano mas integrado a administração do governo a nível estadual. Neste sentido, este nível de governo criou a Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM) como entidade sob supervisão da Secretaria de Planejamento e Coordenação geral do Estado, com o objetivo de apóia-lo tecnicamente (em termos de planejamento de território). O organismo foi extinto em 1990, no contexto da adoção de idéias neoliberais, e desde então não existe um outro órgão responsável pelo planejamento da região metropolitana. A Constituição de 1988 delegou ao nível de governo do estado federado, através da organização integrada entre os municípios constituintes o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. A integração não se concretiza, como assinalado pelas razões expostas acima. Também, como conseqüência da maior autonomia dos governos locais a região metropolitana perdeu importância política.

A inexistência de uma formulação de política territorial de âmbito metropolitano dá lugar, a meu juízo, a três perspectivas preponderantes: uma local, que envolve (sem necessariamente articulá-las) os modelos de planejamento racional funcionalista, e o modelo estratégico; outra estadual que tem como marcas políticas setoriais, combinada com traços de idéias-conceitos do modelo estratégico e uma última de caráter nacional, onde prevalece a visão que o espaço configurado como região metropolitana pode ser alvo políticas fragmentadas da União. As características dessas perspectivas são:

(i) o planejamento local conta com o instrumento do controle do uso do solo através do zoneamento consolidado por Planos Diretores para cada unidade política que compõe a metrópole complexa, com base conceitual no modelo racionalfuncionalista. Paradoxalmente lançam-se na década de 1990 aos ditames do modelo estratégico os conceitos de parcerias e ações entre diferentes atores, a cidade gerida como empresa, etc., que conflita com a centralização e restrição do modelo racionalfuncionalista que continua em vigor (inclusive consolidado por meio de instrumentos jurídicos). Verifica-se apenas algumas poucas experiências de consórcios intermunicipais na Baixada Fluminense, como tentativa de modificar este quadro.

(ii) planejamento estadual onde o foco está numa gestão financeiro econômica de ajuste fiscal com controle orçamentário sem uma perspectiva sobre o reconhecimento e construção de ações de integração das escalas urbano-metropolitana, e regional da região metropolitana e baseia-se em políticas setoriais de industrialização e logística de transporte. A gestão administrativa é hipercentralizada na figura do governo (Poder Executivo), com uma estrutura estanque, sem coordenação e integração de ações. Também paradoxalmente,como no planejamento local, aparecem tentativas de introdução de idéiasconceitos de governança, como no caso da Agenda 21 que propõe a noção da transversalidade nas ações de diferentes secretarias de governo.

(iii) a Região Metropolitana na perspectiva nacional embute a continuidade da visão racionalfuncionalista tanto a nível de gestão centralizada, técnica, etc. como a nível do tratamento do território através de ações setorizadas lhe dirigindo investimentos em políticas de urbanização de favelas, saneamento básico, infra-estrutura rodoviária, sem tomar em conta a complexidade de sua nova configuração.

Esta multiplicidade de perspectivas de tratamento da configuração metropolitana política tem acarretado inúmeros problemas do ponto de vista funcional podemos afirmar que a indeterminação/inexatidão do que é competência municipal e do que é estadual, bem como o enfraquecimento atual da entidade metropolitana, impedem que um planejamento integrado se realize efetivamente. Quando o nível de governo do estado federado assume várias funções de âmbito metropolitano, o núcleo da metrópole, a cidade do Rio de Janeiro predomina sobre as demais atraindo para si a maior parcela dos investimentos e ações públicas para a resolução de seus problemas em detrimento dos municípios periféricos. Em legislação complementar, de 1997, apresenta-se uma nova estrutura com características que apontariam para uma modalidade de governança. Nesta lei, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro será administrada pelo poder executivo do estado federado, que seria assistido por um Conselho Deliberativo constituído por 13 (treze) membros representantes, cujos nomes seriam submetidos ao poder Legislativo, e nomeado pelo governador, com mandato de dois anos. Apesar da existência da lei, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro não possui gestão compromissada com essa realidade. Tendo em vista que o Conselho Deliberativo jamais foi instalado e as decisões mais importantes quedam nas mãos do poder Executivo sem ouvir o Legislativo, e outras são tomadas pelos prefeitos dos municípios.

Em termos de competências o nível de governo do estado federado, tendo a atribuição gestora da Região Metropolitana do Rio de Janeiro detêm a maior parte delas, mas os governos locais também tem determinadas funções, por vezes duplicando ações, gerando-se conflitos. Inicialmente podemos observar que como não existe um organismo metropolitano, será o nível de governo estadual que detêm a competência da função de coordenação e planejamento integrado inclusive do desenvolvimento econômico e social. Assim, o governo do Estado do Rio de Janeiro realizaria, exclusivamente, o planejamento integrado da Região Metropolitana e estabeleceria normas para o seu cumprimento e controle; coordenaria a execução dos programas e projetos de interesse metropolitano; estabeleceria, normas gerais sobre a execução dos serviços comuns de interesse metropolitano e o seu cumprimento e controle; exerceria as funções relativas à elaboração e supervisionaria da execução dos planos, programas e projetos relacionados às funções públicas e serviços de interesse comum, consubstanciado no Plano Diretor Metropolitano; promoveria, acompanharia e avaliaria a execução dos planos, programas e projetos, observados os critérios e diretrizes propostos pelo Conselho Deliberativo. Cabe salientar no entanto que além do Conselho Deliberativo não ter sido implantado, como assinalamos nunca existiu a configuração do Plano Diretor Metropolitano. Por seu turno, a coordenação e o planejamento integrado tem sido substituído por uma atomização de atividades e ações pontuais.

Já a competência sobre transportes, apesar deste ser considerado de interesse metropolitano, não existe uma autoridade neste âmbito para seu planejamento e gestão. Muito recentemente (em 2003) configurou-se um Plano Diretor de Transportes Urbanos para a metrópole, e apenas no plano das idéias o governo do Estado, como anunciou em 2007, pensa em instalar uma Agência Metropolitana de Transportes, o que configuraria uma autoridade supra-local. O transporte por ônibus e vans / kombis e táxis são de competência dos municípios, a quem cabe também melhorias na rede viária, apesar de vias expressas e estradas poder também ser de competência estadual e mesmo federal. O transporte ferroviário, metroviário e aquaviário é concedido a empresas privadas e fiscalizados pelo governo do estado.

A competência sobre abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto é do nível de governo estadual, mas muito recentemente (em 2007) parte da coleta de esgoto da cidade do Rio de Janeiro passou ao município. Observam-se tentativas de consórcio intermunicipais entre governos locais da área mais pobre da metrópole (Baixada Fluminense), para tentar resolver, principalmente, a questão da coleta de esgoto.

A competência sobre meio ambiente – poluição atmosférica e de corpos hídricos – é do governo estadual, mas a coleta de resíduos sólidos é dos municípios, enquanto que sua deposição em aterro sanitário volta a ser do estado o que tem provocado conflitos pois o depósito localiza-se na área pobre da metrópole.

Percebe-se que o território metropolitano do Rio de Janeiro carece de uma configuração político-institucional que possibilite uma administração coerente com sua complexidade. A multiplicidade de interesses em um território fragmentado exigiria instituições de coordenação e integração; consórcios e cooperação intercomunais; colocar em coerência, através da participação com negociação as demandas da pluralidade dos atores; parcerias público-privadas; entre outras iniciativas. Enfim supor-se-ia uma redefinição de princípios de ação pública em torno de dispositivos de governança. Estes dispositivos permanecem, no Rio de Janeiro, em grande parte adstritos ao nível do discurso, ou quando postos em prática apresentam-se como mecanismos parciais, pontuais, não configurando um todo articulado. Estão presentes como pequenas “ilhas” num “oceano” de uma estrutura hipercentralizada, autoritária, com ações atomizadas para o desenvolvimento do território. Registre-se, então o impasse existente para o ordenamento e gestão e o desafio para suplantá-lo em face da nova configuração complexa do território metropolitano do Rio de Janeiro.

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