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Chão Urbano

Chão Urbano ANO XIV - Nº6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014

01/12/2014

Integra:

ANO XIV - Nº 6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014


Editor

Mauro Kleiman

 

Publicação On-line

Bimestral


Comitê Editorial

• Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

• Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional)

• Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional) - UFF

• Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

• Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

• Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

• Hugo Pinto (Doutourando em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

 

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

Camila Campos do Vale, Marina Moura, Paula Alves e Priscilla Tavares. 


Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, PricilaLoretti Tavares e Fernanda da Cruz Moscarelli 

 

 

 

 

ÍNDICE

Reflexões sobre a relação entre água e cidade

 Mauro Kleiman.............................p. 3

 

 Cáritas Diocesana de Bragança.PA 

Rodrigo Fraga Garvão......................p.16

 

 

 

 


REFLEXÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE ÁGUA E CIDADE

Mauro Kleiman

PRÓLOGO

Neste ano de 2014 onde a estiagem no Sudeste tem revelado de forma mais clara os problemas de abastecimento de água nas grandes metrópoles se torna importante retomar o contato com uma discussão da relação entre água e cidade.

Os sistemas de abastecimento de água nas grandes metrópoles do Sudeste foram renovados tecnicamente e ampliados em suas capacidades entre as décadas de 1950 e 60 "resolvendo" a problemática até então sentida, oriunda da forte e rápida expansão do processo de urbanização intenso das maiores cidades do país , especialmente Rio de Janeiro e São Paulo com foco no núcleo destas metrópoles nas áreas de negócios,comércio, indústria e de habitação das camadas médias e alta. Daquele momento até a segunda metade do século XXI foram sendo feitos determinados ajustes no sistema e suas redes, e mesmo certa ampliação do atendimento a áreas residenciais de camadas de renda média baixa e populares.

Desta forma, embora já se pudesse prever problemas de abastecimento por conta de períodos de estiagem forte não existiu planejamento e ações plenas para se fazer face à esta situação, nem se atentou para o fato da intensificação do uso da água para a indústria mormente no vale do rio Paraíba do Sul localizado exatamente entre as duas metrópoles que tem ou podem vir a ter(no caso do Rio de Janeiro)  a retomada da questão da "falta d água" termo corrente na metade do século XX.

Este artigo se propõe face a este momento relembrar através de recuo histórico a ideia da relação estreita entre água e cidade, e em seguida sua abordagem pelo planejamento urbano,i como forma de contribuir para se repensar como o Brasil e suas grandes metrópoles devem atentar para a problemática.

Tomemos, inicialmente, a relação histórica entre água e cidade. A relação entre a cidade tomada na sua permanente dinâmica de transformações avança sobre o meio natural alterando a paisagem, entre outros elementos com suas águas. Água e planejamento do território, por sua vez, apresentam relações que vão da associação à dissociação, da assunção à dissimulação daquela por este, existindo, também, meio termos entre os polos opostos. As cidades se configuraram e se desenvolveram no mundo em diferentes períodos históricos com uma relação sempre permanente com a água. Conquanto a água seja um elemento primordial para a vida a organização dos grupamentos humanos no meio ambiente desde sempre buscaram sua proximidade, e, mais ainda se apresentou necessária sua presença desde quando as cidades aparecem como nova forma de configuração socioeconômica quando a relação com a água sempre determinou as paisagens urbanas: cidades-portos, cidades com canais, cidades nas bordas e/ou atravessadas por grandes rios, cidades no entorno de baías com lagos, lagoas, praias oceânicas, cidades situadas no contexto de várias bacias de rios...

No desenvolvimento das cidades as águas sempre estiveram presentes e tem sido um dos fatores mais importantes de suas configurações estruturais não sendo possível entender a urbe sem compreender sua relação com este elemento água como parte de sua possibilidade como lugar de produção, das trocas, do conhecimento e da cultura.

As cidades na história foram se configurando de formas diferentes a partir de  suas relações particulares com as águas no  seu entorno e características naturais de cada lugar no mundo. Estas relações e os diferentes momentos sócio econômicos  moldaram suas estruturas urbanísticas e contribuíram para o desenvolvimento e transformações da paisagem de cada lugar, tendo a inserção da água no ambiente natural sendo alterada pelo ambiente construído e normatizada, regrada, por diferentes modelos de ordenação  e planejamento da urbe.

Quando as primeiras cidades se formam a água estava presente de forma orgânica na sua configuração, pois que essencial para a vida e atividades cotidianas. Manterão água e urbe, então, desde uma trajetória de contato e entrelaçamento para aproveitamento potável, regular e abundante até momentos de conflitos; concepções diferenciadas de seu papel vital na vida pelo lado oposto de ruína, de estragos, veículo de doenças, risco e efeitos de inundações, provocando rupturas na relação, e momentos da busca e ações efetivas para domina-la, encaixa-la na estrutura urbanística de acordo com modelos onde apesar de não poder se separar de sua importância vital, onde embora a ligação entre ambas permaneça busca-se confinar, tampar, aterrar... a água encobrindo a relação inexorável. De uma forma ou de outra, seja no contato e entrelaçamento, seja no seu escamoteamento ou eliminação, estruturas espaciais para a água serão sempre parte da configuração das cidades.

Deste modo a questão proposta neste artigo traz uma discussão que atravessa alguns momentos históricos que consideramos cruciais para compreender as relações entre água e cidade. Numa primeira parte, inicialmente se reconstitui,  ainda que de forma breve, a relação entre água e os as primeiras cidades com a busca pela água no seu entorno , e vislumbra a água como parte do plano orgânico da estrutura urbanística com aquedutos e cidades-canais. Em segundo lugar se busca os traços das relações e conflitos entre água e cidade no mundo feudal, quando no momento de seu desmonte e fragmentação pelo capitalismo onde se impõe um viés primeiro de tampar a água, fecha-la, confina-la e depois separa-la na estrutura urbanística. Na segunda parte, desde as reformas urbanas no modelo higienista embelezador até o modelo racional-funcionalista nosso percurso passa do momento haussmaniano até a introdução traduzida destes modelos na reconfiguração das cidades brasileiras no processo de urbanização do país onde as águas são necessárias como elemento desta estruturação mas são compreendidas como problemas,entraves, e aparecem conflitos tanto pela sinergia entre suas derivações como águas servidas misturadas a águas pluviais, a não universalização de redes de água e principalmente de esgoto, com dificuldades de resolução, tendo como exemplo emblemático o caso do Rio de Janeiro. Este é o momento da separação entre água e território.

 

PRIMEIRA PARTE: O MOMENTO DO CONTATO ENTRE ÁGUA E CIDADE

Do contato primordial o reconhecimento é amplo: os primeiros aparatos urbanos surgidos na área do Oriente Médio a cerca de 5000 anos atrás se colocam em lugar árido mas entre dois grandes cursos de água-o Tigres e o Eufrates, e procuram as bordas de águas doces, a costa de mares interiores protegidos dos ventos para facilitar trocas, buscam água potável até já por meio de aquedutos, como o descoberto recentemente em Jerusalém  datado de 3000 anos atrás, assim como por redes de canais adentrando a cidade de Uruk( hoje com nome de Warka no Iraque) também por escavações desveladas só agora que apontam uma grande urbe com esta estrutura com 5000 anos de existência!

Aquedutos se farão muito presentes nas cidades romanas trazendo o líquido por vezes de muito longe, marcando a paisagem urbana com seus arcos numa estrutura linear elevada cortando a configuração da cidade em tabuleiro de xadrez conduzindo a água até fontes públicas e para as termas-um dos principais equipamentos urbanos. No plano da cidade romana de ruas ortogonais acompanhando em paralelo os dois eixos principais transversais- o cardus e o decumanus, a água era trazida para o interior da estrutura urbanística e as pessoas saiam de casa para buscar o líquido nas fontes, ou saiam de casa para o banho público nas termas que faziam, também, o papel de lugar de encontro, de conversas, de tramas...

No mundo feudal os aparatos urbanos intra-muros obedecem a configuração de plano orgânico procurando adaptar-se ao lugar, ao invés do “tabuleiro em xadrez” da cidade romana, e tem em sua constituição vielas tortuosas, becos, passagens cobertas como túneis” entre as casas, a praça do mercado que se abria em círculo ou em forma elipsoidal surgindo do emaranhado traçado da estrutura urbanística, o adro da igreja, o castelo do Senhor feudal. Uma cidade com elementos constantes que se repetem em todo lugar do Ocidente, mas que no seu interior é espaço das surpresas, do acaso, das indecisões.Nesta cidade, onde o muro lhe faz de defesa, mas representa a separação entre produção que ocorre no campo e o consumo que se dá intra-muro, e a porta é o elo de ligação entre estas partes, duas situações mais importantes podem ser destacadas na sua relação com a água. Numa primeira situação, a cidade feudal entre os séculos X a XII transforma os cursos dos rios, seus perfis, suas dimensões, inicialmente para sua defesa levando as águas para a criação de fossos de circunvulação ao redor de seus muros  do seu espaço urbano circunscrito, e depois para sua economia servindo de força matriz a moinhos e necessidades artesanais. Isto será feito através da construção de canais que penetram na estrutura intra-muros efetuando-se pela consolidação retificada de cursos de água já existentes que traspassam a cidade, ou apropriando-se de rede viária pré-existente de origem romana( muitas das cidades feudais se colocam sobre a anterior estrutura romana “ desmontando-a”) retirando seu caráter de “caixa de rolamento” para deslocamentos a pé ou em carruagens e transformam ruas em novos caminhos de água alimentados por derivações de rios no seu entorno.

Esta primeira situação, onde as águas guardam determinada relação com a estrutura urbanística, seja apenas por envolve-la reafirmando o caráter de limites restritos desta cidade-cidadela, seja penetrando pela estrutura sevindo a economia, vai encontrar-se com a inexistência de rede de abastecimento de água potável e de coleta de esgotos e detritos, e com uma determinada economia entre os séculos XII e XIII, que configura uma segunda situação que que da origem e conformação a uma cidade da água estagnada e de acumulação de detritos, uma cidade fedorenta e/ou pestilenta. Primeiro porque a economia artesanal, principalmente a têxtil, precisará de umidade, urina estagnada, que serve de “liga” para tingir os panos com pigmentos de cor,e precisa da fermentação dos líquidos. Por ouro lado, no espaço da casa será uma cidade onde nas casas existe um só ambiente, um cômodo onde vão viver toda uma grande família onde todos os atos cotidianos transcorrem, sem separações entre os corpos, nem entre mundo adulto e infantil, onde a cama é coletivo e nela todos dormem juntos, incluso animais domesticados. É a cidade, também, onde os atos fisiológicos são feitos externamente às casas à frente uns dos outros porquanto ainda não se fez a barreira inter-corpos e vis-a-vis seu próprio corpo, e a urina e excrementos se espalham nas ruas a “céu-aberto”, ou lançam-se a urina e excrementos pelas janelas, usando-se , igualmente, do hábito de subir nos telhados  para defecar e esperar que chuvas levem os dejetos para as ruas( já que os telhados obrigatoriamente muito inclinados por conta da neve), e se lançam as “imundíces” nos canais e rios que atravessavam a cidade na configuração anterior tornando a antiga rede construída e pensada para a economia em receptáculos de dejetos que irão se cristalizar em fétidos depósitos. Nas cidades feudais implantadas em aclividades (morros) quando chovia os dejetos tinham a possibilidade de serem empurrados pela corrente das águas pluviais escorrendo para o fosso entorno da cidade, ou para seus canais internos se os tinham, ficando ambos tomados por esgoto estagnado. Quando as cidades eram planas existia um acumulo de dejetos e detritos nas ruas e/ou canais internos formando-se crostas de lodo. Uma tentativa primeira de organizar os atos fisiológicos “incontroláveis” no espaço urbano aparece a partir de meados do século XIV com uma demarcação de um lugar excremental, um lugar determinado, uma rua, em geral nas bordas de um corpo hídrico, onde deveria ir-se para defecar. Este lugar excremental, que toma a denominação em língua francesa de “merderau”, entre outros (como merdançõn,merduron,merderon), mas, não podiam ser utilizados por todos os habitantes, sendo de exclusividade dos nobres e príncipes da igreja, antecipando uma das características dos equipamentos de infraestrutura que é a de sua possibilidade de acesso e uso diferenciado pelas posições hierárquicas dos indivíduos, estratos ou classes na estrutura da sociedades dados por sua riqueza e/ou autoridade. Mas destas ruas com funções excrementais exclusivas, os dejetos vão se juntar aos dos demais indivíduos num lodo estagnado único permanecendo um quadro de inexistência de condições sanitárias, uma cidade dos cheiros fétidos e sujeita a epidemias do cólera e peste negra. O ambiente urbano dos restos de animais, estrume, urina, excrementos, restos de alimentos, tudo lançado a ruas sem calçamento, as covas coletivas semi-tampadas, os matadouros, açougues, e cozinhas colados uns aos outros sem aeração, irá permanecer até meados século XVIII  quando inicia-se um processo de rejeição social da sujeira, uma busca de salubridade, cuja trajetória pelo século XIX e irá, pelo menos , até a metade do  XX, a relação entre água e cidade agora estará sob o mote de separar o líquido da urbe enterrando-o, tampando-o ,fechando-o , aterrando-o, através da classificação das coisas e pessoas no espaço separando a água de outros elementos constituintes da cidade. É o momento da cidade procurar sua higienização, controlar, confinar, separar , enterrar, suas águas. O modelo higienista-sanitarista que tem como características básicas intervenções pontuais nas cidades tendo como objeto a busca da salubridade, com aterros de áreas alagadiças lagoas, lagos,construindo redes subterrâneas para coleta dos dejetos-esgotos, redes de coleta de águas pluviais que estará articulada a pavimentação das ruas com caimento para suas bordas para fazer a drenagem rápida destas águas para o subterrâneo,combinado com avenidas amplas e com canalização de cursos de água naturais e seu fechamento. Além de arrasamentos de morros com objetivo de fazer circular sem obstáculos o ar para contribuir na eliminação de ambiente pestilento, e proibição de moradias coletivas com baixa aeração, banheiros coletivos, áreas de tanques de lavar comuns, onde se misturavam corpos, etnias, culturas no bojo de uma reforma estética ordenadora da estrutura urbanística e dos tipos de imóveis...

 

SEGUNDA PARTE: MODELO RACIONAL-FUNCIONALISTA, PLANEJAMENTO DO TERRITÓRIO E ÁGUA.

A tradição do modelo racional-funcionalista de ordenação do território das cidades tem sido a de configuração de áreas de especificidade por funções determinadas-habitação, indústria, comércio, lazer- separadas uma das outras, de forma estanque, separando, também, o objeto cultural- artefatos construídos dos objetos naturais, que só farão parte da cidade racional-funcionalista sob a forma de natureza controlada e organizada paisagisticamente em parques, arborização de ruas, incluindo as águas que não são tomadas como parte da paisagem construída, sendo mantidas estanques a esta como parcelas do ambiente natural que deve ser camuflado, tapado, fechado, contido, numa separação que indique que não estão entre as funções urbanas, podendo aparecer apenas como elemento de sinalização do viés de separação entre água e estrutura urbana.....

O modelo racional-funcionalista planeja o território fez uma opção por privilegiar a compartimentalização e especialização de usos em zonas funcionalistas. Trata-se, em essência de representar o espaço sob uma forma de repartição de zonas contíguas com perímetros claramente delimitados: cada zona com sua própria característica por tipo de utilização do solo( como citado acima-habitação, indústria , comércio), densidade de ocupação, tipos de equipamentos.

Cada zona possui pela função que lhe é atribuída uma autonomia, e no seu interior o espaço tem continuidade, com estrito uso por determinado tipo de construção e de atividades, cujos atributos são fixados ex-antes, e ha-doc, ou seja por restrito grupo de técnicos cujo saber não se questiona , nem consulta-se a população sobre o que cada zona terá como especificidade, sendo que o conjunto de zonas delimita um perímetro exterior constituindo a cidade . Trata-se de um planejamento que impõe uma territorialidade própria em termos de zonas contíguas mas com fronteiras , superfícies e volumes, que limita e conduz os diferentes movimentos da economia e sociedade capitalista a uma configuração de inércias e impermeabilidades , e constrangimentos às dinâmicas de mudanças.

É um planejamento que refere de maneira muito estrita a funções específicas com acentuação no objeto edifício e não sobre as relações entre estes e destes com a cidade. Assim sendo, tanto as águas dos corpos hídricos, como as redes de água potável, coleta de esgoto, gás, luz, telecomunicações, e todas as demais,vão ser tratadas pelo modelo e seu instrumental de planejamento-o zoneamento ,de forma setorizada, em separado e estanques uma das outras, seja por sua justaposição sem precisar  o tipo de relação da rede com o uso do solo ou as atividades de cada lugar, seja por meio da contenção técnica de seus fluxos que sejam os necessários em cada zona de especificidade onde devem circular. Trata-se assim de canalizar estes fluxos qualquer que eles sejam: desde os naturais como as águas, aos produzidos para abastecimento de água potável, coleta de esgoto, até os fluxos de circulação carros, trens, ônibus, bonde. Metrô, pessoas, bens, serviços...

Tal enfoque conduz a uma compartimentalização na ordenação do espaço por zonas e seus “canais” de serviços que lhe atribuem elementos de operacionalidade onde será nítida a separação entre o objeto edifício e as ruas: no primeiro estão as atividades divididas por funções específicas, e no segundo estão sob as ruas, no subterrâneo, enterradas as águas e seus sistemas de distribuição e coleta de águas servidas-dejetos ( e demais redes urbanas citadas acima), e por sobre   as ruas a circulação de fluxos de deslocamentos e seus veículos, e sob a rua o metrô. Neste modelo os fluxos estão no aparato urbano como sistema técnico subalterno para servir ao objeto edifício os controlando e contendo-os no perímetro de cada zona. Este é o momento máximo da ruptura entre água e cidade: a cidade é ordenada e tratada em partes e separa-se e desarticula-se sua relação com os objetos naturais, mormente os corpos hídricos, e com as redes que buscam captar água e distribuí-la e coleta-la após seu uso e os dejetos.

No Brasil, desde o início do século XX cidades passam a ser reformadas, com a normatização de sua utilização, e um embelezamento de sua estrutura urbanística com base no saneamento de seus sítios que compõe-se com ideias higienísticas.  A desordem na urbe brasileira era na verdade a expressão da passagem das relações de trabalho escravista para o assalariamento capitalista.  A cidade precisa, então, ser moldada como sede do capital comercial, rompendo-se sua trama de ruas estreitas e escuras, por largas avenidas à moda dos “boulevard francês” ladeado por arborização e iluminação. Romper, separar e imunizar a confusão da circulação no seu centro coalhado de escravos – serviços (serviço de transporte, de água, de coleta de esgoto, etc...) e de uma “malta”de pobres que ali habitavam e procuravam trabalho, liberando-a para sede das empresas agro-exportadoras.  Já estava embutido nessas primeiras reformas o modelo matriz do planejamento urbano num “pré urbanismo progressivista”(Choay, 1976) baseado na busca de uma ordem racional mas apontando para transformações no tempo, correspondendo assim ao lema da República recém-instaurada no país.

Novas condições econômicas dadas pela industrialização, e sua expressão nas cidades em processos de rápido crescimento – com adensamento e concentração e expansão periférica – a partir do final dos anos de 1930 no Brasil implicaram na introdução e aplicação do modelo de planejamento racional-funcionalista, dito progressista.  Será na importação deste modelo que na sua tradução para a cidade brasileira podemos encontrar diferenças com o ocorrido em sua aplicação em outros países.  O modelo consolidou-se ideologicamente a partir do ponto de vista crítico da concepção individual de um homem-tipo, independente  de contingências ambientais, de variedades de lugar e tempo definidos a partir de necessidades-tipo, homogeneamente dedutíveis, o que de fato encobre a        existência de classes sociais. O pensamento que todos os homens seriam equivalentes conduz a que suas necessidades: habitar, trabalhar, entreter-se e circular, podem ser satisfeitas também por respostas-tipo.  A cada uma dessas necessidades - funções humanas corresponde um lugar diferenciado. O espaço é rigorosamente separado em cada lugar para cada função. A cidade será fragmentada em áreas de especificidades, definidas tecnicamente, sendo esta forma de ordenamento aplicada no Brasil através do planejamento racional-funcionalista como instrumento de Estado (incorporado como figura central para assegurar equilíbrio econômico-social) através da corporação dos arquitetos e seu corpo disciplinar.  O Estado controla o ordenamento das cidades investindo em infraestrutura, equipamentos e serviços públicos naquelas áreas de maior renda em nexo com interesses imobiliários, e neles organiza usos, atividades e tipologias; e omitem-se (ou atende apenas na necessidade única de reprodução da força de trabalho) nas áreas de menor renda.

Esta é uma leitura diferenciada ou parcial do modelo, pois que a proposição original do seu instrumento de zoneamento – e aplicado na Europa e EUA – o prevê como ordenador abrangente do  conjunto da cidade. Nas cidades brasileiras o Estado utilizou e utiliza até hoje o zoneamento para um controle apenas de setores restritos. Com base no entendimento (conceitual) do modelo que as classes e segmentos de classes sociais utilizam a cidade de modo diferenciado, no país delimitou-se um setor que seria aquele utilizado pela camada de maior renda como cidade formal, e portanto passível de um ordenamento controlado, sendo assim portanto estabelecida a parte legal da cidade,  e um outro setor, utilizado pela camada popular que estaria fora da cidade formal, portanto ilegal. Este estando assim jurídica e socialmente diferenciado não seria objeto de controle e, por efeito, objeto de política urbana (habitação, transporte, água e esgoto, luz elétrica...).  O Estado inicialmente “ignora” a existência de áreas populares, escondendo-as, e quando estas tornam-se visíveis prefere a omissão em relação a elas, ou  pratica o que podemos denominar uma não-política urbana, uma política urbana seletiva.  Nesta a investimentos em áreas de maior renda, dita “nobres”, superpõem-se-ão outros investimentos tornando-as ainda mais “nobres” em nexo com os interesses imobiliários; de empreiteiros; e de serviços urbanos num processo circular, onde tem-se ausência de investimentos nas áreas de menor renda (Vetter, 1979; Abreu, 1988; Santos, 1980; Oliveira et al, 1980;  Kleiman, 2001-2002).

Para exemplificar podemos tomar o caso do Rio de Janeiro. A cidade, desde sua implantação em sítio com partes alagadiças, lagoas, bacias de rios do maciço da Tijuca, para ocupação de seu núcleo histórico teve que lidar com as águas urbanas e o fez aterrando lagoas e partes baixas alagadiças, e ao longo do tempo foi canalizando, retificando e tampando os cursos de rios, aterrando partes da baía da Guanabara. No final da década de 1920, recebe um plano de zoneamento racional funcionalista-Plano Agache- (Oliveira,2009 ) onde encontra-se uma parte sobre as condições gerais e exame do meio ambiente e medidas para melhorias sanitárias e quanto a escoamento de águas pluviais e inundações. O urbanista, autor do plano que toma seu nome, percebe em seus estudos a situação de insalubridade causada pela ausência de coleta de esgoto por rede na maior parte da cidade, já percebendo a questão também nas favelas, a insuficiência da adução para abastecimento de água, e o problema das inundações urbanas e procura apontar soluções racionalistas que lhes parecem tecnicamente mais apropriadas de acordo com cada zona que estabelece para a cidade.

Como conclusão podemos apontar que as soluções para as cidades brasileiras no tocante às águas urbanas guardam coerência exatamente com o modelo no qual  cada área de especificidade de atividades e funções conteria determinadas redes de abastecimento de água, coleta de esgoto e de águas pluviais atendendo àquelas, onde este conjunto de águas urbanas terão seus fluxos canalizados para o perímetro rígido das zonas e cursos de água deveriam ser desviados, retificados, aponta a ineficácia de canais de grande seção o que levou mais a frente a redução de calhas de rios.

Assim, como conclusão, temos que a aplicação do pensamento do modelo racional-funcionalista nas cidades brasileiras tem impedido ou retardado a ideia de uma nova configuração de estrutura urbanística onde o que deveria contar seriam as possibilidades de conexões mais do que perímetros rígidos e suas fronteiras, o tempo e ritmo dos fluxos rápidos e sem entraves mais que a distância, os “nós” da integração inter-redes mais que seu tratamento estanque, a interatividade e permeabilidade entre as partes integrando-as em oposição a inércia funcionalista. Ao tratar água, esgoto, águas pluviais, (e também a coleta do lixo) de forma estanque o modelo racional-funcionalista conduziu as cidades brasileiras a problemas tanto para sua adequação à demanda crescente, como à sua operação e manutenção, traduzindo-se em agravamento desta situação como em momentos de estiagem que se esta passando.

 

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS.

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CAVALCANTI, Sandra. (2002) O que fazer com a população pobre? A favela nos anos 60. In: FREIRE, Américo; OLIVEIRA, Lúcia Lippi (orgs.). Cidade: história e desafios. Rio de Janeiro: Folha Seca. p. 78-102.

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KLEIMAN Aonde vamos? O modelo estratégico e suas diferentes abordagens de política urbana do Rio de Janeiro e Salvador.

VETTER, David Michael et alli. (1979) Espaço, Valor da Terra e Equidade dos Investimentos em Infra-estrutura no município do Rio de Janeiro. In: Revista Brasileira de Geografia n°112. Rio de Janeiro: Fundação IBGE.

 

 

 

 

CÁRITAS DIOCESANA DE BRAGANÇA.PA: A MULHER COMO PERCURSORA DAS AÇÕES SÓCIO SUSTENTÁVEIS NO NORDESTE PARAENSE.

Rodrigo Fraga Garvão[1]

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo entender as ações da Caritas Diocesana de Bragança.PA, dentro de uma politica local sustentável com foco na inclusão social. Busca-se entender o fortalecimento de uma agricultura familiar, a partir de uma significativa construção de projetos de fomento de reciclagem, motivação humana e principalmente a elevação do trabalho da mulher com base em uma economia solidária.

PALAVRAS-CHAVE : Sustentabilidade, Bragança.PA, Cáritas, agricultura familiar.

 

ABSTRACT

This article aims to understand the actions of Caritas de Bragança.PA within a sustainable local policy with a focus on social inclusion. Seeks to understand the strengthening of family agriculture, as a significant building projects to promote recycling, human motivation, and especially the elevation of female labor based on a solidarity economy.

KEYWORDS: Sustainability, Bragança.PA, Caritas, family agriculture.

 

CÁRITAS DIOCESANA DE BRAGANÇA.PA: A MULHER COMO PERCURSORA DAS AÇÕES SÓCIO SUSTENTÁVEIS NO NORDESTE PARAENSE.

"Desenvolvimento sustentável é uma questão moral e humanitária". Colin Powell

A Caritas diocesana Brasileira tem sua base de ações pautadas no trabalho voluntariado, apesar de atuar com agentes remunerados, sua missão é testemunhar e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, defendendo e promovendo a vida, participando da construção solidária de uma sociedade justa, igualitária e plural, junto com as pessoas em situação de exclusão.

A cáritas brasileira, filiada à Caritas Internacional, faz parte da Igreja católica e busca por desenvolver uma prática da cultura de solidariedade em uma proposta de redes sociais, em que o trabalho solidário é um dos seus principais pilares, consolidada em uma politica com princípios pautados na sustentabilidade e na inclusão social.

Segundo a Cartilha Cáritas na promoção da solidariedade (2005) a cáritas brasileira foi criada em 12 de novembro de 1956. É uma entidade de assistência social, com ação ecumênica, dentro e fora da comunidade eclesial, estabelecendo parcerias com organismos nacionais e internacionais pela defesa da vida e dos direitos fundamentais da pessoa.

Desenvolvendo dimensões que alicerçam a sua concepção de sustentabilidade, a místico-espiritual, sociopolítica, técnico-gerencial, financeira, captação de recursos e mobilização de recursos, seu objetivo está em fortalecer sua identidade eclesial, profética e libertadora da organização. Seus eixos estruturantes constroem uma missão de caráter sustentável em defesa e promoção da vida em que privilegia a cultura da solidariedade e as relações igualitárias de gênero e etnia.

No estado do Pará, a Cáritas da Arquidiocese do município de Belém também possui uma proposta que legitima o papel da cáritas nacional. A Cáritas de Belém é referência em um projeto de abastecimento de água potável na região das ilhas da capital paraense. Esse projeto, foi idealizado e desenvolvido por Dom Orani Tempesta, é apenas um dos muitos exemplos de interferência positiva na capital paraense. O projeto consiste em um processo de armazenamento de água da chuva, por meio de calhas e tubos instalados principalmente na casa de muitos ribeirinhos da região das ilhas.

As Cáritas das dioceses dos municípios do Pará são responsáveis por acompanhar a eficácia dos seus projetos que devem dar assistência à população pobre de acordo com a realidade local de cada município. Também no estado do Pará, a cáritas do município de Bragança, destaca-se no nordeste paraense por desenvolver trabalhos de acompanhamento das comunidades rurais com objetivo de fortalecer uma agricultura familiar apoiado em ações de caráter sustentável.   

A Cáritas da diocese de Bragança congrega um número significativo de grupos sociais que estão ligados às ações da cáritas em Bragança, as quais se destacam o grupo de mulheres, grupo de juventude, grupo de agricultores a as cooperativas. Neste último, chama-se atenção para as ações existente de natureza  da reciclagem, a existência do projeto “Reciclando Vidas” na cidade de Bragança garante trabalho e renda a muitas famílias em situação de extrema pobreza no município. Existem ações por parte da diocese que buscam orientar os grupos de catadores no processo de legalização e em associações e/ou cooperativas, além de buscar alternativas para dar melhores condições de trabalhos para esses grupos.

As cooperativas irão receber os EPI´s são: cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis do Caeté em Bragança; cooperativa de catadores de materiais recicláveis de Paragominas e grupo de catadores de Abaetetuba. Segundo Ruth Heide, assessora da Cáritas Norte 2 a formalização das cooperativas, ambiente de trabalho mais salubre e acesso a equipamentos e materiais apropriados para a captação do lixo resultam em uma melhr qualidade de vida aos catadores. (Informe Cáritas Norte 2, mês 08,  p.03)

 A cáritas no município de Bragança assumiu um papel fundamental e significativo nas ações de caráter social, suas intervenções em defesa e promoção da vida fez com que a qualidade de vida de muitos bragantinos em situação de risco se conectassem à um sentimento de democracia participativa, em que os mesmo passaram a ser agentes de suas próprias mudanças.  

Em Bragança, a cáritas atua com ações significativas no enfrentamento da pobreza, onde assessora grupos de trabalhadores/as na formação de cooperativas e associações com o viés para a economia solidária. Assim, age de diversas formas, conseguindo desde a obtenção de equipamentos de proteção de trabalho até o auxilio na formação desses atores sociais atuar nos espaços de trabalho.

 A cáritas de Bragança estende suas ações também nas suas circunvizinhanças, como no município de Augusto Corrêa. Dos grupos estabelecidos em Bragança.PA, a Reserva Extrativista Marinha Caeté Taperaçú – RESEX 1, grupos existentes na área da estrada do Montenegro, localizado mais precisamente no km 18, e a comunidade de Urubuquarae são comunidades formadas por mulheres que atuam diretamente na agricultura familiar com bases na economia solidária pois estabelecem uma “rede” que liga o trabalhador ao trabalho com a finalidade de fazê-lo sem considerar o lucro uma prioridade absoluta e individual do trabalhador. O trabalhador da economia solidária prioriza a qualidade do trabalho de forma coletiva e conjunta, em que todos os envolvidos participem e tenham um retorno positivo deste trabalho.

A colaboração solidária promovida pela Cáritas no município de Bragança.PA faz com que todos participem de forma coletiva do trabalho em comunidade, resultante disso, que não haja a exclusão e nem a negação dos indivíduos sociais que estão inseridos nesse contexto, muito menos se negue sua existência como sujeitos sociais. Por tanto, o entende-se que as mulheres são atores dessa mudança social, que estão à frente de vários grupos de economia solidária na região bragantina.

As discussões sobre a economia solidária nos fazem pensar na existência de uma nova forma de gerir os recursos econômicos com base em uma ação coletiva organizada, com meios que devam garantir condições de vida a todos os envolvidos no trabalho coletivo.

Pensar em uma economia de caráter solidário implica em rever as formas que o trabalhador se relaciona com o trabalho, em que a produção não mais será fruto de uma relação puramente capitalista. Trata-se de rever um conceito de como se entenderá o papel dos trabalhadores frente ao trabalho, em que os mesmos serão seus próprios “patrões” e responsáveis por sua própria produção.

A respeito do entendimento sobre economia solidária Singer (2002) afirma que “ela aproveita a mudança nas relações de produção provocada pelo grande capital para lançar os alicerces de novas formas de organização da produção, à base de uma lógica oposta àquela que rege o mercado capitalista”.

A Economia Solidária considera-se como uma forma de organização econômica, que incorporaria os valores da democracia dentro do contexto econômico, prezando pelo trabalho coletivo, pela igualdade entre os membros, pela divisão do poder de decisão, pelos iguais direitos diante de decisões, pela fidelidade na representatividade do grupo, sendo a igualdade e a democracia, foco deste novo movimento econômico.

Nesse processo, agrupa-se um conjunto de iniciativas econômicas privadas direcionadas para o interesse coletivo e baseadas na solidariedade e na cooperação, sendo realizada a elaboração conjunta da oferta e demanda a partir dos espaços públicos de proximidade, os quais favorecem uma rearticulação econômica, social e política (GUÉRIN, 2005).

De forma resumida, economia solidária está ligada ao fato de compreender o conceito de trabalho como meio de libertação humana dentro de um processo de democratização econômica, onde a igualdade de propriedade e trabalho elevam o crescimento coletivo.

Segundo o Ministério do Trabalho e emprego a economia Solidária trata-se de “um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar vantagem, sem destruir o ambiente. Cooperando, fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de todos e no próprio bem”.

Atualmente, o Brasil visa apresentar novas formas de entendimento do trabalho, para isso, busca promover uma economia que possa estar voltada para a inclusão social, na qual as cooperativas e associações aparecem com intermediadores desse novo processo de ordenação do trabalho com a participação de todos. Dentro desse processo, a mulher surge como uma das principais agentes dessa política de inclusão. Algo que também estava em pauta das discussões sobre trabalho cooperativo na Europa, quando em 26 de Fevereiro de 2009, o Comité Económico e Social  (CESE) decidiu, nos termos do artigo 29, nr. 2, do Regimento, elaborar parecer de iniciativa sobre a agricultura na região euromediterrânica, na qual incluía  a importância do trabalho das mulheres no sector agrícola e o papel das cooperativas..

O CESE considera fundamental valorizar o papel das mulheres e dos jovens nas explorações agrícolas e no mundo rural. Nos países do Sul do Mediterrâneo, a contribuição das mulheres para a agricultura é muito significativa, apesar de se tratar, na maioria dos casos, de um trabalho não reconhecido, não remunerado e submetido a fortes condicionalismos sociais. São necessárias novas políticas estruturais e incentivos que valorizem o trabalho das mulheres, permitindo-lhes abandonar a economia informal, e que fomentem o associativismo como instrumento para desenvolver um espírito empresarial, também necessário no sector agrícola.(Jornal oficial da União europeia, 2010, p. 24)

As discussões que envolvem a economia solidária tomaram conta do mundo. No Brasil isso não foi diferente, a defesa pela promoção de direitos humanos juntamente a um desenvolvimento solidário e sustentável fez com que se construísse uma sociedade em busca de cultivar uma economia participativa, onde todos possam ter o direito de vivenciar as suas próprias conquistas. A mulher entra neste cenário como agente e protagonista de ações coletivas que modificam a sua realidade social e também daqueles que estão envolvidos no processo democrático. A mesma se apropria de um momento de revisão das leis brasileiras trabalhistas (que passaram a se adequar a uma política de inclusão) e passam a fazer parte do mundo da produção. Culti (2004) considera que essas relações coletivas, em funções de liderança possibilitam reconhecimento e visibilidade e a expressividade das mulheres líderes neste campo, assim como sua liderança em setores tidos como masculinos (des)construiria a ideia assimilada socialmente da superioridade masculina nas atividades laborais geradoras de renda. Essas atividades abrem a elas um campo para que se tornem proprietárias dos meios de produção com as mesmas possibilidades que homens mediante a propriedade coletiva. Dentro desse contexto, muitas mulheres passam a participar mais, nas variadas formas de trabalho encontradas na sociedade, dentre elas, uma economia baseada na solidariedade e sustentabilidade.

Assim, a mulher passa a se fazer presente no trabalho participativo e vê na cultura e na sustentabilidade formas para se inserir no processo produtivo artesanal. Entender a sua própria história e sua relação com a natureza possibilitou a mulher investir em vários campos de trabalho, como o artesanato, a agricultura, os cosméticos e até na reciclagem.

 Desta forma, a cultura tornou-se “o lugar” onde a mesma pôde retirar motivos e inspirações para realizar seu trabalho criativo e artesanal, em que os saberes locais passam a fazer parte do desenvolvimento de um trabalho de caráter sustentável. Para Santos (2012) o desenvolvimento da humanidade está marcado por contatos e conflitos entre modos diferentes de organizar a vida social, de se apropriar dos recursos naturais e transformá-los, de conceber a realidade e expressá-la.

O surgimento da economia solidária aborda aspectos ainda pouco discutidos quanto a presença de mulheres neste espaço, como a elevada e expressiva participação feminina nos grupos que articula e conjuntamente com movimentos sociais, a participação de grupos dito frágeis e precários, e o fato de serem ocultadas no relato acerca de fatos relacionados a economia solidária quanto a importante participação nos grupos, sem que sejam estabelecidos e relatados os parâmetros em analise das condições de produção dessa dita ausência.

A inclusão de grupos menos privilegiados a uma politica de iniciativas sustentáveis possibilitou que se abrisse um leque com novas alternativas de trabalho para grupos que se encontravam em um estado de esquecimento pela sociedade brasileira, em que principalmente as mulheres alcançaram autonomia para realizar sua própria condição para sustentar seu trabalho.

Neste sentido, a política pública de economia solidária se integra criteriosamente às orientações estratégicas e prioridades nas reduções das desigualdades socioeconômicas e regionais por meio do resgate humano da população que se encontra em situação de extrema pobreza e da promoção do desenvolvimento territorial sustentável e solidário. O fortalecimento de maneira integrada sugere que as políticas públicas garantem o acesso a investimentos, à formação, à assessoria técnica, à comercialização e ao crédito a todas as pessoas participantes das iniciativas econômicas e solidárias.

Assim, pretende-se construir interpretações que possam levar a conclusões a respeito do que representa a cáritas para esses grupos de mulheres, não se trata de estar em busca de “verdades”, mas sim na compreensão da realidade atual desses grupos por meio de seus próprios depoimentos sem dar-lhes qualquer afirmação sobre seu próprio mundo, mas sim permiti-los vivencia-los.

Cabe a economia solidária, a junção  e efetivação do trabalho feminino e que reative a essência de tal economia, baseada na solidariedade, construtora de uma sociedade mais igualitária, caso contrário seremos vitalizados em uma economia capitalista, levada ao caos da produção e reprodução.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Boletim de emergências Cáritas. Solidariedade em situações emergenciais. Cáritas Brasileira, Brasil, 2009,2010,2011.

BAHBA. Homi K. O Local da Cultura. Trad. Myriam Ávila. Eliana Lourenço de Lima Reis, Glaucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1998.

CADERNOS DE RESUMO CÁRITAS. IV Congresso e XVIII Assembleia da Cáritas Brasileira, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, 09 a 12 de Novembro de 2011. 

Cartilha Cáritas. Cáritas na promoção da solidariedade. Como organizar as ações Cáritas. Série cartilhas, número 01, Brasilia, DF, Caritas Brasileira, 2005.

CULTI, Maria Nezilda. Mulheres na Economia Solidária: desafios sociais e políticos. Texto aceito para apresentação no IV Congreso Europeo CEISAL de Latinoamericanistas, 2004.

CLIFFORD. James. A experiência etnográfica. Antropologia e Literatura no século XX. Rio de Janeiro, UFRJ, 1998.

GUÉRIN, Isabelle. As mulheres e a Economia Solidária. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

HUSSERL. Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosófica fenomenológica. Introdução a fenomenologia pura. Aparecida São Paulo, Ideias e Letras, 2006.

SANTOS. Jose Luis dos. O que é Cultura. Primeiros Passos. São Paulo, Brasiliense, 2012.

Boletim de emergências Cáritas. Solidariedade em situações emergenciais. Cáritas Brasileira, Brasil, 2009,2010,2011.

http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ecosolidaria_oque.asp

http://www.cases.pt/0_content/sobre_nos/legislacao_comunitaria/09LC-Parte-III-ES-PDE-O-Papel-da-Mulher.pdf (Jornal oficial da União europeia)

 


[1] Mestrando em Desenvolvimento urbano e Meio Ambiente- UNAMA


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