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Chão Urbano ANO XXI - N°6 NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2021

07/10/2021

Integra:

Chão Urbano ANO XXI Nº 6 NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2021

 

Editor
Mauro Kleiman
Publicação On-line
 Bimestral
Comitê Editorial
Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)


Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. Em Planejamento Urbano e Regional) Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. Em Planejamento Urbano e Regional) – UFF Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ) Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ) Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ) Hugo Pinto (Dr. Em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)

Editora Assistente Júnior

     Gabriela Hafner e Karoline Francisco
 IPPUR / UFRJ
Apoio CNPq

LABORATÓRIO REDES URBANAS LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

Coordenador
Mauro Kleiman
Equipe
Gabriela Hafner e Karoline Francisco
Pesquisadores associados

André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviane de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Priscila Loretti Tavares.

 

TEXTO

 

Os ônibus “sumiram

O colapso dos ônibus no Rio de Janeiro no contexto da epidemia de COVID-19 e

seus impactos na mobilidade da população

 

Mauro Kleiman¹

 

¹Prof. Titular da UFRJ

 Resumo

O artigo apresenta elementos sobre o quadro dos transportes por ônibus no contexto da epidemia de Covid-19 no Rio de Janeiro. Sendo o modo de deslocamentos majoritário na cidade os ônibus se observa uma situação de colapso para seu uso pela população. Aparece, assim sendo, uma redução significativa das possibilidades de se mover na cidade. Isto impacta mormente a população de mais baixa renda, muito dependente deste tipo de veículo e seus trajetos para seus deslocamentos moradia-trabalho-moradia e demais atividades. Fez aumentar o tempo de espera de ônibus, e , portanto faz as viagens terem maior duração e a superlotação dos poucos veículos que seguem rodando, ou mesmo não é possível as viagens nesta modalidade automotiva se expandindo o uso de vans, ou se buscando mais o trem ou metrô que também tiveram suas frotas reduzidas. Os mais pobres durante a epidemia vêem reduzidas ou eliminadas suas possibilidades de movimentos diários, e ao mesmo tempo estarão expostos à maior grau de possibilidades de infectar-se face a inevitável aglomeração nos poucos veículos ainda ativos, dado a necessidade de seguirem trabalhando presencialmente.

Palavras-chave: Colapso, Ônibus, Transporte, Mobilidade, Rio de Janeiro

Abstract

The article presents elements about the context of bus transport in the context of the Covid-19 epidemic in Rio de Janeiro. Since buses are the majority mode of travel in the city, there is a situation of collapse for their use by the population. There appears, therefore, a significant reduction in the possibilities of moving around the city. This mainly impacts the lower-income population, which is highly dependent on this type of vehicle and its paths for their home-work-housing and other activities. It has increased the waiting time for buses, and therefore makes the trips have longer duration and the overcrowding of the few vehicles that are still running, or even it is not possible to travel in this automotive mode, expanding the use of vans, or seeking more the train or subway that also had their fleets reduced. The poorest people during the epidemic see their possibilities of daily movements reduced or eliminated, and at the same time they will be exposed to a greater degree of possibilities of becoming infected due to the inevitable crowding in the few vehicles that are still active, given the need to continue working in person.

Keywords: Collapse, Bus, Transport, Mobility, Rio de Janeiro

 

¹ Prof. Titular UFRJ

1-Introdução

O modal automotivo de deslocamentos por meio da modalidade ônibus entra em colapso no Rio de Janeiro em 2021. Os ônibus “sumiram” das ruas. Com isto a população vê reduzida as possibilidades de deslocamentos. Principalmente a população de mais baixa renda que possui uma maior dependência à este tipo de veículo para seus movimentos obrigatórios do seu dia-a-dia.

Igualmente o modelo de deslocamentos pela modalidade BRT( Bus Rapid Transport), também se apresenta em franca deterioração e em colapso, o que agrava o quadro dos transportes coletivos por ônibus, notadamente nos lugares do Rio de Janeiro onde foi implantado como principal, e por vezes única, maneira de se movimentar no território.

Sim, o contexto epidêmico alavancou o quadro de colapso dos movimentos por ônibus. Mas o processo já se encontrava em andamento anteriormente à crise sanitária. Esta , com as restrições necessárias ao seu controle por medidas não farmacológicas e por vacinação- distanciamento e isolamento social- implicou numa redução de demanda por deslocamentos . 

Contudo, como a população mais pobre, majoritária no Rio de Janeiro ( e demais cidades brasileiras), para se manter teve que seguir saindo de cassa ao trabalho- formal ou informal, mantida sua dependência ao ônibus verificou seu colapso, e contra todas as normas de prevenção à COVID-19 teve que se aglomerar nos poucos veículos deixados à seu uso. Assim, viagens com maior tempo de espera e superlotação dos veículos tem sido a vivência diária dos deslocamentos dos mais pobres nos poucos ônibus em circulação. 

2-Transporte como recurso social para a mobilidade

Os transportes são elementos fundamentais da constituição e organização das cidades. Configuram territórios de movimentos necessários e básicos da essência mesma do modo de produção capitalista. Meios para os deslocamentos da força de trabalho, entre casa-emprego-casa; meios de tráfego de insumos e mercadorias; meios para o consumo de bens; meios para se abastecer  de alimentos; meios para atividades educacionais e para acessar equipamentos coletivos de saúde; meios para acessar o lazer; são os transportes decisivos no condicionamento das funções e existência das cidades.

Estamos imersos num território de movimentos. Entretanto, apesar de comporem os gestos e deslocamentos do dia-a-dia, os transportes restaram escanteados ao viés da técnica, ao domínio da engenharia, a uma aritmétca, tornando-o um objeto estanque ao território para o qual são básicos para sua configuração e possibilidades de sua vivência plena social-econômica.

Ao se pensar apenas como objeto da técnica a abordagem sobre os transportes obscurece sua dimensão social de ofertar a possibilidade de mobilidade. Mobilidade no espaço em suas diferentes escalas e dimensões socioeconômicas só pode ocorrer se existirem meios de transporte. No entanto, existem meios de transporte que não possibilitam mobilidade, seja plena ou parcial. Transporte se correlaciona com deslocamento nos espaços físicos geográficos. Mobilidade, por seu turno, traz um outro entendimento, que se fundamenta na ordem social pois se refere à capacidade dos indivíduos, e classes a que pertençam, de traspassarem, e em qual grau, as barreiras hierárquicas configuradas no território segregado do capitalismo. Depende-se, assim, para ter mobilidade, de características como nível de renda, recursos que se pode ter a partir dela de quantos e quais movimentos se podem fazer no território, possuir ou não veículo próprio, entre outros, que atingem esferas fora do escopo meramente técnico onde o transporte se configura, sendo, portanto, um recurso social. Mas a mobilidade dependera, claro também, de quais modais de transporte e seus desempenhos/capacidade/qualidade se apresentam no território. A capacidade de mobilidade é uma condição de participação no mundo urbano. 

3- Os deslocamentos no Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro estão presentes os diferentes modais de transportes coletivos: ônibus, automóveis, motos, vans, kombis, trens, metrô,VLT, barcas. Contudo, não se tem integração entres estas veículos de deslocamentos, tendo graves problemas de operação e qualidade afetando, principalmente, a grande massa da população de menor renda, que deles dependem para seus movimentos diários, principalmente para suas atividades de trabalho, mas também como forma de terem a possibilidade de utilizar equipamentos coletivos de saúde, educação e cultura. 

No Rio de Janeiro os deslocamentos para os mais pobres tem cada vez mais tempo de duração, e são feitos majoritariamente por ônibus com baixa capacidade de passageiros estando sempre superlotados e com veículos sem as mínimas condições de rodar e de conforto, ou por um sistema metro-ferroviário que não atende a demanda de deslocamentos. Não se percebe medidas plenas de busca de articulação entre os modais, que são entendidos, em geral, como estanques, e muito menos de um pensamento e ações visando articula-los com a estrutura do território e o entendimento deste como uma região metropolitana com vistas a um planejamento integrado, nem ações para o monitoramento e avaliação de desempenho e qualidade.

Neste sentido, o atual quadro de colapso dos ônibus deixa nítido as desigualdades de acessibilidade e mobilidade proporcionando inequidade social que resulta numa cidade não inclusiva, com a grande parcela da população mais pobre constrangida no Isto porque, nesta metrópole face a existência de todos os modais possíveis de transporte (automotivo, ferroviário-metrô,trem, VLT- aquaviário, cicloviário) , se tem a ratificação do modal automotivo em suas várias modalidades-autos privados,ônibus, BRT,BRS, vans, Kombis, moto-taxis, taxis, Uber- como aquele que segue o mais importante e prioritário meio de deslocamentos. Podemos, assim, indagar sobre qual a perda de mobilidade face à situação da modalidade ônibus para as camadas populares, que se trata da maior parte da população da metrópole. 

O modelo de transportes que tradicionalmente privilegia os deslocamentos através do modal automotivo, com base em viagens individualizadas por automóveis particulares e motos, e atomizadas em milhares de veículos automotivos coletivos por ônibus ou vans, tem sido alvo de algo que entendemos como tentativas ou ensaios de reordenações e modernizações, que o ratificam como padrão para deslocamentos.

Duas perspectivas ilustram a questão. Primeiro aquela das novas modalidades e formas de transporte automotivos como Vans, Kombis e Moto-Taxis, que surgem, inicialmente, como atividades individualizadas, informais e sem regulação estatal, e depois foram sendo formados grupos associativos, muitos dos quais ligados a organizações de “milicianos”(bombeiros e policiais militares ou ex-bombeiros e ex-policiais militares que “assumem” o papel de “segurança” contra os grupos de tráfico de drogas em determinadas áreas da metrópole e a partir daí começam a comercializar vários serviços como os de transporte por vans, kombis e moto-taxi, taxi a preço fixo, gás em bujão, tv a cabo, etc.) ou a grupos do tráfico de drogas. Os governos do estado e as prefeituras das cidades da metrópole mais recentemente tem procurado regularizar estas modalidades como sendo “transporte alternativo” buscando lhes dar função de alimentadores das linhas de BRT. 

A segunda perspectiva é exatamente as modificações para maior fluidez dos ônibus com as Faixas Exclusivas (BRS) e  Corredores Expressos de Ônibus(BRT), que foram acompanhadas por medida regulatória que conduziu a uma concentração das inúmeras empresas antes existentes em apenas quatro Consórcios, o que representa uma forma de oligopólio para o sistema, pois a cada um deles se reservou uma área do núcleo da metrópole (a cidade do Rio de s seus movimentos diários.

O Rio de Janeiro, tinha constítuido, notadamente em grande parte do Século XX uma verdadeira " cidade sobre trilhos". Se configuraram extensas linhas ferroviárias, ligando seu ponto central a um número expressivo de pontos suburbanos e periféricos; e uma verdadeira e importante rede de bondes que se colocou em todas as zonas da cidade, contando com um "nó" no centro da cidade onde se faziam os transbordos entre elas, e trajetos que articulavam numa intramodalidade a ferrovia a centros de bairros então ainda núcleos urbanos no interior de áreas rurais na zona oeste da cidade. Essa configuração sobre trilhos propiciou, enquanto dominante para os deslocamentos, um certo grau importante de mobilidade, incluso para a população mais pobre.

Mas os ônibus e automóveis "venceram" o modal ferroviário e suas modalidades na cidade. O modal automotivo, com seus importantes interesses econômicos- as montadoras de automóveis, sua grande cadeia de fornecedores e comercializadores, as casas creditícias que financiam a produção e venda dos veículos, os empresários do setor de ônibus( que constituíram um oligopólio e monopólios ao longo do tempo), interesses políticas que formaram no entorno do setor, entre outros, impuseram uma inflexão entre um modelo de transporte coletivo de "massa", guiado por sua fixação em trilhos, para um outro de movimentos de deslocamentos atomizados em míriades de veículos de movimentos livres, flexíveis, sem horários e paradas para os automóveis particulares, embora com paradas e horários para os ônibus. A população mais pobre, espraiada em periferias ampliadas passa a depender da possibilidade da "costura" das ruas pelos ônibus. Formou-se,assim, no Rio de Janeiro uma "cidade dos automóveis", instalando-se uma iniquidade social para a mobilidade.

 

4-O colapso dos deslocamentos por ônibus

O município do Rio de Janeiro, há 11 anos atrás, fez uma composição de quatro consórcios congregando as 121 empresas de ônibus concedendo o serviço de ônibus por divisão da cidade em áreas- o Intersul (Zona Sul), o Internorte (Zona Norte), o Transcarioca (Barra e Jacarépagua), e o Santa Cruz ( Zona Oeste). 

Podemos dizer diante desta forma de agir que o Estado, a nível de governo municipal trouxe para si o papel do Capital concentrando as empresas num oligopólio à guisa de poder melhorar o controle e gestão do serviço de ônibus, e uma facilidade no caso de planejar mudanças e dinâmicas nos transportes( algo que não ocorreu).

Na verdade a forma consorciada serviria para reduzir custos das empresas centralizando a manutenção da frota e o faturamento diário que vai para um caixa único, que em tese repassaria para cada empresa um percentual relativo a frota que detêm. Muitas empresas passaram a reclamar que não recebiam o valor devido face à sua frota, e algumas entraram em juízo solicitando reparação de danos face aos Consórcios. Muitas faliram obrigando as outras empresas componentes dos consórcios a terem de movimentar suas linhas e assumir seus problemas de veículos sem manutenção devida até dívidas e passivos trabalhistas. Com isto muitas empresas vieram a falir, e ocorreu de não serem substituídas por outras passando as linhas de serviços em várias partes da cidade a terem ou redução importante do número de veículos ou simplesmente deixarem de operar em determinados bairros. Principalmente foram afetados bairros da Zona Oeste, Ilha do Governador e alguns da Zona Norte.

Entre agosto e setembro de 2021, segundo reportagem de “O Globo”( “Um setor em marcha a ré” de 17/09/2021), com base em dados da Prefeitura do Rio de Janeiro e do RIOÔNIBUS, dois Consórcios- o Intersul e o Santa Cruz pediram recuperação judicial. Os dois representam 34% do movimento de viagens nos bairros onde atuam. Os dois outros –Internorte e Transcarioca devem seguir o mesmo caminho, pois esta forma de ação jurídica suspende parte das dívidas até sua resolução e acrescenta mais um poder de pressão sobre o município concessor em busca de mais benesses ao setor.

No contexto epidêmico da COVID-19 de fato o sistema de ônibus teve uma diminuição forte do número de passageiros, o que fez com que as empresas retirassem veículos das ruas para se adequar a uma menor demanda. Mas essa redução de passageiros se fez face aos primeiros impactos muito fortes da epidemia sendo substituída pela necessidade premente da população de mais baixa renda de seguir se deslocando a seus empregos formais ou informais.

Sim, conforme a reportagem citada, que trata de dados da Prefeitura do Rio de Janeiro e do RioÔnibus se assinala que “o número de passageiros transportados por ônibus teve uma queda de 57,69% entre 2019 e 2020, e de mais 2,63% até o primeiro semestre de 2021. Contudo esta queda já vinha numa curva descendente desde 2015 onde se transportava 1,33 milhões de passageiros/dia para 1,01 milhões em 2019.Com frota determinada pelo município do Rio de Janeiro em 7568 veículos rodando, as empresas foram a reduzindo até chegarem , no momento atual a 40% do previsto, ou seja 3088 ônibus em circulação.”

Algumas linhas simplesmente “sumiram” de vários trajetos nos bairros e interbairros levando a população a não poder se movimentar para suas atividades e necessidades, ou terem seu tempo de espera do serviço dos poucos ônibus que restaram nas linhas( as vezes apenas um por linha), ou procurarem outros meios de deslocamento. Trens e metrô, que também reduziram suas frotas na epidemia  apresentam superlotação de passageiros. E neste quadro a modalidade de deslocamentos automotivos por vans, como traz os dados referidos na reportagem sejam “as legalizadas( cerca de 2000 vans), sejam as vans ilegais( aproximadamente 8000 veículos), denominadas de “piratas”, organizadas por grupos ligados a atividades ilícitas. As vans legais tem um incremento excepcional do número de passageiros transportados por dia , chegandor em agosto de 2021 a 9,97 milhões por dia (dados da Prefeitura do Rio) . Já as vans “piratas” por estimativa dos empresários de ônibus levariam 40 milhões de passageiros por mês.”

O sistema de vans “piratas” ou legais, forma de concorrência desleal com o sistema de ônibus, segundo seus empresários, autorizado os legalizados como serviço complementar alimentador do de ônibus, trem e metrô, na realidade, talvez a partir do modo de ação dos “piratas”, fazem trajetos paralelos aos de ônibus ou os substituíram completamente em algumas partes da cidade notadamente na Zona Oeste.  

Já o modelo de deslocamentos por ônibus “encapsulados” numa via segregada-o BRT também apresenta um colapso. Sucateado e vandalizado as três linhas atuais do BRT- Transoeste, Transcarioca e Transolímpica, tem cerca de 40% da frota de veículos parados, em manutenção ou já totalmente fora de uso. Não se observa mais a ideia inicial de intervalos de no máximo dois minutos entre cada ônibus, nem viagens com linhas expressas. 

Foi sendo adotado pelos consórcios de empresas concessionárias da operação do serviço uma fragmentação cada vez mais intensa de linhas segmentadas e paradoras em todas estações, causando maiores tempos de viagem, espera para entrada no veículo, e superlotação. 

Existem 46 estações desativadas, a insegurança é geral nas estações, em seu entorno e dentro dos veículos relatam-se desde assaltos até casos de assédio sexual, e um constante empurra-empurra para entrar e sair dos veículos. Inclusive se sabe de acidentes com feridos e até óbitos de pessoas atropeladas pelo ônibus ou outros veículos(que invadem as pistas segregadas), dado, também, pela depredação da forma das estações com portas de vidro automáticas, que ao inexistirem permitem tanto o não pagamento de passagem para acessar o sistema, como as pessoas “pulam” da plataforma para “cortar caminho” em direção ao que desejam.

O entendimento prevalecente de se fazer um BRT como “linhas troncais”, canalizando para sua frota toda a demanda de passageiros e a forma de deslocamentos atravessando os lugares sem se dar conta de qual população ali habita e quais atividades se localizam em cada lugar, colocou o modelo e assim o executivo municipal deseja ou almeja como “coração do sistema de transportes do Rio”, algo só possível em modal ferroviário e suas modalidades, aí sim um verdadeiro transporte de massas por vias tronco. O BRT por suas características pode ser um ótimo alimentador das redes ferroviárias e do metrô, mas não pode cumprir o papel de canalizador de alta demanda. 

Recentemente, em mais uma das muitas tentativas de retomar as obras da quarta linha de BRT- o Transbrasil, o executivo municipal se propõe a integrar as quatro linhas formando uma rede, promovendo o que chama de deslocamento “por toda a cidade usando um só sistema”(reportagem de “O GLOBO” em 25/08/2021). 

Sim, seria a integração entre as quatro linhas, em diferentes “nós” com transbordos entre elas ou a possibilidade de uma linha adentrar pela outra ( como por exemplo a Transcarioca utilizar de seu encontro com a Transbrasil na altura de Ramos e assim criar nova possibilidade de movimentos para o centro ou deste aos subúrbios das Leopoldina) que se configuraria uma rede em malha aposta ao território carioca. Contudo, as três linhas em atividade apresentam dificuldades arquitetônicas e urbanísticas para uma integração real existindo mais proximidades que de fato integrações entre elas.

De fato, não se pensou no projeto na configuração de uma rede de BRTs. Aconteceu o inverso: foram sendo criadas linhas troncais e então se observou que podem formar redes.

O BRT também colapsou e se soma ao conjunto de ônibus que “sumiram” das ruas.

 

5-Considerações finais

Ao longo do artigo foram apresentados os elementos indicadores do colapso dos ônibus no Rio de Janeiro durante a epidemia de Covid-19. Se confirma que os ônibus “sumiram”. O maior impacto tem sido sentido pela população mais pobre que guarda uma dependência maior com esta modalidade automotivo para seus deslocamentos obrigatórios no dia-a-dia. Quem tem maior renda para dispor da modalidade de automóvel particular manteve a possibilidade de se mover, e quando da relativa flexibilização atual com as medidas restritivas de distanciamento e isolamento social se nota um número cada vez maior destes veículos nas ruas. Firma-se, assim sendo uma modalidade de deslocamentos “atomizados” por uma miríade de veículos automotivos em detrimento do transporte coletivo de massa. 

 

Para a população de mais baixa renda o impacto é o da redução ou eliminação das possibilidades de mobilidade urbana, acentuando a desigualdade social dos transportes no Rio de Janeiro.

 

Bibliografia

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