Visualizar - Revistas | Chão Urbano

Chão Urbano

Chão Urbano ANO XV – N° 5 SETEMBRO / OUTUBRO 2015

20/10/2015

Integra:

                   ANO XV – N° 5 SETEMBRO/OUTUBRO 2015

 

Editor

Mauro Kleiman

Publicação On-line

Bimestral

Comitê Editorial

Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional) - UFF

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Hugo Pinto (Dr. em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

Editor Assistente Júnior 

Carla Caroline Damasceno Lopes

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

 

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

 Carla Caroline Damasceno Lopes, Flávia Garofalo, Gizele da Silva Ribeiro, Larissa Ling Gonçalves Setianto.

Pesquisadores associados

André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares.

 

 

ÍNDICE

Permanências de assimetrias em infraestrutura no desenvolvimento regional do Brasil

 

Mauro Kleiman .......................................................................................................p. 3

 

Ocupações Urbanas Irregulares: passivo social e ambiental do processo de industrialização?

 

Suelânia Cristina Gonzaga de Figueiredo, Rute Holanda Lopes e Kátia Viana Cavalcante  ............................................................................................................p.16

 

PERMANÊNCIAS DE ASSIMETRIAS EM INFRAESTRUTURA NO  DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO BRASIL

Mauro Kleiman¹

¹Universidade Federal do Rio de Janeiro-Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional

maurokleiman@yahoo.com.br

RESUMO

O artigo busca examinar a permanência da desigualdade de implantação e expansão da infraestrutura de água e esgoto no território brasileiro. Este processo tem se desenrolado através de um padrão historicamente reconhecido de privilégio da alocação, expansão e sofisticação técnica de infraestrutura da Região Sudeste, em detrimento das demais regiões. Contudo, o forte e acelerado processo de constituição de grandes cidades e metrópoles em todas as regiões do país, conjugado a vários momentos de ações do Estado com vistas a descentralização da industrialização, não se mostra acompanhado plenamente da construção de suporte de infraestrutura tanto para suporte da habitação como da economia persistindo disto assimetrias importantes entre as diversas regiões do país. O foco do trabalho é o período contemporâneo do Século XXI no Brasil, onde apontamos que as assimetrias ainda presentes configuram um território sem equilíbrio de infraestrutura básica de água e esgoto entre suas regiões e desigual na alocação e apropriação dos seus benefícios.

Palavras-chave: Assimetrias, Brasil, Desenvolvimento Regional, Infraestrutura

ABSTRACT

The article seeks to examine the permanence of the unequal implementation and expansion of water and sewage infrastructure in Brazil. This process has unfolded through a pattern historically recognized privilege allocation, expansion and technical sophistication of infrastructure in the Southeast Region, at the expense of other regions. However, the strong and accelerated formation of large towns and cities in all regions of the country, conjugated to various moments of state actions aimed at decentralizing industrialization, not shown fully accompanied the construction of infrastructure support for both support housing as the economy persisting this important asymmetries between the various regions of the country. The focus of the work is the contemporary period of the XXI Century in Brazil, where we point that asymmetries still present constitute a territory without balancing basic infrastructure of water and sewage between their regions and unequal allocation and appropriation of its benefits.

Keywords: Asymmetries, Brazil, Infrastructure, Regional Development

 

1. INTRODUÇÃO

O artigo trata da desigualdade de implantação e expansão da infraestrutura de água e esgoto no território brasileiro e indaga sobre seus impactos na sua configuração. A implantação destas infraestruturas em rede de água e esgoto tem apresentado um processo lento no tempo, e desigual em vários aspectos e dimensões: setorialmente pois se investe mais em água que coleta de esgoto; socialmente, porquanto sua alocação prioriza áreas de maior renda em detrimento das populares; e regionalmente quando tem se desenrolado através de um padrão historicamente reconhecido de privilégio da alocação, expansão e sofisticação técnica de infraestrutura da Região Sudeste, em detrimento das demais regiões. O foco do trabalho é o período contemporâneo da virada do Século XX para o XXI no Brasil. Apresentamos um panorama da configuração recente das infraestruturas de água e esgoto nas diferentes regiões do país, mostrando a continuidade de sua lenta e desigual implantação, extensão e sofisticação técnica, e sua persistente alocação desigual pelas diferentes regiões do país, comparando-se os dois últimos censos do “Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE (2000 e 2010)”. O desenvolvimento econômico do país, embora concentrado especialmente na região Sudeste, tem tido, a partir de vários momentos de ações do Estado tem se descentralizado desde finais do século XX para parcelas das demais regiões segundo “Bacelar (2010)”, conjugado a um forte e acelerado processo de constituição de grandes cidades e metrópoles em todas as regiões do país, não se mostra acompanhado plenamente da construção de suporte de infraestrutura para a habitação, principalmente no tocante a coleta e tratamento do esgoto, mas também quanto ao abastecimento de água, embora percentualmente apresente-se avanços neste serviço, persistindo além disto assimetrias importantes entre as diversas regiões do país.

Diante deste quadro, podemos apontar para uma reflexão sobre a configuração do território brasileiro a qual não tem contado com a base essencial da infraestrutura básica de água e esgoto de maneira universal e se distribui de forma desigual tanto regionalmente como também pelo viés sócio-econômico. Nos primeiros 350 anos do país a economia baseada no extrativismo, não se tinha infraestrutura de água e esgoto sendo sua ausência substituída pelo “escravo-água” e o “escravo-esgoto” pois eram eles que faziam o papel de buscar o líquido para introduzi-los nas casa e recolhiam os esgotos para lança-los nos corpos hídricos. Será somente no ciclo macro-econômico agro-exportador, a partir de meados do século XIX , principalmente pelas características da produção cafeeira, que se farão as primeiras redes de coleta de esgoto e de abastecimento de água, que irão apoiar uma reordenação dos espaços urbanos como sede do capital comercial e lugar de vida e negócios dos proprietários da economia cafeeira. Mas uma infraestrutura de água e esgoto moderna, com interdependência com a rede de energia elétrica, só irá começar a ser alocada de maneira um pouco mais ampliada quando do ciclo macro-econômico industrial de base urbana a partir de meados dos anos 30 do século XX. Mas mesmo dando um passo para a implementação desta infraestrutura básica o processo foi extremamente lento e desigual entre água e esgoto e entre as regiões do país, o que se pode visualizar pelos dados dos censos de 1970 e 91 conforme o “IBGE (1970, 1991)”. Nos dados do censo de 1970 , quando com a industrialização e o processo de urbanização já encontrando-se em fases mais avançadas apenas 33,30% dos domicílios tem acesso a rede de água e somente 13,15 a coleta de esgoto, sendo que no Sudeste a água chega a pouco mais da metade dos domicílios 51,56% enquanto que no Nordeste atinge apenas 5,25% e no Norte a 19,22%, e a coleta de esgoto atinge menos de um quarto-24,02%-das casas no Sudeste e tão somente atingem 2,30% no Nordeste e 1,57% no Norte. Será apenas no censo de 1991 que quase dois terços das casas contarão com rede de água-64,5% mas enquanto no Sudeste a água já chega a 81,49% das casas no Nordeste não atinge ainda nem a metade das casas-42,8% e no Norte só 34,3%, e pelo lado da coleta de esgoto na média do país chega-se apenas a pouco mais de um terço das casas- 33,57% sendo 60,36% no Sudeste com uma defasagem enorme no Nordeste que cobre apenas 8,65% das casas e tão somente 1,27% no Norte.

Assim sendo, a política de infraestrutura básica de água esgoto no Brasil, em primeiro lugar, não guardou uma correlação adequada, muito menos plena, com o processo de desenvolvimento econômico e de urbanização, favorecendo uma limitação e mesmo contribuindo para acarretar  custos derivados de carências na qualidade de vida da força de trabalho, de apoio a indústrias e comércio, gerando externalidades negativas. Por outro lado, sendo a disponibilidade de água e esgoto elemento diferencial na competitividade das regiões ,como se fez desigual com primazia de sua locação e expansão em determinada porção do território com o efeito multiplicador gerados e os benefícios que trazem contribuiu para uma crescente desigualdade regional, levando a uma conformação entraves e “nós” gargalos ao desenvolvimento. Cabe ressaltar ainda que no período assinalado entre os anos de 1970 e 1991, seja no interior de cada cidade ou metrópole de cada região do país, mesmo na do Sudeste mais desenvolvido, a implantação de redes de água e esgoto apresentam desigualdades intra-urbanas conforme “Jacobi (2006)”. O padrão de estruturação urbana brasileira terá assim característica regressiva. Apresenta dessa forma uma dinâmica onde investimentos em redes de infra-estrutura nas áreas de camadas de renda mais alta “puxam” novos investimentos com sofisticação técnica tornando  as áreas ditas “nobres” mais “nobres” ainda, enquanto os serviços, mesmo que num nível meramente essencial, atendem precariamente as áreas mais pobres, ou simplesmente não chegam, até elas, conformando um padrão de causação circular. Com efeito, o padrão de estruturação urbana das cidades brasileiras tem entre suas características a marca da diferenciação acentuada na alocação e acesso aos serviços prestados pelas redes de infraestrutura, (mormente aquelas de água e esgoto mais necessárias à habitabilidade), entre as camadas sociais, deixando à massa de renda baixa, uma precariedade ou total ausência à esses serviços essenciais à uma vida urbana digna  segundo “Kleiman (2002)”. 

2. PERMANÊNCIAS DE ASSIMETRIAS REGIONAIS NO SÉCULO XXI NO BRASIL EM ÁGUA E ESGOTO

No século XXI o quadro encontrado revela persistências de situações de disparidades encontradas nas décadas anteriores e algumas relativas alterações com impactos sobre o território. Comparando-se os dois últimos censos de 2000 e 2010 podemos apontar que em uma década o avanço do atendimento por abastecimento de água por rede aumentou apenas 5,1% passando de um atendimento de 77,8% dos domicílios permanentes para 82,9%, e tímido avanço de coleta de esgoto que passa de 48,60% para 55,45% em dez anos, ainda assim tomando coleta por rede de esgoto e pluvial. Persistem abismos regionais no que diz respeito à coleta de esgoto. Por exemplo, enquanto na região Sudeste 81% dos domicílios possuem acesso a rede de esgoto, num outro extremo no Norte esta cobertura é de 13,9%. Quanto ao abastecimento de água 82.8% dos domicílios brasileiros  já estão ligados ao serviço mas a região Sudeste tem mais de 90% de seus domicílios com acesso a rede distribuidora, enquanto que a Norte consegue abastecer de água apenas 54.4% dos domicílios.

Tomando-se inicialmente de forma mais específica os dados sobre o abastecimento de água verifica-se que mesmo avançando neste quesito ainda não se atinge a universalização e semantem as disparidades regionais. No dados de 2000 já uma  parte  expressiva da população brasileira tem acesso à água( 76,1%). Por região, tem grande alcance de atendimento nos municípios da região Sul com 80 a 89,9% de abrangência territorial. Na região Sudeste tem atendimento de 84,6% dos domicílios , com a distribuição entre seus estados variando o atendimento de 70 a 79,9%, com São Paulo tendo cobertura da rede de abastecimento de água mais extensa, atendendo entre 90 a 95% da população no município. A região Norte e Nordeste apresentam baixos níveis de domicílios com atendimento à rede de água, respectivamente 51,9% e 63,9%,com os estados que tem o menor índice sendo Pará, Rondônia e Acre(região Norte) e Maranhão (região Nordeste) com 36,8% a 49,9% de atendimento. O restante dos estados do Norte apresenta 50 a 69,9% da população atendida. Somente Natal, Paraíba e Bahia (localizados na região Nordeste)  apresentam melhores índices regionais (70 a 79,9%).

A região Centro-Oeste tem 77,9% de atendimento, com seus estados apresentando índices razoáveis, perpassando o atendimento a 70 a 79,9% da população na região, com Mato Grosso do Sul se destacando pelo maior atendimento a nível regional, com 80 a 89,9% da população com cobertura da rede.

Já quando se toma os dados e 2010 sobre abastecimento de água do Brasil, pudemos perceber que 82.8% dos domicílios brasileiros estão ligados a uma rede distribuidora de água e apenas 10% dos domicílios utilizam água de poços ou nascentes. Nesta rede não foi verificada muita discrepância entre as regiões brasileiras, com exceção da região Norte destoou da média apresentada pelas outras regiões. Atualmente a região consegue abastecer de água apenas 54.4% dos domicílios e ainda hoje, os poços e nascentes representam importante fonte de água para a população – 31.5% dos domicílios utilizam este sistema para obter água. Nesta região, merece destaque o Estado de Roraima, que têm 81,2% de seus domicílios atendidos por rede de distribuição de água. A região Sudeste lidera o serviço de abastecimento de água, com mais 90% de seus domicílios com acesso a rede distribuidora, com destaque para o Estado de São Paulo, onde 95% de seus domicílios têm acesso a esse serviço. Na região Sul, o serviço de abastecimento de água atinge 85% dos domicílios, com destaque para o Estado do Paraná, que atende a 88.3% dos domicílios.Na região Centro – Oeste o serviço atende a 81.7% dos domicílios, com destaque para o Distrito Federal, que possui a melhor rede de abastecimento de água do país, atendendo 95.1% dos domicílios que compõem seu território.A Região Nordeste, apesar de ser a 4ª colocada no que concerne à amplitude do serviço de abastecimento de água, foi à região que mais evoluiu neste quesito, nos últimos 10 anos. Segundo o censo de 2000, 66.3% dos domicílios eram atendidos por rede de distribuição de água, já em 2010, este número subiu para 76.6%, e  conseqüentemente, neste mesmo período, foi a região que mais reduziu o consumo de água a partir de poços ou nascentes, caindo de 16.1% para 7.9%

Cabe aqui uma preocupação na questão do saneamento básico brasileiro, no que concerne os temas abordados neste trabalho – o abastecimento de água e esgoto, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Nestas duas regiões, ainda é grande o número de poços artesianos e fossas sépticas, e muitas vezes esses sistemas, por estarem próximos um do outro, naturalmente se interligam, devido à porosidade do solo e a capacidade de percolação (vertical e horizontal) da água, provocando a contaminação do corpo d’água e gerando assim sério problema de saúde pública.

Quanto a coleta de esgoto em 2000 somente 40% da população tem o esgotamento sanitário coletado. A região Norte tem os menores índices (2,8%), Nordeste (17,7%), Centro-Oeste (33,1%), Sul (26,1%) e Sudeste com maior cobertura (63,6%).Na região Norte os estados que apresentam melhor índice é Roraima com 12%, no Nordeste, Paraíba tem maior número de população atendida (22,8%), no Sul, o estado de Parará se destaca com 1,4% dos domicílios atendidos, Centro-Oeste, Distrito Federal tem 87,7% da sua população atendida, e  São Paulo, no Sudeste é o estado apresenta melhor indicador atendendo 75,3% da sua população 

O quadro muda pouco em 2010, com pouco mais da metade dos domicílios atendidos por coleta de esgoto por rede 54,4% e ainda 11.6% tem que usar fossa séptica. A região Sudeste, lidera o ranking das regiões com maior cobertura de rede de esgoto, pertencendo ao Estado de São Paulo, a maior malha de esgoto da região, com 86.7% dos domicílios com acesso à rede de esgoto. Já a situação da região Norte é de extrema preocupação, o alcance da sua rede de esgoto é disparado à menor do Brasil atendendo apenas 32,8% dos domicílios, tendo o Estado do Pará a segunda pior rede de esgoto do país (dado surpreendente, tendo em vista que o Estado do Pará é a 13ª economia do país), com atendimento a 10.2% dos domicílios, perdendo apenas para o Estado do Piauí, que tem um atendimento de apenas 7% dos seus domicílios. Contudo, em relação à região Norte, cabe ressaltar o aumento da rede do Estado do Tocantins, que passou de 3.2% em 2000, para 13.46% no ano de 2010.

Em relação à região Nordeste, percebemos, na maioria dos Estados, expressivo aumento nas ligações domiciliares a rede de esgoto, com destaque para os estados da Bahia (maior rede de coleta de esgoto da região, com 45.4% de domicílios atendidos), Pernambuco e Ceará. Esse aumento da rede de esgoto está associado a significativo aumento dos investimentos federais em saneamento na região. Contudo o Nordeste, ainda tem as menores parcelas de domicílios atendidos por este serviço no país, com apenas 33,9%, perdendo apenas para a região Norte. Piauí e Maranhão com 7% e 11.6%, respectivamente, contribuem para essa baixa média de atendimento. É percebido nas tabelas que houve  na região uma redução de 13.3% para 11.2% dos sistemas de fossas sépticas entre 2000 e 2010.

A região Sul, segundo maior PIB do Brasil, possui a segunda melhor rede de coleta de esgoto do país, com 45.7% de domicílios com acesso a rede. Em comparação ao censo do ano 2000, foi à região que teve a maior evolução no atendimento deste serviço, onde em dez anos passou de 30.2% para 45.7% de domicílios beneficiados. O Estado do Paraná possui a melhor rede da região, com 53.3% dos domicílios atendidos, porém o Estado do Rio Grande do Sul apresentou a maior evolução nos últimos dez anos, passando de 28% para 48% dos domicílios atendidos.

Fechando a análise de coleta de esgoto, a região Centro-Oeste, apesar de ser a terceira região com maior rede do país, mostrou pequena evolução entre os censos de 2000 e 2010, passando de 34.2% dos seus domicílios atendidos para 38.3%. Esta média não reflete com justeza o alcance das redes dos Estados que compõem a região, tendo em vista, que o Distrito Federal eleva essa média, destoando dos outros Estados. O distrito Federal possui uma rede que atende 80.5% dos domicílios, contra 19% em Mato Grosso, 24% em Mato grosso do Sul e 36.5% em Goiás.Em relação ao censo de 2000, o país deve um aumento tímido no que concerne sua ampliação da rede de esgoto, aumentando de 48.6% em 2000 para 54.4% em 2010. Segundo o censo do IBGE de 2010, além da ineficiência nos sistemas de eliminação de dejetos, existem também no Brasil abismos regionais no que diz respeito à coleta de esgoto. Enquanto na região Sudeste 81% dos domicílios possuem acesso a rede de esgoto, no Norte esta cobertura é de 13,9%, representando a região com menor índice de acesso a rede de esgoto no país, onde o sistema de fossas sépticas ainda é prioritário na coleta de esgoto, estando presente em 18.8% dos domicílios. A maior rede de esgoto dessa região pertence ao Estado do Amazonas.

Apesar dos dados acima, indicarem que mais de 50% dos domicílios brasileiros possuem acesso a rede de coleta de esgoto, na prática a realidade é diferente, pois boa parte do esgoto coletado não completam todo seu processo, e sua principal falha está nos troncos coletores, pois muitos destes troncos que compõem a rede, não levam o esgoto até uma estação de tratamento e acabam despejando o esgoto nos corpos hídricos (rios, lagos e lagoas).

Em comparação aos dados de 2000, existe uma pequena diferença no nível de atendimento. Compreende-se que água e esgoto são serviços básicos urbanos para melhoria da qualidade de vida e condições de moradia e saúde da população brasileira e se faz necessário que o Estado amplie seus recursos nesses serviços tendo em vista que algumas regiões brasileiras como a região Norte e Centro-Oeste os índices são baixos, em nível de cobertura do atendimento de água e sobre o abastecimento de esgoto Norte e Nordeste apresentam números de domicílios atendidos reduzidos (menos de 40%).

O abastecimento de água no Brasil no decorrer dos últimos dez anos aumentou apenas 5,1% em todo o território nacional se considerar todos os domicílios particulares permanentes. Na região Norte  o aumento foi de 6,5% passando de 48 para 54,5%, enquanto que a região Nordeste teve um aumento considerável de mais de 10% (10,2%), a região Sudeste passou de 88,3  para 90,3% de domicílios urbanos e rurais atendidos, destacando-se pelas melhores condições de esgotamento sanitário, a região Sul aumentou sua cobertura em 5,4% e o Centro Oeste passou de 73,2% para 81,8% em atendimento, aumentando 8,6% dos domicílios.

No que se refere à coleta de esgoto sanitário, no Brasil, o percentual de atendimento é cerca de 67,1% em 2010, tendo aumentado tão sómente 4,9% na cobertura da coleta em relação ao ano 2000. A região Sudeste aumentou 4,2% o número de domicílios com rede de esgoto e fossa séptica, seguido da região Sul com índices razoáveis de atendimento, passando de 63,8 para 71,5% em 2010, aumentando 7,7 sua cobertura, a região Centro-Oeste teve o maior percentual aumentado 10,7% em 10 anos alterando de 40,8 para 51,5% os domicílios atendidos e por último as regiões Norte e Nordeste que apresentam índices considerados preocupantes, a região Norte diminuiu seu atendimento de 35,6 para 32,8% (2,8%), devendo ser levado em consideração o aumento populacional e a região Norte também manteve um índice baixo passando de 37,9 para 45,2%, não sendo ampliados muitos domicílios com acesso à rede geral de esgoto.

Com os dados acima representados, podemos concluir que o Brasil ainda precisa investir bastante na Política Nacional de Saneamento, tendo em vista que os municípios brasileiros que estão elaborando seus Planos Locais de Saneamento Ambiental de acordo com o PlanSab e às orientações do Ministério das Cidades, esse diagnóstico pode dar um panorama mais positivo para enfrentar o problema da coleta e tratamento de esgoto nas cidades brasileiras, tendo em vista a necessidade de ampliação, obras de melhorias e construção de novas redes de infraestrutura básica de esgoto e água, assim como a preservação e conservação dos mananciais e lençol freático, acompanhar a ocupação urbana próximo a córregos, verificar a disponibilidade de abastecimento de água com a construção de novos loteamentos, além dos serviços de esgotamento sanitário, da disponibilidade para a interligação ao sistema público para encaminhamento dos dejetos até a ETE. Impedir a poluição dos mananciais, especialmente nos locais de captação da água e distribuição da mesma para que as redes de infraestrutura possam ser distribuídas de forma mais equânime, sendo benefício de urbanização para grande parte da população e não ônus pela ausência dessas infraestruturas básicas nas cidades brasileiras.

 

3. ASSIMETRIAS REGIONAIS CONTEMPORÂNEAS EM ÁGUA E ESGOTO NO BRASIL E SEUS IMPACTOS NA CONFIGURAÇÃO DO TERRITÓRIO

 Os efeitos da ainda lenta e desigual introdução e expansão de infraestrutura de abastecimento de água e coleta de esgoto no Brasil com a não universalização destes serviços e a permanência de diferenciações na sua alocação pelas regiões do país agravando a desigualdade,  instiga reflexões sobre o tema.

Inicialmente se pode apontar sobre a não universalização dos serviços de água e esgoto. Ainda que os dados censitários tendam a índices reveladores de uma quase universalização do abastecimento de água, apesar de um avanço de apenas 10,73% na cobertura entre 2000 e 2010, tomando o país como um todo ainda se necessita de maiores investimentos para atingir esta meta pois 12,45% dos domicílios não terem acesso a rede de água representa em números absolutos que quase 10 milhões de casas e seus 37 milhões de habitantes não tem articulação com o líquido necessário a vida e atividades cotidianas, sendo que entre este total de casas e moradores “sem-água” estão a população mais pobre das favelas e loteamentos periféricos seja no Sudeste como mais ainda no Nordeste e Norte, como aponta “Jacobi(2010)”. O quadro da infraestrutura de água significa um território com configuração de urbanização incompleta que atinge tanto a habitabilidade da moradia da força de trabalho como a redução de desigualdades no apoio a atividades econômicas. O aumento da capacidade de abastecimento de água, ainda que com os problemas assinalados, tem como efeito um maior volume de esgoto produzido , mas como os investimentos em esgoto não acompanharam os de água tem-se ainda 25 milhões de domicílios sem articulação com coleta de esgoto por rede, ou seja 100 milhões de habitantes nesta situação!

As assimetrias regionais se mantém no século XXI com impactos no território com parcelas deste articuladas a serviços básicos mas se concentrando em determinadas áreas, principalmente no Sudeste e suas metrópoles, mas existe concomitantemente uma dispersão por cidades e metrópoles das outras regiões. A desigualdade regional no tocante a infraestrutura de água e esgoto contribuem, em primeiro lugar, para a persistência de obstáculos ao desenvolvimento em geral do país e deveria ter uma política nacional voltada tanto para a universalização dos serviços como para a redução de suas disparidades no território brasileiro. A ênfase dos investimentos no Sudeste em detrimento às regiões Norte e Nordeste, mormente quanto aos domicílios com acesso a coleta de esgoto por rede, mas também com problemas de abastecimento de água, deve ser repensada dado a relativa dispersão da urbanização e atividades industriais nas cidades nestas duas regiões menos atendidas, com investimentos que reduzam ou eliminem as disparidades. Em segundo lugar com a inclusão de investimentos em infraestrutura para a habitação em programas de urbanização de assentamentos precários no contexto do Programa de Aceleração do Crescimento(PAC) temos a busca de enfrentar a resolução da articulação daquelas parcelas do território no interior das metrópoles que estavam excluídas ou atendidas precariamente de acesso a serviços urbanos básicos que contribuíam para uma configuração de espaços urbanizados ou semi-urbanizados encravados em espaços urbanizados.

A redução das disparidades regionais e entre classes sociais esta a exigir, contudo, uma mudança de entendimento em dois níveis que se relacionam: a) a compreensão de que esgoto faz parte do ciclo da água, pois sua implantação muito mais lenta que a da água deve-se, entre outros elementos, a seu entendimento de algo estanque; e b) a compreensão que água e esgoto são componentes da constituição dos lugares e tem âmbito multiescalar referindo-se tanto ao local, como ao metropolitana e ao regional, e é multidimensional pois atende tanto a habitação como a esfera econômica e espaço público.

Com os dados e contexto apresentados podemos concluir que o Brasil ainda precisa investir muito na infraestrutura para enfrentar principalmente o problema da coleta e tratamento de esgoto nas cidades brasileiras, tendo em vista a necessidade de ampliação, obras de melhorias e construção de novas redes de infraestrutura básica de esgoto e água, assim como a preservação e conservação dos mananciais e lençol freático, acompanhar a ocupação urbana próximo a córregos, verificar a disponibilidade de abastecimento de água com a construção de novos loteamentos, além dos serviços de esgotamento sanitário, da disponibilidade para a interligação ao sistema público para encaminhamento dos dejetos até estações de tratamento e impedir a poluição dos mananciais, especialmente nos locais de captação da água e distribuição da mesma para que as redes de infraestrutura possam ser distribuídas de forma mais equânime, sendo benefício de urbanização para grande parte da população e não ônus pela ausência dessas infraestruturas básicas nas cidades brasileiras.

Os impactos desta configuração no território precisam ser reconhecidos e tratados pelo Estado brasileiro através de  políticas que visem a elaboração de um plano nacional de água e esgoto de longo prazo, com articulação entre planejamento e território, voltado para a universalização do atendimento com a eliminação das assimetrias regionais de modo a gerar um território mais integrado e equilibrado socialmente e na esfera da economia.

BIBLIOGRAFIA

Bacelar, Tania (2010) ”Valorização da diversidade e aumento da desconcentração: tendências e desafios do desenvolvimento regional no Brasil” in Desenvolvimento, ideias para um projeto nacional, São Paulo, Fundação Maurício Grabois/Editora Anita

IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1970,1991), Rio de Janeiro, IBGE

IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2000,2010), Rio de Janeiro, IBGE

Jacobi, Pedro (2006), Cidade e Meio Ambiente: Percepções e Práticas em São Paulo, São Paulo,  Editora Annablume

Kleiman,Mauro (2002), “Permanência e Mudança no Padrão de Alocação Sócio-espacial das Redes de Infra-estrutura Urbana no Rio de Janeiro – 1938 a 2001”, Cadernos IPPUR/UFRJ, ano XV,I n° 1, jan/jul pp123-153, Rio de Janeiro: IPPUR/UFRJ

Ocupações Urbanas Irregulares: passivo social e ambiental do processo de industrialização?

 

Suelânia Cristina Gonzaga de Figueiredo¹

¹Professora, Faculdade Metropolitana de Manaus - Doutoranda em Educação e Mestre em Desenvolvimento Regional;

Rute Holanda Lopes²

²Professora, Universidade Federal do Amazonas; Doutora em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia;

Kátia Viana Cavalcante³

³Professora, Universidade Federal do Amazonas; - Doutora em Desenvolvimento Sustentável.

 

RESUMO

O Pólo Industrial de Manaus é o principal atrator da população imigrante, por ser reconhecido como gerador de emprego e renda na região. Esta população instala-se ao redor das áreas urbanas tradicionais a uma velocidade superior à capacidade de suporte pública, social e ambiental. Cria-se a partir daí um passivo social e ambiental que vem sendo constante foco de políticas públicas na tentativa de reduzi-lo e/ou compensá-lo. A metodologia foi bibliográfica e de campo realizada no bairro Nova Vitória, por meio da observação e de entrevistas. O objetivo foi analisar os impactos dos processos de ocupações irregulares elencando aspectos econômicos, sociais e ambientais a partir do processo em consolidação do bairro de Nova Vitória em Manaus. Entre os motivos identificou-se como principal o sentimento de pertencimento, a necessidade de identificar-se com um lugar fixo de moradia.

Palavras Chaves: áreas urbanas, capacidade de suporte, riscos sociais e ambientais.

 

ABSTRACT

The Industrial Pole of Manaus is the main attractor of the immigrant population, being recognized as a generator of employment and income in the region. This population settles around the traditional urban areas in a speed bigger than  environmental and social public support  capabilities. It creates from there a social and environmental liabilities that have been a constant focus of public policies in an attempt to reduce and / or compensate for it . The methodology was bibliographical and field search held at the New Victory neighborhood , through observation and interviews. The objective was to analyze the impact of irregular occupation processes economic, social and environmental from the consolidation process in the New Victory neighborhood in Manaus. Among the reasons identified himself as the main feeling of belonging , the need to identify with a fixed dwelling place.

 

Keywords: urban areas, carrying capacity, social and environmental risks.

 

Introdução

A habitação como problema urbano tem sido instrumento de estudo de geógrafos, arquitetos, economistas, engenheiros, assistentes sociais, antropólogos e etc. e mesmo com toda evolução em soluções, ainda se tem hoje grandes problemas decorrentes da falta, ou ainda da forma de habitar das cidades. Segundo Maricato (2001), existe um paradoxo de que, de um lado se tem a evolução positiva “em relação à mortalidade infantil, esperança de vida ao nascer, diminuição do crescimento demográfico, e aumento da escolaridade”, e de outro o processo de urbanização trazendo para o Brasil a elevação dos indicadores de violência, pobreza, depredação urbana e ambiental etc.

Desde a criação das primeiras cidades, a habitação tem representado um problema urbano por ser sempre o número de habitações menor do que as necessidades de seus habitantes e ao nascerem, as cidades não tinham infraestrutura suficiente para evitar os problemas criados pelas moradias nas periferias das cidades. Globalmente, o evento mais ligado ao processo de urbanização e degradação ambiental foi a Revolução Industrial que tirou o homem do campo e o aglomerou em cidades que passam a crescer desordenadamente com áreas descritas como fétidas e cheias de insetos e roedores. (HUBERMAN, 1986)

No Brasil, esse processo ocorre desde o século XVI com o aumento da produtividade agrícola, gerando excedentes e a concentração de agentes produtores nos povoados. Isto deu origem às feiras, que se tornaram o núcleo das primeiras cidades.  A urbanização intensifica-se com a vinda da família real para o país, em 1808. Quando se observa as ocupações urbanas irregulares, concluí-se que de forma geral a grande maioria das cidades brasileiras foram formadas a partir de ocupações urbanas irregulares, com pouquíssimas cidades sendo projetadas previamente. (MARICATO, 1997).

No Amazonas, as cidades começam a desenvolver-se lentamente, ganhando seu primeiro grande impulso na época áurea da borracha. Urbanização é um processo que avança rapidamente na Amazônia. Em Manaus o fenômeno causa às gestões municipais e estaduais, um verdadeiro desafio para as políticas urbanas. Com as tradições culturais, laços de dependência na relação entre autoridades e população, em geral têm a ver com a indigência que aflige a periferia da cidade, se transfigurando com o crescimento das favelas e das ocupações urbanas irregulares. Um dos principais problemas do município é a falta de uma base econômica consistente, capaz de gerar oportunidades de emprego e mudar o quadro de pobreza que o caracteriza, mesmo considerando os empregos ofertados pelo Pólo Industrial de Manaus - PIM. Já que o contingente de mão-de-obra ofertado é sempre maior do que a oferta de empregos no mercado de trabalho.

O espaço urbano é composto por várias faces e é complexo à medida que envolve um relacionamento com o processo de urbanização onde existem vários papéis vividos e representados pelos vários atores nele inserido. A cidade de Manaus começa a desenvolver-se fortemente neste período e tem seu grande boom a partir da regulamentação da Zona Franca de Manaus pelo então Presidente da República Humberto de Alencar Castelo Branco, quando se torna o grande polo atrator da região e passa a receber pessoas de todo o país, de diferentes classes sociais e formação intelectual. Quanto a isto, o ex prefeito da cidade de Manaus Djalma da Cunha Batista em 1976 afirmou que chegavam cerca de 100 pessoas por dia, correspondendo a cerca de 3000 por mês e 36.000 por ano. Destaca ainda que muitos vieram para trabalhar, trazendo consigo capital, experiência e disposição para enriquecer, criando assim uma nova camada social formada por comerciantes, industriais, corretores, etc.

Entretanto, Leff (2009) mostra que o maior problema no que diz respeito à degradação ambiental não é somente a pressão demográfica sobre a capacidade de suporte dos ecossistemas, e sim das formas de apropriação e usufruto da natureza. Ressalta ainda que a busca econômica pela maximização dos benefícios no curto prazo, delega a questão da equidade social e sustentabilidade ecológica para as políticas distributivas de uma riqueza que foi criada sobre a base da acumulação do capital, desvalorizando o patrimônio de recursos naturais e culturais dos povos, uma vez que a lógica capitalista  está intimamente ligada à destruição da natureza.  Assim, desvaloriza-se o patrimônio de recursos naturais e culturais de povos ao mesmo tempo em que se diluem as perspectivas de construção de um futuro sustentável.

À medida que o Polo Industrial de Manaus – PIM - cresce e se torna gerador de emprego e renda, a população imigrante instala-se ao redor das áreas urbanas tradicionais a uma velocidade superior à capacidade de suporte pública, social e ambiental. Cria-se a partir daí um passivo social e ambiental que vem sendo constante foco de políticas públicas na tentativa de reduzi-lo e/ou compensá-lo. Nogueira et al (2009) destaca que como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, Manaus também possui um crescimento demográfico desordenado impossibilitando a disponibilização de condições básicas como saneamento, energia elétrica, postos de saúde e  educação a população.

Nas cidades o espaço urbano é dividido entre áreas que ocupam diversos tipos de uso: residenciais, comerciais, industriais e públicas. Essa divisão é desigual e mostra o aspecto social da sociedade capitalista também desigual. Dentre muitos, um dos fatores que contribuem de forma preponderante para a ocorrência das ocupações irregulares é a má distribuição de renda e a condição da terra como mercadoria presente no capitalismo, o que leva os indivíduos a uma busca de acumulação de capital através do uso do solo urbano e procurarem as mais diversas alternativas para satisfazerem a sua necessidade básica de habitar. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2006) define ocupação urbana irregular como “comunidade constituída por no mínimo 51 domicílios ocupando ou tendo ocupado até o período recente de propriedade alheia (pública ou particular) dispostos em geral de forma desordenada e densa, e carentes em sua maioria de serviços essenciais”.

Fundamentando essa questão, Maslow (1996) cita que as necessidades mais intensas para o ser humano são as necessidades básicas fundamentais à sua subsistência, isto é, alimento, vestuário e moradia. Enquanto essas necessidades não forem atendidas buscando a operação suficiente do corpo, toda motivação do ser humano permanecerá voltada para esse fim.

Os países em desenvolvimento necessitam de investimento urbano que seja suficiente para acompanhar o ritmo de alta taxa de crescimento populacional. Nesse sentido, a Agenda 21 destaca que a maioria das megacidades está localizada em países em desenvolvimento, onde a construção sustentável não acontece plenamente devido ao crescimento demográfico acelerado. Completando este pensamento Ferreira et al (2008) afirma que o despreparo para receber e absorver o imenso contingente de pessoas e mão de obra leva a graves consequências negativas, entre elas destacam-se congestionamentos no trânsito e colapso do sistema de transporte coletivo, assoreamento dos rios e impermeabilização do solo como fator desencadeador das inundações, aumento de processos erosivos, ocupação de áreas de proteção ambiental, crescimento de ocupações urbanas irregulares, disseminação de favelas, precariedade do saneamento básico, desemprego e violência nos centros urbanos.

O desenvolvimento econômico é um dos fatores essenciais para que haja uma melhoria nas condições de vidas das populações e para que essas necessidades sejam atendidas. No entanto, o planejamento torna-se essencial para que o equilíbrio entre os fatores econômicos, sociais e ambientais sejam mantidos. Becker (2002) afirma que cabe à sociedade, no que concerne ao futuro do planeta, identificar os custos do desenvolvimento para, a partir daí, tentar reduzi-los, ainda que o problema não resida na dimensão dos coeficientes de crescimento econômico, mas no modo de regulação da troca material entre natureza, indivíduo e sociedade.

Em um mesmo país pode haver discrepâncias, com regiões crescendo e desenvolvendo-se enquanto outras apresentam estruturas frágeis dentro do cenário econômico, com baixa competitividade e produtividade, exigindo políticas direcionadas e específicas que criem um ambiente favorável ao seu desabrochar econômico. Perroux (1967) afirma que o crescimento não surge em toda parte ao mesmo tempo; manifesta-se com intensidades variáveis em pontos ou pólos de crescimento.

Essas diferenças tornam as regiões em crescimento mais atrativas, o que leva a um aumento populacional acelerado. Os equipamentos sociais demandam tempo e dinheiro para serem implantados e áreas urbanizadas exigem infraestrutura básica como saneamento, eletricidade, escolas, hospitais, pavimentação, entre outros. No entanto, a população nem sempre pode aguardar as ações públicas que as amparam e tomam suas decisões baseadas na necessidade individual e é este um dos fatores que levam ao processo de ocupações irregulares.

A economia é a ciência que busca alternativas de produção para a escassez, e muitos dos recursos naturais são limitados, principalmente pela exploração desordenada ou mau uso dos mesmos. Atualmente a discussão a respeito das consequências da industrialização sobre o meio ambiente está constantemente em pauta, principalmente em resposta às agressões que o mesmo recebeu de maneira intensiva desde o início da Revolução Industrial. Lopes (2001) ressalta que as disparidades regionais e a necessidade em corrigi-las têm aparecido como razões determinantes da intervenção, porque os custos do congestionamento das áreas centrais simultaneamente com os entraves impostos pelas desigualdades à exploração dos recursos das mais pobres implicam um ritmo de crescimento menor do que o desejado.

A questão é encontrar um caminho entre o atendimento às necessidades humanas e o equilíbrio ambiental. A partir de 1972 com a Conferência de Estocolmo o debate sobre a preservação ambiental trouxe a necessidade de se proteger os recursos ambientais. Sachs (2002), a partir daí, a população mundial, dá início ao processo de conscientização acerca da limitação do chamado capital da natureza e dos perigos decorrentes das agressões ao meio ambiente, usado como depósito.

A degradação ambiental não é resultado direto da pressão demográfica sobre a capacidade de carga dos ecossistemas, mas, das formas de apropriação e usufruto da natureza. A racionalidade econômica, ao maximizar os excedentes e benefícios econômicos no curto prazo, deixa a questão da equidade social e da sustentabilidade ecológica para as políticas distributivas de uma riqueza criada sobre a base da acumulação do capital que é intrinsecamente destruidora da natureza.  Assim, desvaloriza-se o patrimônio de recursos naturais e culturais dos povos do Terceiro Mundo ao mesmo tempo em que se diluem as perspectivas de construção de um futuro sustentável (LEFF, 2009).

Pesquisas posteriores ao despertar ecológico mostraram que além do valor de uso, há ainda valores como o de existência, os serviços ambientais, as riquezas a serem descobertas com a bioprospecção, entre outros. Tudo isso levou à criação de uma legislação ambiental nas esferas federais, estaduais e municipais pautadas principalmente em diretrizes estabelecidas em acordos internacionais. Se considerarmos as leis em vigor, observaremos que os requisitos impostos às áreas regulares como Áreas de Preservação Permanente, uso das águas e do solo, Plano diretor da Cidade, entre outros são totalmente desprezadas em áreas de ocupação irregular. Nesse sentido Nogueira et. al. (2009) afirma que, em Manaus, o Plano Diretor Urbano e Ambiental é um instrumento legal regulamentado pela Lei N˚ 671, de 4 de novembro de 2002, que estabelece diretrizes à cidade referente ao seu desenvolvimento, bem como à gestão de seu território, no intuito de planejar o crescimento urbano e conter o avanço indiscriminado em áreas verdes, que, de acordo com a lei, são consideradas também como patrimônio natural do município e como tal devem ser preservadas, ordenando assim a ocupação do solo

Todavia, após a área ser tomada e degradada o Estado torna-se o principal responsável por sua recuperação e aparelhagem, o que repassa o custo social e o passivo ambiental para a sociedade em geral. A questão principal é criar um mecanismo de conscientização ambiental que possa ser aplicado nessas áreas com a finalidade de mitigar as agressões ao meio com resíduos e queimadas e preservar ou recuperar áreas que deveriam ser protegidas como os lençóis freáticos, os mananciais, as matas ciliares, os topos de morros, medidas que melhorem as condições ambientais, sanitárias e a segurança dessas áreas contra as intempéries naturais. Para Machado (2004), e aplicando especificamente para esses casos de ocupações irregulares, quando utilizamos o termo “potencialmente”, estamos abrangendo todos os possíveis danos sejam de natureza duvidosa ou não, aonde se determina o grau ou a extensão do impacto ambiental ocasionado pelo crescimento urbano e principalmente como este afetará a qualidade de vida da própria população que ocupará o espaço geográfico.

No caso de Manaus, capital do Estado do Amazonas, o crescimento demográfico levou à proliferação do número de ocupação irregulares, sejam em áreas públicas ou privadas. Um exemplo de ocupação ilegal é o caso Nova Vitória, hoje já consolidado como bairro Nova Vitória, pela doação do Governo Federal aos moradores desde setembro de 2007. Está localizada em uma área de aproximadamente trinta mil metros quadrados, antes pertencente à Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA, área reservada para a expansão de empresas do Polo Industrial de Manaus - PIM. O início da ocupação ocorreu em agosto de 2003 com a chegada de centenas de pessoas procedentes de outros bairros, de municípios do interior do Amazonas e de Estados vizinhos. Embora a Polícia Federal tenha tentado impedir por meio da retirada dos invasores, recorrendo inclusive à prisão de alguns destes indivíduos, a ocupação continua a crescer substancialmente até os dias de hoje. O governo iniciou em outubro de 2008, o cadastramento das famílias lá instaladas, para doação dos títulos de posse dos terrenos.

É importante ressaltar que como a invasão se tornou bairro, a Prefeitura Municipal de Manaus – PMM – iniciou o cadastramento das famílias do local para dar inicio ao registro das casas, com o objetivo da doação dos títulos de posse, urbanização, serviço de abastecimento de água e energia. Atualmente, este processo continua em expansão pela construção e entrega do aparelhamento social urbano, destacando-se a entrega de escolas de nível médio e de tempo integral, postos de saúde, saneamento básico e legalização do fornecimento de energia elétrica.

Devido ao estágio de construção inicial da sua história, não há registros oficiais da formação deste bairro. Portanto, a coleta de dados restringiu-se a entrevistas com moradores recém-chegados e antigos, líderes comunitários e religiosos. Desta forma, parte da história do povo do bairro Nova Vitória será descrita neste trabalho dando ênfase ao tripé da sustentabilidade de Sachs (2002), sendo economicamente pela dinâmica de ocupação imobiliária, ambientalmente pela degradação ambiental e socialmente pela análise da dignidade humana.

 

A Habitação como Problema Urbano

A habitação sido instrumento de estudo de geógrafos, arquitetos, economistas, engenheiros, assistentes sociais, antropólogos e etc. e mesmo com toda evolução em soluções, ainda se tem hoje grandes problemas decorrentes da falta, ou ainda da forma de habitar das cidades.

 Segundo Maricato (2001, p. 40), existe um paradoxo de que, de um lado se tem a evolução positiva “em relação à mortalidade infantil, esperança de vida ao nascer, diminuição do crescimento demográfico, e aumento da escolaridade”, e de outro o processo de urbanização trazendo para o Brasil a elevação dos indicadores de violência, pobreza, predação urbana e ambiental etc.

Revendo um pouco a história do Brasil e sua relação com a urbanização, de acordo com Maricato (1997), podem-se observar acontecimentos históricos importantes que representam a base no processo de urbanização, como: a Independência em 1822, a criação da Constituição Brasileira de 1824, a criação da Lei das Terras em 1850, Abolição da Escravatura em 1888 que transformou os escravos em trabalhadores livres e a Proclamação da República em 1889.

Todos esses fatos podem ser considerados os responsáveis por toda a formação das cidades brasileiras, com traços arquitetônicos observados até hoje. Os trabalhadores rurais saíram dos campos rumo às cidades a oferecer trabalho, concorrendo com os brancos pobres e imigrantes. E pouco a pouco passaram a ser utilizados pelos proprietários das construções de casas e edifícios a fim de gerar lucros a estes. A mão de obra escrava era fundamental para o latifúndio e também de grande importância para a construção das cidades. Pois era considerado capital e ao contrário da terra, constituía hipoteca para empréstimos, tal a sua importância para a economia daquela época.

O principal motivo desse êxodo rural é o desejo de melhoria na qualidade de vida da população, o que levou um grande número de pessoas para as metrópoles, principalmente São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A industrialização atraia os trabalhadores para as cidades que fugiam das péssimas condições de vida nos campos. Esse movimento migratório foi o grande responsável pelo aumento das populações urbanas com a grande oferta de emprego nas indústrias, mesmo incipientes, as cidades não estavam preparadas para recebê-los.  Ao chegarem, esses trabalhadores se amontoavam nas periferias formando aglomerados urbanos e expandindo as cidades, o que coloca o Brasil como um dos países mais urbanizados do planeta. Tem-se aí um grande marco no processo de urbanização (MARICATO, 2001).

Segundo Milton Santos (1989, p.31) nos meados de século XIX, a população urbana representava apenas 1,7% da população mundial, passando para 21% em 1950, e para 25% em 1960. Ressaltando um fato importante de que entre 1800 e 1950, a população mundial se multiplicou por 2,5 vezes e a população urbana por 20 mostrando a relevância da urbanização em todo o mundo há mais de um século. Maricato (2001, p.16) ressalta que o grande movimento migratório ocorrido em 60 anos, de 1940 quando apenas 18.8% da população brasileira era urbana até 2000 quando esse percentual sobe para 82%, foi relevante no processo de urbanização brasileiro.

Foi durante o século XX que se deu a consolidação da urbanização no Brasil. E como lembra Maricato (1997) se durante o império os escravos viviam juntos dos seus senhores para melhor servi-los, na cidade republicana o trabalhador era separado de seu patrão, “[...] separa o trabalho do ócio. Expulsa os negros e brancos pobres para as periferias, para os subúrbios, para os morros ou para as várzeas [...] oculta o trabalho e segrega o trabalhador” (1997, p. 30).

Ocupações desordenadas nos Centros Urbanos

A questão da urbanização e da ocupação desordenada do território urbano se torna mais significativa ao se analisar a situação das grandes cidades do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Manaus e tantas outras. O desenvolvimento econômico chama a atenção de populações carentes que são atraídas em busca de emprego e de melhores condições de vida. Sendo essa busca de melhoria de vida natural, contínua e crescente entre os seres humanos.

Uma observação a ser feita é a questão do número de invasões aumentarem nos períodos antecedentes aos pleitos eleitorais, isso ocorre em decorrência da conivência dos próprios candidatos que têm como principal objetivo a obtenção do maior número de votos possíveis. Prometem se eleitos, a implementação de projetos que beneficie aquelas áreas com infraestrutura de saneamento básico, energia, água, postos de saúde e até escolas, o que é de direito de todos, mas muitos não têm acesso a tais serviços.   Portanto as ocupações urbanas irregulares fazem parte do crescimento e expansão das grandes cidades de tal forma que sem essas ocupações o crescimento das grandes cidades ficaria comprometido.

Entretanto, essas ocupações são formadas por populações urbanas desprovidas de terras e de condições mínimas de existência, fazendo com que a ocupação ilegal ou irregular de terrenos em periferias ou em favelas se intensifique. Nesse contexto, as cidades cresceram na proporção inversa da oferta de serviços públicos e, por força deste fenômeno são exigidos investimentos públicos urbanos em áreas já antes atendidas, procurando-se com isto conter o crescimento de índices intoleráveis de pobreza e de degradação ambiental. Cabe ao Poder Público, então, promover o zoneamento destes bairros ou implantar novos núcleos urbanos, usando o poder da desapropriação para prover famílias e populações carentes de terra e de casa. Cabe, ainda, a este Poder, promover o assentamento destas famílias, determinando locais para onde podem se dirigir sob a orientação do governo. O que se observa, é que isto não acontece com muita frequência.

 

Metodologia

Para construção do embasamento teórico, a pesquisa iniciou-se por meio de consulta bibliográfica em livros, dissertações, tese, revistas e sites especializados. Neste sentido, Bêrni (2002) enfatiza que a pesquisa bibliográfica pode ser definida como um elenco de etapas coerentes utilizadas para levantar o mais exaustivamente possível à produção intelectual relativa a certo tema. Mattar Neto (2005) completa que mesmo as pesquisas de campo e de laboratório acabam por utilizar a biblioteca, na busca de textos teóricos, de artigos que corroborem ao objetivo do estudo.

Quanto à pesquisa de campo, Gil (1999) coloca que o estudo de campo distingue-se por estudar um único grupo ou comunidade em termos de sua estrutura social, ou seja, ressalta-se a interação de seus componentes. Neste estudo, a pesquisa de campo foi realizada no bairro Nova Vitória, por meio da observação da realidade durante as visitas ao bairro e de entrevistas realizadas com moradores antigos e recentes sobre as suas experiências, com líderes comunitários e religiosos que relataram o processo ocupacional, com os principais comerciantes para entender a dinâmica econômica, e com representantes de instituições públicas como a Secretária de Urbanização e Habitação – SUHAB e a Secretária de Meio Ambiente - SEMA na busca de informações sobre a legalização e a degradação ambiental.

A amostra utilizada nesse trabalho foi estudada de forma qualitativa e não quantitativa, já que não serão definidos números, baseada na fala dos atores sociais representativos do local, portanto, a história oral de cada um deles.

O trabalho empírico foi realizado por meio de entrevista não estruturada com o objetivo de investigar como acontece a dinâmica do mercado e da ocupação do espaço na invasão Nova Vitória, tendo sido utilizada uma amostra por acessibilidade ou por conveniência que segundo Gil (1999), é o tipo de amostragem menos rígido, por ser destituída de qualquer rigor estatístico. No qual pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que eles possam de alguma forma, representar a população estudada.

No intuito de resgatar parte da historia do bairro Nova Vitória optou-se pela utilização do método descritivo. Quanto a este Vergara (2000) afirma que a pesquisa descritiva expõe características de determinada população ou fenômeno, ao observar, registrar, analisar, classificar e interpretar os fatos, por meio de entrevistas e da observação sistemática realizada durante a pesquisa e coleta dos dados.

A história do bairro Nova Vitória inicia-se com luta e perseverança na busca da dignidade de se ter onde habitar. No entanto, pelo caráter de ocupação irregular, sua história oficial só começa a ser registrada a partir da doação da área pelo Governo Federal e do reconhecimento pelos governos locais. Há, portanto, uma lacuna que só poderá ser preenchida pela história oral contada por aqueles que a vivenciaram. Para registro desta história utilizou-se a entrevista de moradores antigos e de lideranças locais para resgatá-la por meio da memória destes. Afirma Prins (1992) que quando inexistem as fontes oficiais escritas, deve-se fazer uso da história oral.

De modo geral, a pesquisa teve como objetivo analisar os impactos dos processos de ocupações irregulares analisando os aspectos econômicos, sociais e ambientais a partir da consolidação do bairro de Nova Vitória em Manaus.

 

Resultados e discussões

A ocupação irregular, atual bairro Nova Vitória, trata-se de uma área de trinta mil metros quadrados, sendo considerada uma Área de Preservação Permanente - APP, que segundo Nogueira et. al (2009), foram desmatados cerca de 93 hectares de área verde.  Devido ao caráter de área a ser preservada e da forma como foi ocupada, ou seja, por meio do desmatamento, da degradação do solo, da matança de animais silvestres e da poluição dos mananciais, córregos e lençol freático, esta ocupação teve como base a degradação ambiental ocasionada pelas famílias que lá se instalaram.

Na pesquisa que deu origem a esta artigo, foi possível à constatação da importância que a posse da terra representa para os moradores da invasão Nova Vitória, como fator de dignidade humana. No discurso de cada um deles ficou muito claro como o fato de serem donos de sua própria casa, mesmo quando ainda não eram detentores do direito à terra, somente a posse, já lhes dava a segurança necessária para continuarem lutando pelo título da mesma. E relembrando Rodrigues (1988) à moradia não pode ser fracionada, não se pode morar pela manhã e não morar à noite, como ocorre com a alimentação, que pode está disponível num dia e não no outro, nesse contexto, a moradia ou habitação parece ser mais importante até mesmo do que o alimento, que é condição fundamental para subsistência do ser humano.

Assim sendo, a falta de habitação para os segregados promove a ocupação de terras de forma ilegal por todo o país. É interessante observar que para os que invadem esse ato ilegal perde força para o Estado e a sociedade de uma maneira geral não promove e executa políticas públicas que sejam capazes de amenizar o índice de déficit habitacional, não possibilitando o acesso à moradia pelos que não possuem renda suficiente para isto.

O caso da ocupação Nova Vitória comprova que, o processo de invasão de terras apresenta várias faces e uma complexidade que foge ao alcance das políticas públicas capazes de ter um contexto pró-ativo e não reativo, considerando que o déficit habitacional assume números astronômicos. Na complexidade desse processo e no seu cenário, encontramos a formação de grupos com líderes que planejam desde a escolha do terreno a ser invadido.

O processo de expansão que redundou no crescimento acelerado do número de habitantes provocou nas grandes cidades uma maior demanda por infraestrutura, moradia, transporte, e outros serviços básicos, que em muito supera a capacidade atual das cidades de dar respostas oportunas e adequadas a essas necessidades e foi este quadro que impulsionou os moradores a ocuparem a área.

A construção das moradias ocorreu de maneira improvisada por terem construído suas casas precariamente de forma irregular, feitas de materiais alternativos como madeira já utilizada, papelão e etc. Isso torna aquela APP tão degradada que recuperá-la teria um custo muito alto. Porém não justifica permanecer na situação em que se encontra. Cabe ao Governo do Estado implementar um programa de conscientização ambiental, como forma de proteger as famílias que lá habitam atualmente e recuperar espaços estratégicos como nascentes, mananciais e topos de morros e encontrar um meio de o homem conviver com a natureza harmoniosamente. Neste sentido o Governo do Estado está indenizando as famílias que moram nas margens dos igarapés e nas encostas de morros. Desta forma se busca reduzir as agressões a estes locais protegidos pela legislação brasileira e retirar esta populações de situações de risco sanitário, social e ambiental.

Durante as entrevistas realizadas com moradores do bairro, registrou-se várias histórias contadas pelos mesmos e identificou-se como principal motivo de optarem por aquele lugar, para tentar construir uma habitação, a própria necessidade de habitar e o sentimento de pertencer a um local fixo de moradia, por mais precária que fosse. Foi percebido que há dentre tantos, outro sentimento inconsciente no morador das invasões, qual seja o sentimento de culpa por não “possuir”, por não “ter para ser”, é essa a condição – “ter para ser” - que o capitalismo exige para incluir e não segregar. Neste sentido, a necessidade de ter uma propriedade que garanta à sua família moradia, abrigo e segurança torna-se também um símbolo de inclusão e ascensão social ao indivíduo.

A ocupação irregular representa, portanto, um ato de busca da cidadania e da dignidade, embora que, por meios ilegais e muitas vezes violentos. Observa-se que a maioria dos moradores, após obterem a posse e, posteriormente, a documentação doada pelo Estado, sentem-se motivados a construir suas casas de forma definitiva, utilizando materiais de melhor qualidade e/ou reformando as áreas já construídas. Esse ponto pode ser reforçado pelo crescimento em quantidade e tamanho das lojas de materiais de construção ali instalada no período imediatamente posterior a legalização do bairro. E isto representa um instrumento de geração de emprego e renda para a população local. Este quadro torna-se extensivo aos demais empreendimentos locais, uma vez que com a consolidação do bairro, os investimentos aumentam e as unidades, antes familiares, passam a ofertar postos de emprego para a população local.

Percebe-se também que pela proximidade com indústrias do PIM, esta população encontra alternativas de renda formais e informais. Formalmente, as empresas contratam principalmente os jovens que possuem escolaridade suficiente para trabalhar na área operacional. Os demais, excluídos do mercado de trabalho, aproveitam a oportunidade para informalmente buscar rendimentos que auxiliem no sustentar sua família. Os principais meios que encontram são as vendas de alimentos e bebidas nas portarias das fábricas.  

Socialmente, estas populações estão expostas a ambientes onde se proliferam o uso e a venda de drogas, a prostituição e o roubo, entre outras formas de delinquência. Associados a isto, tem-se o desemprego e a falta de equipamentos urbanos e de infraestrutura básica como agravante da vulnerabilidade social. A população jovem é a mais afetada pela sedução dos ganhos “fáceis” frente às inúmeras necessidades não atendidas. Este cenário leva os jovens a entrarem na marginalidade social, terem filhos muito cedo (em média aos 14 anos) e a formarem famílias que se desestruturaram pela prisão de um dos pais, pela morte precoce causada pela violência e por outros fatores.

Outro fator ligado a vulnerabilidade social é a proliferação das igrejas, principalmente as evangélicas, que se instalam nestas localidades na busca de resgate social destas populações. Percebe-se que os templos têm um papel fundamental ao trazerem, além do conforto espiritual, esperança, dignidade e educação, pela inserção social e pelo sentimento de pertencer a um grupo como valorização do indivíduo.

As condições sanitárias e ambientais têm seu momento mais crítico no período de instalação da ocupação, quando a “limpeza da área” é feita pela derrubada indiscriminada da mata nativa e pela utilização das águas que ocorre, sem os cuidados básicos de preservação deste recurso. Devido à ausência de saneamento básico, as pessoas tendem a instalar-se próximo aos rios e igarapés para facilitar o consumo para uso doméstico. No entanto, esta proximidade também incentiva a utilização destes como depósito de dejetos humanos e receptor de resíduos sólidos, com predominância para o descarte de garrafas tipo “pet” e sacolas plásticas.

Outro grave problema é a construção de poços e fossas sanitárias fora dos padrões que garantam a sua preservação, o que acaba por poluir o lençol freático. Estes poços são construídos próximos as edificações das casas, possuem baixa profundidade e recepcionam águas pluviais, o que facilita a disseminação de doenças de pele, diarréia e verminoses, principalmente nas crianças. Como uso doméstico é aplicado na dessedentação de pessoas e animais, preparo de alimentos, higiene pessoal e doméstica como lavagem de roupas e louças.

Quanto às fossas, o problema principal é ausência de fossa séptica e a quase totalidade de fossas rudimentar, que não possui nenhum tipo de barreira de contenção, aumentando assim o risco de poluição dos lençóis freáticos e mananciais da área ocupada. Outro fator agravante é o desconhecimento desta população quanto a cuidados básicos na construção de poços e fossas. A falta de conhecimento leva-os a construírem poços e fossas lado a lado, sem respeitarem a distância mínima recomendada ou o posicionamento do poço em relação à instalação da fossa de acordo com o fluxo fluvial, com o intuito de dificultar a migração de micróbios e de substâncias tóxicas como poluentes da água que será consumida pela família.

Após a consolidação da ocupação e de seu reconhecimento oficial como bairro, ocorreram mudanças positivamente significativas que tiveram impactos diretos na qualidade de vida dos moradores da área. Entre as melhorias destaca-se a oferta de infraestrutura básica, como asfaltamento, fornecimento de energia elétrica e água, transporte público e construção de uma escola de tempo integral para atendimento da população local. Neste sentido, percebe-se que embora o fornecimento destes serviços ainda não corresponda plenamente aos anseios da população já há um sentimento de valorização do lugar que se reflete no preço dos imóveis e na melhoria do padrão habitacional do bairro. Esta aparelhagem social também tem atraído empresas de maior porte, que dinamizam a economia da área.

 

Conclusão

As cidades têm experimentado diferenciados ritmos de crescimento populacional, sob estímulos e razões diversas. Porém o resultado é quase sempre o mesmo, ou seja, as populações urbanas acabam por praticar a utilização social e ambientalmente inadequada do território urbano, além de degradar áreas que, em princípio, teriam uma função muito mais ambiental e paisagística do que uma destinação residencial.

No Estado do Amazonas, esse processo é estimulado principalmente pelo fluxo migratório ocasionado pela atratividade da oferta de empregos do PIM. Todo o contingente populacional que chega a Manaus provoca a pressão urbana que eleva o preço dos imóveis regulares. Desta maneira, a população com menor poder aquisitivo fica excluída do mercado imobiliário tradicional e encontra nas ocupações irregulares uma alternativa para satisfazerem a necessidade de habitar, principalmente após formarem suas famílias.

As populações que ocupam as áreas invadidas, estão expostas a riscos sociais como a prostituição e o tráfico de drogas, sendo o principal deles o subemprego, por serem colocadas em situações insalubres, recebem salários baixos e ficam excluídas de direitos sociais como, por exemplo, a previdência social. Esta condição também torna a população jovem vulnerável ao apelo das drogas, do roubo e da delinquência. Medidas voltadas para a educação e capacitação para o emprego como forma de inclusão social mostram-se eficazes na redução deste quadro.

Percebe-se que a regularização imobiliária por meio da doação da área para os ocupantes foi de fundamental importância para o desenvolvimento econômico e social do bairro, pelo aumento dos investimentos nos negócios já existentes, na criação de novos e na melhoria das casas, o que dinamizou a economia local e gerou emprego, trabalho e renda como forma de redistribuição do capital e progresso da condição social dos moradores.

Ambientalmente, a partir da regularização, houve uma redução das agressões, ao mesmo tempo em que a oferta de infraestrutura e da proibição de se ocupar novas áreas em locais proibidos pela legislação passam a ser coibidos, a partir do mapeamento da área realizado pelo Estado. Outro ponto positivo é a retirada daqueles que residem em locais de risco como margens de rios e encostas de morro. Melhorando assim a segurança ambiental e social do bairro.

Pelo caso do bairro Nova Vitória, comprovou-se que as ocupações urbanas irregulares, na cidade de Manaus, representam um problema que contribui fortemente para a degradação ambiental, ocasionada principalmente pelo desmatamento de grandes áreas, poluição de rios, mananciais, igarapés, lençóis freáticos, erosão do solo e pela disposição irregular de resíduos sólidos e líquidos, gerando um passivo ambiental e um custo social a ser pago pela sociedade em geral.

 

Referências

Agenda 21: Conferência das Nações sobre o meio ambiente e desenvolvimento (1992: Rio de Janeiro). Curitiba, (2001).

Becker, Dinizar F.(org). Desenvolvimento sustentável: necessidade e/ou possibilidade?. 4 ed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, (2002).

Bêrni, Duiliu de Avila.  Técnicas de pesquisa em economia: transformando curiosidade em conhecimento. São Paulo: Saraiva, (2002).

Gil, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Científica Social. São Paulo; Ed. Atlas; (1999).

Huberman, Léo. A história da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Editora S A.Traduzido da 3ª edição publicada em 1959. Traduzido para a língua portuguesa em (1986).

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. IBGE – Rio de Janeiro: IBGE, (2006).

Leff, Enrique. Ecologia, capital e cultura. A territorialização da racionalidade ambiental. Rio de Janeiro: Vozes, (2009).

Lopes, A. S. Desenvolvimento Regional. Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, (2001).

Maricato, Ermínia. Brasil, cidades alternativas para a crise urbana. Petropólis, Rj. Vozes, (2001).

Maricato, Ermínia.  Habitação e cidade. 7° Ed. São Paulo, Atual. (1997).

Machado. Paulo A.L. Direito ambiental brasileiro. 12° Ed. São Paulo. Malheiros Editores. (2004).

Maslow, Abraham H. Metamotivation. In: Maslow, A.H. The farther reaches of human nature. New York: Penguin. Books, (1993).

Mattar Neto, J.A. Metodologia Científica na Era da Informática. 2°. Ed. São Paulo: Saraiva, (2005).

Nogueira, Ana Claudia, et. al. Quem paga a conta da degradação ambiental na área urbana? O caso das ocupações irregulares: Nova Vitória e Comunidade São Pedro (Carlinhos da Carbrás) em Manaus in PEREIRA, Henrique dos Santos et. al. (org.). Pesquisa interdisciplinar em ciências do Meio Ambiente. Manaus: Edua, (2009).

Perroux, F.  Economia do Século XX. Lisboa, Herder. (1967).

Prins, Gwyn. História oral. In: Buke, Peter (org.). A escrita da história: Novas perspectivas. São Paulo: Unesp, (1992)

Rodrigues, Arlete Moysés. Moradia Nas cidades Brasileira. São Paulo. Contexto. (1988).

Sachs, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, (2002).

Vergara, Sylvia Constant. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. 3 ed. São Paulo: Atlas, (2000).

 

 

Arquivo da Revista