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Chão Urbano

Chão Urbano ANO XV – N° 4 JULHO / AGOSTO 2015

07/08/2015

Integra:

                   ANO XV – N° 3 MAIO/JUNHO 2015

 

Editor

Mauro Kleiman

Publicação On-line

Bimestral

Comitê Editorial

Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional) - UFF

Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

Hugo Pinto (Dr. em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)

Editor Assistente Júnior

Carla Caroline Damasceno Lopes


IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

 

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

 Carla Caroline Damasceno Lopes, Flávia Garofalo, Gizele da Silva Ribeiro, Larissa Ling Gonçalves Setianto. 

Pesquisadores associados

André Luiz Bezerra da Silva, Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares. 

 

 

 

 

 

ÍNDICE

 

Região metropolitana de Manaus: características e dilemas do desenvolvimento de uma região metropolitana na Amazônia Ocidental

 

Kátia Viana Cavalcante, Tassio Franchi e Rute Holanda Lopes ............... p. 03

 

Indagações sobre infraestruturas em favelas no Brasil: estaria em processo uma redefinição de fronteiras entre o público e o privado com a implantação de redes de água e esgoto?

 

Mauro Kleiman ...........................................................................................p. 22

 

REGIÃO METROPOLITANA DE MANAUS: CARACTERÍSTICAS E DILEMAS DO DESENVOLVIMENTO DE UMA REGIÃO METROPOLITANA NA AMAZÔNIA OCIDENTAL


CAVALCANTE, Katia Viana 1;

FRANCHI, Tassio 2;

LOPES, Rute Holanda 3.

1 Professora, Universidade Federal do Amazonas, Doutora em Desenvolvimento Sustentável.

2 Professor, Escola Comando e Estado-Maior do Exército, Doutor em Desenvolvimento Sustentável.

3 Professora, Universidade Federal do Amazonas, Doutoranda em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia.

 

RESUMO

 

A criação de regiões metropolitanas é uma tendência que vem a atender demandas politico-administrativas das entidades municipais modernas, e geralmente conurbadas. As cidades e comunidades amazônicas apresentam características singulares e isto se expressa também na constituição da Região Metropolitana de Manaus-RMM. As dimensões amazônicas distanciam os centros urbanos que tornam-se pequenos diante da área rural. Manaus destaca-se como polo produtivo, mercado consumidor e atrator de mão de obra. Os demais municípios têm como principal atividade produtiva a agricultura e tonam-se fornecedores naturais destes produtos para a capital Manaus. O presente texto aponta relações entre as características urbanas, rural, e ribeirinhas das cidades e comunidades inseridas na RMM e os dilemas ao planejamento regional decorrentes das mesmas. Sua metodologia baseou-se em entrevistas com gestores públicos, pesquisa de campo e documental, além do embasamento bibliográfico.

 

Palavras-chave: Amazônia; Planejamento Regional; Cidades Amazônicas;

 

ABSTRACT                                                     

The creation of metropolitan areas is a trend that has to meet political and administrative demands of modern municipalities, and generally conurbation. Cities and Amazonian communities have unique characteristics and this is also expressed in the constitution of the metropolitan region of Manaus-RMM. This text points out relations between urban, rural characteristics, and riverside towns and communities within the RMM and dilemmas for regional planning derived therefrom.

 

Keywords: Amazon; Regional Planning; Amazon cities

 

1. INTRODUCÃO

As cidades na Amazônia brasileira são particulares em diversos aspectos quando comparadas às demais cidades do Brasil. Entretanto, para atender a lógica administração e legislação pública que regula repassas e isenções fiscais, dentre outros benefícios, por vezes essas cidades se voltam para modelos de organização aparentemente exógenos às características locais. Este é o caso da região Metropolitana de Manaus-RMM.    

E neste contexto destaca-se a Região Metropolitana de Manaus – RMM, formada pelos municípios de Careiro da Várzea, Iranduba, Itacoatiara, Manaus, Novo Airão, Presidente Figueiredo e Novo Airão (ver Mapa 1), que possui uma espacialidade peculiar composta de grande extensão territorial com grandes vazios populacionais entre os seus centros urbanizados que totalizam oito municípios. Dentre esses centros urbanos Manaus abriga mais de 80% da população metropolitana, além de concentrar a produção industrial, sendo está sua grande atratividade.

Além da capital, as cidades de Itacoatiara e Manacapuru também se apresentam como polos atratores devido a sua localização e maior desenvolvimento urbano (SCHOR, 2007), proporcionando maior infraestrutura urbana e de serviços para atendimento da população local e dos municípios circunvizinhos.

Mapa 01 – Região Metropolitana de Manaus

 

Fonte: SRMM, 2010.

 

Com exceção de Manaus, os demais municípios têm a característica de serem responsáveis pelo abastecimento de produtos agropecuários e de mão-de-obra para a capital. Esses municípios, mesmo estando próximos a capital, apresentam um grau de desenvolvimento muito menor e grande fragilidade econômico-social, devido à escassez de agentes geradores de renda e a facilidade de migração. Esse quadro se agrava ao afastar-se do perímetro urbano destes municípios em direção as diversas comunidades rurais que estão localizadas as margens de rios e/ou estradas e vicinais. Nesses locais, o acesso a bens e serviços torna-se muito difícil, as expectativas diminuem e aumentam os riscos sociais.

As cidades menores, bem como as pequenas comunidades[1] quase sempre são pequenos núcleos com pouca infraestrutura, e tendo como principal fonte de renda os repasses dos governos estadual e federal. Embora possuam “núcleos urbanos”, a população se dedica a atividades rurais como agricultura, pesca e extrativismo, dispondo de pouca, ou nenhuma, infraestrutura de apoio para o beneficiamento da produção, vendida in natura para atravessadores.

E, dessa forma não é mais possível falar do rural e do urbano com as mesmas peculiaridades, essa nova realidade cede lugar as chamadas ruralidade e urbanidades, que ocorrem justamente quando essas áreas passam a influenciar na maneira de viver, nos costumes, nas ações e organização do espaço. Sendo necessário, portanto, o fortalecimento econômico e aparelhamento social destes núcleos. De forma que haja um equilíbrio urbano-rural entre os municípios que compõem a RMM, como forma reduzir e em alguns casos inverter o fluxo migratório rumo a capital. Mantendo, por conseguinte a cultura e os laços do homem rural/florestal com a terra/floresta. Desta forma o escopo deste texto é caracterizar o habitat das principais comunidades relacionando-as com os eixos do Plano Diretor da RMM, e, apresentando de forma livre, os dilemas à real integração destas comunidades na RMM.

 

O EIXO RIO VERSUS O EIXO ESTRADA: Um histórico

 

A Região Metropolitana de Manaus possui inúmeras características que a diferenciam das demais regiões metropolitanas, tanto em relação a aspectos socioeconômicos e demográficos quanto ambientais e geográficos. Por um lado, observam-se baixa densidade demográfica e distribuição desigual da população e da renda, hábitos de consumo e cultura diversificados, bem como grandes espaços de usos restritos protegidos pela legislação ambiental. Por outro lado, verificam-se grandes problemas na circulação de pessoas e mercadorias, em virtude das grandes distâncias e, principalmente, de um sistema de transporte precário, composto por poucas estradas em mau estado de conservação e um sistema de rios e, no geral, pequenos portos (apenas Manaus e Itacoatiara possuem terminais portuários voltados à exportação).

Historicamente, o processo de ocupação humana e urbanização da Amazônia ocorreram em ciclos, com períodos de grande migração, seguidos de períodos de esvaziamento ou estabilidade. A linearidade não foi uma das características predominantes deste processo e os motivos desses períodos estão relacionados às mudanças nos cenários econômicos e políticos. Sendo os principais processos atratores populacionais: os ciclos da borracha e a implantação da Zona Franca de Manaus-ZFM. Os ciclos da borracha (1880-1912 e 1942-1945) tiveram um papel fundamental na ocupação da Amazônia, uma vez que muitas cidades surgiram ou se fortaleceram a partir dos grandes seringais. Para Benchimol (1992), esse foi o inicio da explosão urbana da Amazônia.

O comércio da borracha impôs por suas rotas comerciais e principais centros produtores a forma dendrítica desta rede proto-urbana, que se relacionava com as áreas de maior produtividade nas várzeas e circulação de mercadorias. A evolução desta estrutura fez surgir uma urbanização hierárquica, com diferenciação entre as cidades de maior porte e o conjunto de menor, criando uma relação de dependência mantida, em alguns casos, até hoje exemplo; Manacapuru, localizada no rio Solimões e Itacoatiara localizada as margens do rio Amazonas.

Na década de 1960, intensificou-se a ocupação urbana por processos diferenciados, mas ligados ao desenvolvimento regional, com destaque para a criação da Zona Franca de Manaus, em 1967. As políticas de desenvolvimento da região expressa pelos projetos de colonização e investimentos em infraestrutura desencadeou um processo de ocupação com a chegada de imigrantes do nordeste e sul do Brasil, principalmente. A ZFM potencializou o processo de migração interna no Estado do Amazonas, atraindo os moradores dos demais municípios para a capital. A ZFM estimulou o crescimento da capital do Estado do Amazonas, centrando nas indústrias de produtos eletroeletrônicos ali instalados. A população migrante se aglomerou na periferia de Manaus, com velocidade muito maior do que desenvolvimento da infraestrutura urbana, gerando inúmeros problemas sociais.

De um modo geral, o crescimento urbano deixou de ser do tipo cidade primaz para dar lugar à urbanização regional. Espacialmente identificou-se: a substituição do padrão dendrítico pelos eixos viários. Como resultado, obteve-se a concentração dos núcleos urbanos ao longo dos dois eixos: fluvial e viário, desenhando um macrozoneamento regional. Esses núcleos urbanos diferem entre si: (i) os criados às margens das estradas, que se constituem nas novas espacialidades urbanas da Amazônia a partir dos anos 1970, em decorrência da construção de novos eixos de circulação, que são os vetores de expansão da fronteira onde projetos de colonização e desenvolvimento públicos e privados são instalados; (ii) os núcleos tradicionais as margens dos rios, em sua grande maioria, pequenas cidades que tem suas dinâmicas atreladas a floresta e a água.

Nas pequenas cidades amazônicas, localizadas em meio da floresta e às margens dos rios, os habitantes deste espaço podem ser levados inconscientemente a estabelecer a dimensão de espacialidade a partir do encantamento da realidade física. O porto é o intermédio entre o rio, a floresta e a cidade, fortalecendo a identidade do homem amazônida com a água. É quase sempre assim que se chega à maioria das cidades ribeirinhas e delas se tem a primeira impressão, que nem sempre é a definitiva. A concretude de um arruamento caótico, de equipamentos urbanos inexistentes ou inadequados, mostra a outra realidade dessas pequenas cidades com crescimento atrelado a políticas públicas exógenas, que muitas vezes ignoram as necessidades endógenas. Esta realidade também se aplica as comunidades com acesso viário, visto que as grandes distâncias e o precário estado das vias de acesso dificultam melhorias e a comunicação entre o centro e a periferia da região.

Tanto nas pequenas cidades dos beiradões, como nas comunidades localizadas em vias secundárias, percebe-se uma serie de ausências: serviços, espaços de lazer, informação, saneamento urbano, educação de qualidade, atendimento médico e odontológico regular, dentre outros que estruturam condições dignas de vida. A problemática da oferta de serviços no Amazonas é, sobretudo, uma questão de acessibilidade, não podemos perder de vista a extensão territorial do Estado e seus gargalos na rede de transportes.

Atualmente, a urbanização da região encontra-se em fase de estruturação, a dinâmica das cidades ainda é muito intensa, ocasionando processos migratórios localizados, mas capazes de mudar os cenários pela criação de assentamentos, com processos de desmatamento e ocupação de margens de rios, mas principalmente próximo as redes viárias.

Mesmo nas pequenas cidades, em pouco mais de uma geração, as informações tornaram-se mais ágeis, pois os lugares foram atingidos por tecnologias que possibilitaram maior circulação de ideias e o acesso à modernização. Isso contribuiu concreta e subjetivamente para o surgimento de novo processo urbano, o qual já se apresenta complexo. Em consequência, há mudanças de proporções espantosas tanto positivas como negativas.

De um lado, as cidades passam a ser associada às ideias do novo, do moderno; de outro, passam a ser associadas à baixa qualidade de vida, epidemias, inércia e lugar da destruição e da violência, as quais sempre ganham adjetivação que as associa ao espaço urbano. As comunidades afastadas da capital embora não usufruam das facilidades de uma grande cidade são influenciadas pelos padrões de consumo e valores advindos da capital meios dos sistemas de comunicação (televisão e a internet). Os quais levam os jovens e adolescentes a reproduzirem, ou almejarem, modelos sociais diferentes da sua realidade conectada ao mundo rural/florestal.

O Eixo Estrada

Dentro da RMM a realidade atual apresenta estrutura de rodovias estaduais e federais que dão acesso a vias secundárias onde se localizam as comunidades e pequenas propriedades, que são as unidades produtoras que abastecem a capital e a área urbana do próprio município. Essas unidades têm características diversas, podendo ser encontradas lado a lado grandes propriedades com maquinários e tecnologias atuais e propriedades familiares que utilizam técnicas rudimentares e necessitam do apoio do governo para escoamento da produção. Estas pequenas unidades também se apresentam como membros de cooperativas/associações, de forma a beneficiar-se destas organizações para adquirir equipamentos para escoamento e beneficiamento da produção, agregando valor ao produto final e renda ao pequeno produtor. 

Essas comunidades têm características distintas, em vicinais que ligam comunidades que também tem acesso ao rio, o centro urbanizado localiza-se a margem do mesmo sendo um elo de acesso aos ribeirinhos e aos moradores das estradas. Neste centro, moram famílias cujos membros trabalham na rede pública de educação, saúde, entre outros equipamentos sociais disponíveis, bem como famílias que possuem casas na comunidade e áreas cultivadas nos ramais[2] ou ao longo dos rios. Nestas comunidades há um núcleo bem definido com escolas, postos de saúde, unidades de fornecimento de água e energia, telefonia pública, igrejas, mercadinhos, entre outros. As casas em sua grande maioria são de madeira ou mista.

As comunidades com acesso exclusivo pela rede viária têm características distintas. As mais próximas aos centros urbanos apresentam unidades de vários portes e usos. Destacam-se o grande número de sítios e chácaras, com pouca produtividade e operadas por caseiros a serviço dos proprietários, sendo no geral sítios destinados ao lazer familiar. Além dessas encontram-se ainda pequenas unidades familiares com produção agrícola, cujo excedente é escoado para as cidades mais próximas ou ainda para capital. Em alguns ramais também se destaca a presença de grandes propriedades com produção em larga escala, geralmente voltadas para o atendimento do mercado da capital. Nesses ramais, geralmente os equipamentos sociais são escassos, restringindo-se muitas vezes a apenas escola de ensino fundamental, pequenos comércios e algumas igrejas ou templos, espalhadas aleatoriamente, sem um núcleo bem definido e com associações desarticuladas ou inexistentes.

As comunidades mais distantes dos núcleos urbanos possuem em sua grande maioria unidades produtoras familiares, com baixa ou media produtividade e com características de sustento familiar. Com pouca estrutura disponível, sendo usuárias dos serviços de escoamento oferecidos pela prefeitura. Nestas comunidades também são encontradas, embora com menor frequência, grandes unidades produtoras que contam com infraestrutura própria e uso de tecnologias que garantem maior produtividade e melhor escoamento da produção.

O Eixo Rio

As cidades e comunidades atreladas ao eixo dos rios têm suas dinâmicas estreitamente associadas ao regime das águas, pois sofrem influências dele em maior ou menor grau. Para compreender isso classificamos esses núcleos urbanos em três categorias de acordo com a sua localização geográfica:

- Comunidade Insulares - localizadas nas ilhas de várzea[3], sem acesso direto aos solos de terra firme;

- Comunidade de Margem - estão localizadas entre os solos de várzea e de terra-firme e, portanto, desfrutam do acesso direto aos dois ecossistemas;

- Comunidade Insulares - localizadas nas ilhas de várzea[4], sem acesso direto aos solos de terra firme;

- Comunidades de Terra-firme - localizadas em áreas mais altas, próximas ao sistema de várzea.

A desagregação da população cabocla do Amazonas analisada em três categorias de acordo com a paisagem – insular, de margem e de terra-firme revela um fato de suma importância. Tanto as populações de várzea como as de terra firme utilizam recursos dos dois ambientes sempre que possível. Residentes de comunidades de terra firme, localizadas próximas as áreas dos lagos também desfrutam de acesso aos recursos aquáticos. Da mesma forma, residentes de comunidades de várzea localizados a margem do rio são favorecidos pelo acesso direto a alguns recursos de terra-firme. Ou seja, os recursos de várzea não são explorados apenas por residentes de várzea e vice versa. Portanto, a divisão dicotômica entre “várzea” e “terra-firme”, é inapropriada para definir relações entre o acesso e os recursos e, consequentemente, estratégias de uso de recursos.

Quando analisadas por categoria de comunidade, a proporção das atividades econômicas apresenta uma variação marcante.  A pesca comercial é muito importante nas comunidades insulares. Grau de especialização e de diversificação das atividades é outro diferencial das comunidades. As comunidades insulares apresentam o grau mais elevado de especialização na pesca comercial. A agricultura especializada é mais presente em comunidades de terra-firme. A criação exclusiva de gado não varia entre as diferentes categorias de comunidades.

Na verdade, as estratégias econômicas desenvolvidas pelas comunidades de margem são mais similares aquelas observadas em comunidades de terra-firme do que em comunidades insulares. As populações que vivem em comunidade insulares enfrentam limitação de acesso a recursos de terra-firme, e dependem principalmente de recursos da várzea. Por outro lado, populações que vivem a margem do rio são duplamente favorecidas pelo acesso físico direto aos recursos de várzea e de terra-firme e, desta forma, apresentam a maior proporção de economia familiar mista, envolvendo pesca, agricultura e criação de animais.

A diferença entre as comunidades insulares e de margem é fundamental para se entender a dinâmica de respostas as novas oportunidades econômicas. O entendimento dos fatores que mediam esses níveis contribui para a compreensão dos problemas de desenvolvimento rural, incluindo políticas de crédito e incentivos, produção e comercialização, arranjos de mão de obra e controle de capital, e os mecanismos sociais de interação entre unidades familiares, comunidades e regionais.

O uso da terra e dos sistemas de produção não ocorre linearmente. A intensificação da produção agrícola não se desenvolve uniformemente como se dependente de um único fator (crescimento populacional ou demanda de mercado). Ela acontece como uma interação desses fatores com outras variáveis como dinâmicas populacionais internas, incentivos e oportunidades de fontes externas (incentivos de projetos de desenvolvimento e oportunidades de mercado). Deste modo a intensificação e a dinâmica de uso da terra respondem a processos multilineares que combinam variáveis operando em escalas, regionais, locais de unidade domésticas e individuais.

Produtores rurais têm percebido mudanças nas oportunidades de mercado, ocorrendo dentro de uma Amazônia cada vez mais urbanizada e internacionalmente integrada, e têm agido no sentido de aproveitar estas oportunidades, por meio da intensificação dos sistemas de produção, do uso de sua base de conhecimento (técnicas de produção). Ao mesmo tempo, produtores e comunidades se aproveitam dos incentivos de projetos de desenvolvimento e subsídio de crédito quando disponíveis. Por exemplo, produtores ribeirinhos tem se aproveitado a oportunidade de mercado para intensificar a produção do fruto do açaí por meio do manejo da floresta de várzea, associados à técnica de plantas agroflorestais.

Entretanto, no nível da unidade doméstica, a habilidade de tirar proveito das oportunidades do mercado é influenciada pela estrutura da posse da terra, pelo acesso aos mercados e aos meios de comercialização.

De um modo geral, os pequenos agricultores da RMM buscam se inserem na economia regional em reposta a oportunidades e ao acesso a mercados consumidores. A posse da terra e a infraestrutura disponível para processamento e comercialização e o acesso ao mercado consumidor, contudo, permanecem sendo um fator significante de impedimento no que concerne a rentabilidade econômica e melhoria de condição de vida.

 

3.    LOCALIDADES E EIXOS DE DESENVOLVIMENTO DA RMM

 

As formações populacionais encontradas no Amazonas e principalmente na Região Metropolitana de Manaus são constituídas de maneira e com objetivos diferentes. Entretanto ao serem analisadas notam-se características na sua formação que permitem enquadrá-las dentro dos modelos de urbanização existentes na literatura.

Considerando-se os diversos contextos e contingência, identificando padrões espaciais de organização, os maiores adensamentos urbanos, a organização de acordo com sua geografia, história e relações externas. O modelo proposto por Becker (1985) que aponta alguns padrões de urbanização regional, baseando-se na diversidade das relações Estado - sociedade civil, nas formas de apropriação da terra e na organização dos mercados de trabalho:

  • Urbanização espontânea - ação indireta do Estado: estradas e incentivos fiscais, povoados e vilas dispersos dominados por centros regionais e ausência de cidades médias;
  • Urbanização dirigida - executada pelo Estado ou companhias colonizadoras. Fundamentada no Urbanismo rural do INCRA que consistia de um sistema de núcleos urbanos-rurais hierarquizados;
  • Urbanização por grandes projetos - Fronteira de recursos isolada, desvinculada com a região, parte de organização transnacional. Depende de bases urbanas para instalações, residência de trabalhadores nas companytown, complementada por favelões que abrigam a mão-de-obra temporária e não especializada;
  • Urbanização em áreas tradicionais - mantém o padrão onde o centro comanda a rede dendrítica;
  • Comunidade Insulares - localizadas nas ilhas de várzea, sem acesso direto aos solos de terra firme;
  • Comunidade de Margem - estão localizadas entre os solos de várzea e de terra-firme e, portanto, desfrutam do acesso direto aos dois ecossistemas;
  • Comunidades de Terra-firme - localizadas em áreas mais altas, próximas ao sistema de várzea.

 

Com as características de Urbanização espontânea podemos identificar as seguintes aglomerações rurais da RMM: no eixo Leste: as comunidades ao longo da estrada Manaus/Itacoatiara, com destaque para Lindóia, colônia dos japoneses, no eixo Oeste;  comunidades ao longo da Rodovia Manuel Urbano e da rodovia de acesso a Novo Airão, com destaque para Manairão;  Norte-Sul: todas as comunidades localizadas em ramais e/ou vicinais na estrada de Balbina a AM 174, com exceção dos assentamentos. O Marco Zero, no Careiro da Várzea. No tipo de colonização de Urbanização dirigida encontram-se 26 assentamentos. Com destaque para o INCRA/AM que mantém sete projetos de assentamento da reforma agrária: Rio Pardo, Morena, Uatumã e Canoas, localizados no município de Presidente Figueiredo; Iporá e Rainha, no município de Rio Preto da Eva; Tarumã Mirim e Santo Antonio, na região  de Manaus. Distrito Agropecuário da Suframa.

Identificamos como Urbanização por grandes projetos as Vilas de Balbina e do Pitinga. Localizadas no município de Presidente Figueiredo. Com essas características de Urbanização em áreas tradicionais encontram-se na RMM Novo Remanso, Vila Engenho, Lago do Limão e todas as comunidades localizadas as margens dos rios.

Com estas características de Comunidade Insulares podemos identificar: Ilha do Careiro, Ilha da Marchantaria, Ilha do Baixio, Ilha da Paciência e todas as ilhas encontradas nas várzeas dos rios Amazonas e Solimões. No padrão de Comunidade de Margem encontram-se todas as comunidades nas margens dos Rios Amazonas e Solimões. Exemplo: Costa do Pesqueiro (Manacapuru), Costa do Marrecão (Manacapuru). As Comunidades de Terra-firme da RMM são: Lago do Limão (Iranduba), Paricatuba(Iranduba), Tumbiras (Iranduba), Tupé (Manaus), Vila do Engenho (Itacoatiara), entre outros.

Estas cidades, vilas e comunidades estão distribuídas nos Eixos de atuação da Região Metropolitana de Manaus, que foram pensados no Plano Diretor da RMM. Eles congregam as seguintes características que norteiam suas necessidades e demandas perante a RMM. Abordando de forma sintética cada um destes eixos podemos traçar o seguinte panorama: 

 

  • Eixo Manaus - Rio Preto da Eva – trecho de estrada já estabelecido com unidades tradicionais familiares. Caracterizado por sítios e fazendas, com presença de empreendimentos de médio e grande porte como granjas e fazendas. Como investimentos de lazer destacam-se o Resort (Golf), e hotéis fazendas, SPA e clubes de lazer. A tendência nos próximos cinco anos, baseando-se no desgastes do solo e no tipo de relevo que exigem grandes investimentos, é que o padrão de empreendimentos deverá ser mantido. Podendo haver uma intensificação nos empreendimentos de lazer melhoramento nas estruturas existentes, migrando de uma estrutura de propriedades familiares para oferta destes serviços ao público da capital manauara. Nos sítios e chácaras localizados nos ramais ao longo deste trecho deverá haver uma redução na pressão imobiliária, uma vez que com a inauguração da ponte sobre o Rio Negro, parte desta demanda migrará para as áreas rurais de Iranduba, Manacapuru e Novo Airão. 
  • §             Rio Preto da Eva - Itacoatiara – neste trecho destacam-se a presença de sítios, fazendas e áreas de plantação, com tendência a manutenção do estado atual ao longo da rodovia, podendo ocorrer investimentos isolados e fusões de propriedades para expansão de estruturas já existentes.  Os distritos de Novo Remanso e Engenho Novo encontram-se em processo de crescimento urbano, com surgimento de bairros a partir de migrantes de comunidades próximas e retorno de moradores de Manaus.

Em Novo Remanso os equipamentos urbanos ainda são escassos, limitando-se a escolas, um pequeno hospital, uma agroindústria, pequenos comércios e um pequeno cemitério.  Na área rural existem grandes investimentos agrícolas, com destaque para as fazendas de gado, bem como pequenas unidades familiares produtoras de vários produtos em pequena escala.  Com o fortalecimento destas características e o já manifesto de interesse de emancipação poderá ocorrer uma pressão social para o melhoramento da estrutura existente e ampliação de problemas sociais já identificadas no local.

Em Engenho Novo os equipamentos sociais são de menor porte, contando apenas com uma Unidade Básica de Saúde, posto policial e escolas. Encontra-se ainda uma agroindústria operada por uma associação de produtores rurais. Com perspectiva de ampliação dos processos produtivos. O fornecimento de energia é feito por Itacoatiara e o abastecimento de água por meio de poços artesianos. Ambos os distritos tem uma ligação forte com o transporte fluvial, no entanto em ambos os portos não oferecem infraestrutura de suporte a esta atividade.

  • §             BR 174Presidente Figueiredo - estrada com ramais tradicionais nos primeiros 40 kms, abrigando comunidades já estabelecidas com acesso principal via estrada, tendo algumas da margem esquerda com acesso via Rio Tarumã. Nestes ramais encontram-se ocupações diferenciadas, com pequenos e médios produtores rurais, fazendas e piscicultura, bem como sítios e chácaras pouco exploradas, operadas por caseiros. No início da estrada, percebe-se a formação de comunidades, criadas a partir de invasões, já com características de bairros urbanos, com estrutura viária, linhas de ônibus e equipamentos sociais como: escolas, posto de saúde, igrejas, comércios, entre outros. Ainda no primeiro terço da estrada destacam-se os pequenos empreendimentos de lazer e alimentação, nas margens dos diversos igarapés que cortam a BR-174. A partir do km 40 percebe-se ramais mais recentes e áreas em processo de ocupação, com risco de desmatamento e formação de conglomerados a partir de unidades desocupadas/vendidas por pequenos agricultores sem recursos para torná-las produtivas. Há ainda a crescente ocupação por sitiantes com objetivo de lazer e produção agrícola. Encontram-se ainda ao longo da BR-174 assentamentos do INCRA, com destaque para Projeto de Assentamento do Canoas e a Projeto de Assentamento do Tarumã. Divididas ao longo do ramal encontram-se ainda unidades experimentais de universidades e Centro de Ensino, com destaque para a Fazenda Experimental da Universidade Federal do Amazonas.

Com a implantação de indústrias (ceras Johnson, Weber quatzolit), usina (Central Termelétrica Cristiano Rocha), unidades produtivas (FATEC reciclagem) e construção de galpões desde o trecho final da Torquato Tapajós. A tendência dos primeiros quilômetros da estrada é de intensificação das ocupações com aumento das áreas ocupadas e valorização das propriedades existentes, exercendo pressão sobre as áreas agropecuárias vizinhas. Ao longo da estrada os investimentos em balneários e restaurantes tendem a expandir e fortalecer, com melhorias e ampliações nos espaços e nos serviços, as propriedades de produção rural e os sítios tendem a aumentar. Os ramais tradicionais deverão manter-se com a estrutura atual e os ramais que surgiram a partir das melhorias na BR 174 apresentam tendências expansionistas com risco de intensificação pela ocupação de novas áreas e desmatamento.

  • Presidente Figueiredo – Balbina – destaca-se a presença de cachoeiras, corredeiras e grutas exploradas comercialmente por seus proprietários, principalmente nos primeiros 15 quilômetros.  Ao longo de todo o trecho encontram-se ramais/vicinais que abrigam uma ou mais comunidades formadas por proprietários de pequenas unidades familiares, com baixa produtividade e subsidiadas pela prefeitura no escoamento da produção.

Alguns ramais, os mais afastados, como o São Miguel apresentam produção de carvão, com expansão das áreas desmatadas. O que pode ser uma tendência pelas dificuldades de fiscalização e pela escassez do produto dado a queda na produção de áreas tradicionais, que por serem mais próximas a Manaus tem sua produção inibida pela fiscalização ambiental.

  • Rodovia Manoel Urbano – Nessa rodovia encontram-se logo dos primeiros quilômetros várias olarias que geram emprego para as populações de cidades vizinhas, bem como para áreas de invasão como o bairro do Mutirão. Após este perímetro possui a característica de unidades agropecuárias familiares e grande número de sítios e chácaras. Com exceção da comunidade na divisa dos municípios de Iranduba e Manacapuru que apresenta um aglomerado urbano com alguns equipamentos sociais. As demais unidades encontram-se nos ramais de acesso as comunidades tradicionais como o Lago do Limão e Paricatuba. A tendência principal na própria Rodovia e nos ramais adjacentes é de valorização das terras, mudança de proprietários e de tipos de uso, já ocasionados pelo aumento demanda a partir da inauguração da ponte e com perspectiva de intensificação com o passar dos anos.  Observa-se uma grande quantidade de propriedades a venda, principalmente nos ramais localizados no município de Iranduba. Outra convergência identificada nessa rodovia é a de multiplicação dos balneários e de estruturas de suporte ao turista que acessa a área com maior frequência devido a facilidade criada com a ponte sobre o rio Negro. Ação desordenada poderá causar impacto ambiental aos igarapés, lagos e nascentes da região. AM 352 – Novo Airão.  Nesta área a maior comunidade é Manairão, com mais de 400 famílias, localizada na divisa com o município de Manacapuru. Nesta estrada prevalecem as pequenas e médias propriedades exploradas por unidades familiares. No município de Novo Airão percebe-se uma redução nas áreas plantadas, pela restrição ao uso da terra o  que ocorre, pois quase todo o município é área de proteção ambiental. No entanto, após a construção da ponte começam a surgir nas margens da estrada novas áreas de ocupação, com desmatamento recente, visando especulação imobiliária.
  • §  BR 319 – Careiro da Várzea – Neste trecho destaca-se o Distrito Gutierrez, no Marco Zero da BR-319. A formação dessa comunidade é peculiar, não havendo identificação com as características já apresentadas. A maior parte da comunidade é formata por casas flutuantes ou palafitas acima da cota de inundação do rio. Possui significativa densidade populacional, fomentada principalmente pelo comércio que atende aos usuários da balsa. O processo de ocupação se dá de maneira aleatória e desordenada, à medida que o único entrave para a construção de moradias. Parcelas da população se avolumam ao redor de trapiches ou ainda em flutuantes a margem do rio, sem nenhum terreno, espaço ou propriedade definida. Os migrantes originam-se de áreas alagadas pelas grandes enchentes, de propriedades vendidas para pecuaristas ou parentes de moradores que vêm uma oportunidade de renda no local. Este cenário desordenado tende a expandir-se aumentando os riscos sociais e ambientais, principalmente caso a restruturação da BR 319 se torne uma realidade nos próximos anos.

 

4.     CONSIDERAÇÕES

 

Dentro da Região Metropolitana de Manaus encontram-se diversos núcleos de atratividade espalhados pelos diversos municípios e desencadeados por razões específicas e regionalizadas, sejam elas sociais, econômicas ou geográficas. No Careiro da Várzea o distrito Gutierrez possui este poder de atratividade latente, que poderá ser intensificado a partir do tráfego gerado pela da reabertura da BR 319. Em Rio Preto da Eva, os ramais localizados no entorno do núcleo urbano, como o Baixo Rio e Francisca Mendes, tendem a serem incorporados a este núcleo. Este processo ocorrerá a partir de loteamentos, construção de condomínios e áreas de lazer, podendo atrair moradores para o município pela sua proximidade e fácil acesso a capital.

Em Itacoatiara, destacam-se os distritos de Novo Remanso e a Vila do Engenho que já apresentam uma pequena estrutura urbana com aparelhos sociais como escolas, hospitais, comércios, entre outros. Recentemente, vivenciaram um processo de expansão causado pelo regresso de antigos moradores que foram beneficiados pelo Programa de habitação PROSAMIM, do governo do Estado. A tendência observada é de que com o aumento de sua atratividade gera um crescimento populacional e adensamento urbano. A implantação de universidades como a UFAM - Universidade Federal do Amazonas, o IFAM - Instituto Federal do Amazonas e a UEA - Universidade Estadual do Amazonas tornou este município um Polo Universitário e trouxe desenvolvimento para o setor imobiliário, de serviço e modernização para os estabelecimentos comerciais. Em Iranduba, além da faixa que já está sendo planejada para ocupação, verifica-se a intensificação da compra e venda de propriedades nos ramais que possuem pequenos núcleos, com alguma infraestrutura urbana e fácil acesso a rodovia Manuel Urbano. Demonstrando o interesse imobiliário e fragilidade destas comunidades frente ao processo de modernização advindo do acesso criado com a ponte, que liga a região com o a área urbana de Manaus. A ponte também promoveu o crescimento dos estabelecimentos ao longo da rodovia, com ampliação, melhorias e surgimento de novos empreendimentos voltados ao atendimento dos turistas manauaras que buscam lazer no município nos feriados e fins de semana. Além disso, a construção da cidade universitária e de condomínios também aponta para o desenvolvimento deste município nos próximos anos.

Em Presidente Figueiredo, devido a pequena distancia, a boa qualidade da BR 174 até a sede municipal e os atrativos naturais, principalmente as cachoeiras, a tendência é de manter-se como local de lazer do público manauara e de turistas que visitam a capital, tendo crescimento moderado pela demanda turística e pela exploração de seus recursos naturais: uso dos recursos hídricos, exploração comercial da água mineral, extração de minérios de seu solo e belezas naturais pelo turismo ecológico.

Nas demais cidades a baixa densidade demográfica, o acesso ainda precário bem como as dificuldades da infraestrutura urbana devem reduzir os impactos oriundos da pressão exercida por Manaus. Por um lado, a garantia de um mercado consumidor para os produtos agrícolas e os repasses para os municípios, e por outro, as discrepâncias entre as duas realidades que resultam em pressão social e migração rural que alimenta as periferias da capital e fornece mão de obra com pouca ou nenhuma qualificação que submetem-se a subempregos ou ao mercado informal.

A RMM tem o desafio de articular uma série de regiões com características e dinâmicas ligadas aos rios, e áreas rurais de várzea e terra-firme, com as pressões oriundas de demandas urbanas advindas de Manaus. Criar as conexões entre é um desafio que pode ajudar a estruturar o cinturão verde que abastece a capital ou mesmo leva-lo à falência, o que como consequência afetaria a própria capital manauara. A construção do equilíbrio, para não usar o jargão da sustentabilidade, entre a floresta e a cidade vai depender das politicas públicas de incentivo as pequenas comunidades e unidades produtivas que estão espelhadas na RMM.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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WAGLEY, Charles. Uma comunidade Amazônica: um estudo do homem nos trópicos. 3ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia: São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.

 



[1] Comunidades são unidades político-administrativas onde se agregam principalmente grupos de parentesco por consanguinidade e afinidade (CAVALCANTE, 2013).

[2] Ramais é o nome local para vias de acesso às comunidades ou propriedades rurais, sendo geralmente de terra e podendo suportar a passagem de veículos, ou não.

[3] Por área de Várzea se compreende a área de inundação sazonal de acordo com os regimes de cheia e enchente da bacia amazônica. A Terra-firme é aquela que esta em uma cota altimétrica maior que a media dos níveis de água durante o período das enchentes (ou cheias) dos rios. 

[4] Por área de Várzea se compreende a área de inundação sazonal de acordo com os regimes de cheia e enchente da bacia amazônica. A Terra-firme é aquela que esta em uma cota altimétrica maior que a media dos níveis de água durante o período das enchentes (ou cheias) dos rios.  

INDAGAÇÕES SOBRE INFRAESTRUTURA EM FAVELAS NO BRASIL: ESTARIA EM PROCESSO UMA REDEFINIÇÃO DE FRONTEIRAS ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO COM A IMPLANTAÇÃO DE REDES DE ÁGUA E ESGOTO?

Mauro Kleiman¹

¹ Universidade Federal do Rio de Janeiro-Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, maurokleiman@yahoo.com.br

RESUMO

Obras de infraestrutura têm sido realizadas em Favelas, instigando a reflexão crítica sobre sua efetividade e impactos no cotidiano. O Estado brasileiro durante décadas ignorou a existência ou considerou como ilegais a moradia em favelas aplicando uma “não-política” de infraestrutura básica deixando as moradias sem acesso a serviços básicos que tem uma inflexão a partir de 1995 quando passa a implantar Programas de Urbanização de Favelas. O texto busca colocar em discussão o papel da implantação de redes de água e esgoto na redefinição das fronteiras entre o público e o privado na articulação das favelas com a cidade formal. A infraestrutura, quando de fato implantada, são dispositivos que implicam em novas condutas, regras compartilhadas, e praticas cotidianas diferenciadas das que faziam parte da realidade das comunidades. Como resultados podemos apontar que as intervenções ainda não conseguem obter uma generalização de atendimento, permanecendo praticas cotidianas constituídas na ausência ou precariedade dos serviços, e ao mesmo tempo configuram novas praticas e normatização, criando duas situações diversas num mesmo lugar: a configuração de um espaço privado mais pleno quando se teve êxito na implantação e efetividade de acesso a água e esgoto pois que isto implica em ter que sair menos da casa em busca do líquido e para descarte de efluentes, mas como este processo não se universaliza existe a permanência de tempos descontínuos de inserção no espaço público para se prover, configurando algo que seria um espaço intermediário, o semi-público, um mundo semi-urbanizado, onde não se completa a passagem para um modo de vida urbano.

Palavras-chave: Água e Esgoto,Brasil, Favelas, Política de Infraestrutura

1. INTRODUÇÃO

A política de infraestrutura em favelas no Brasil caracterizou-se até meados da última década do século XX pelo que denominamos de uma “não-política”, excluindo estes lugares pobres da articulação com os serviços de água e esgoto. Este trabalho busca fazer uma reflexão sobre como a implantação de infraestruturas básicas de redes-serviços de água e esgoto na favela trazem elementos para a redefinição de fronteiras entre o público e o privado na tentativa de articulação com a cidade formal/urbanizada, pois a favela enquanto lugar da ausência e/ou precariedade de acesso a serviços básicos à vida teve que ser espaço da invenção e informalidade na produção da sua estrutura urbanística e da moradia, da busca do provimento dos mesmos.

Ao se pensar a favela as fronteiras entre espaço público e privado perdem a nitidez, na medida em que não existe nela nem uma privatização estrito senso do território, nem a presença do Estado que pudesse lhes inscrever na esfera pública. Mas a ausência e/ou precariedade de acesso-articulação a redes oficiais de infraestrutura como as de água e esgoto, entre outras, fez com que os moradores procurassem, de forma cotidiana e várias vezes ao dia um percurso, uma passagem permanente, ainda que intermitente entre o espaço privado da moradia e o público para se prover de serviços urbanos, enquanto que o Estado brasileiro praticou uma “não –política” isentando-se da implantação de serviços básicos, ou, por vezes,   se fez presente em ações pontuais e parciais( como , por exemplo na “política da bica d’água”), fazendo uma espécie de “ponte” improvisada para uma inserção também intermitente no espaço público. Por outo lado, a partir principalmente dos anos 80 as favelas passaram a ter um “dono”, ligado ao tráfico de drogas que promove uma espécie de privatização velada do lugar, pois tudo que se relaciona com a vida cotidiana, incluso o acesso a infraestrutura deve ter seu aval, apoio, ações e articulações, sendo que cumpre assinalar  que antes deste personagem os presidentes de associações de moradores, e as chamadas comissões de luz, já faziam este papel de intermediação e ação para o provimento de infraestrutura.

A partir de 1995 de maneira mais sistemática tem sido realizadas obras de infraestrutura instigando a reflexão crítica sobre sua efetividade e impactos no cotidiano. Ao introduzir-se redes coletoras de esgoto e de abastecimento de água os moradores passariam a ter a possibilidade de não necessitar obrigatoriamente de sair de casa para fazer atos fisiológicos e buscar o líquido, propiciando-lhe certa autonomia e isolamento, com valorização da vida privada. Ao se implantar estas infraestruturas básicas se traz com elas as regras de compartilhamento de um serviço coletivo, sua tributação através de taxa de acesso, suas normas e a necessidade do aprendizado de seu uso, o que deve ensejar mudanças culturais, incluso nos hábitos de higiene corporais e de organização e limpeza das casas e da cidade.  Ao mesmo tempo em que valoriza o privado estar articulado a redes oficiais de água e esgoto oferece a possibilidade de pertencimento podendo o morador assumir seu lugar na cidade formal.

Mas este processo não é algo dado, não tem uma lógica de resposta imediata. A infraestrutura urbana contemporânea é fruto de um processo histórico complexo onde mesclam-se mudanças na economia, transformações tecnológicas, progressos nas noções e conceitos de higiene, entre outros elementos, e da necessidade do Capital de reorganizar a cidade para impulsionar a cooperação urbana que é a base de sua economia, e readequar o uso da urbe pelas classes sociais. A passagem para este novo âmbito urbanizado não se dá de imediato nem sem reações. Não foi um processo trivial. Basta lembrar como ocorreu a introdução das modernas redes de água e esgoto em meados do século XIX em Paris e Londres, onde inicialmente foi necessário impor (dada à resistência encontrada), aos moradores construírem banheiros no interior das casas, o difícil aprendizado do uso do vaso sanitário e o impacto na sociabilidade pelo fato de não precisar mais sair de casa para ir ao banho/banheiro público, e para pegar água. À imposição de equipamentos e hábitos seguiu-se a educação escolar que, ao longo do tempo, conduz a novas práticas que serão corriqueiras, mas as mudanças culturais da imposição das redes de água e esgoto implicaram num choque com a configuração das práticas cotidianas consolidadas em séculos de ausência do acesso direto e encapsulado na casa destas redes. Assim o processo de introdução de água e esgoto nas favelas brasileiras acompanha este caminho de uma passagem não trivial do espaço não urbanizado para o urbanizado e apresenta indagações sobre a redefinição na articulação entre favela e cidade formal.

2. Estratégias de provimento na ausência e/ou precariedade de infraestruturas básicas de água e esgoto nas favelas brasileiras

Tratando a problemática da articulação de comunidades populares a serviços básicos a partir de um corte analítico da infraestrutura que traspasse seu entendimento corrente como objeto apenas técnico, considerando-o na sua dimensão social como equipamento de solidarização urbana, podemos refletir sobre as táticas e práticas desenvolvidas pelas camadas populares das favelas para prover-se daquilo que é básico a vida cotidiana e não tem acesso. No caso das favelas a ação de provimento remete para a família e sua inserção intermitente, diária, várias vezes ao dia, no espaço público, e no desvio do uso de diferentes materiais e insumos e sua “reinvenção” para novos usos na moradia.

O campo teórico e empírico do tratamento da infraestrutura não como objeto estanque, mas como processos articulados em rede compreendidos como forma de organização que conjuga possibilidades técnicas com atendimento social de um território dado, e seus nexos com o processo de urbanização articula o pensamento sobre a cidade em termos de processos socioeconômicos com a dimensão cultural. Assim, no caso brasileiro, a noção da persistência da segregação sócio-espacial com desigualdade de acesso às condições de vida centrada na análise do resultado da ação de grupos sociais que apropriam-se de seus benefícios deve ser complementada e articulada à analise das formas de proceder, do conjunto  dos processos com os quais os indivíduos organizam suas respostas ante as condições de vida no universo da práticas cotidianas conforme estudos de “ Lefebvre ( 1972)”e “De Certeau (1994)”.

A questão da água e esgoto nas cidades brasileiras tem sido estudada notoriamente através de um enfoque macroeconômico, e das macro-políticas de saneamento, mas se esta é uma consideração necessária, impõe-se sua conjugação à reflexão que fazemos com o lugar vivido, o micro-local, onde concretamente a existência ou não dos serviços básicos aparecem como condição que possibilita relação com o espaço citadino. O tratamento da questão da infraestrutura nas cidades apenas através da ótica do consumo, da ação regulatória do Estado e seu papel na captação dos recursos para implementá-la e na distribuição, enfocando as condicionantes de sua gestão necessitam da agregação da compreensão do papel e lugar da infraestrutura na produção do espaço urbano conferindo-lhes as condições de uso, e como processos articulados em rede ligando física e socialmente os elementos da cidade relacionando-o ao processo de urbanização como contribuinte à sua estruturação. Ampliando esta compreensão a abordagem “Graham e Marvin” (2001) entendem o papel da infraestrutura na estruturação das cidades e “Dupuy (1985)” e “Amar (1987)”invocam sua pertinência como equipamento de solidarização urbana por meio de prestação de serviços, o que permite sua análise vis-a-vis as classes sociais e sua efetividade como evocam “Jacobi (2000)” e “Kleiman (2004)”. Toma-se, então, um enfoque  micro-localizado e suas micro-rotinas de acordo com “Remy e Voyé (1992)”e “Maffesoli (1993)” resgatando-se a pesquisa de campo nos espaços vividos (sociologia de observação); visitando os lugares, travando contato com a comunidade, observando seus hábitos e resgatando sua percepção sobre suas condições como método advogado por “De Certeau (1990)”; entrevistando conforme “LeFebvre (1972)” como maneira essencial de conhecer e compreender as condições de habitabilidade  e as práticas cotidianas.

No processo de urbanização brasileiro o acesso a água tem como marca principal a forte desigualdade sócio-espacial, sendo assimétrica, beneficiando as camadas de maior renda, observando-se ausência e/ou precariedade de atendimento para as comunidades populares. Trata-se de um padrão de distribuição regressivo. Por um lado, observa-se uma política para redes completas com nível satisfatório de serviços sendo constantemente renovadas e expandidas e tecnicamente sofisticadas nas áreas em que havia um nexo aparente entre os interesses do capital imobiliário e a moradia de camadas de maior renda” Kleiman (2002)”. Por outro lado, o Estado exime-se de prover acesso aos serviços para as camadas de baixa renda. Tem-se uma "não-política" onde destaca-se a ausência de redes completas, o não-provimento de serviços ou seu mal provimento com uma configuração lenta, descontínua, sem manutenção e com problemas de operação em áreas de residência de camadas de baixa renda, principalmente em favelas e loteamentos periféricos. Essas áreas, em principio sem interesse para o capital imobiliário, ficaram excluídas da conexão com as redes durante mais de seis décadas. Dado a limitação de recursos para a infraestrutura, e uma hierarquização que privilegia a reprodução do capital e dos capitais que têm como marco de lucro o espaço urbano, a disputa por sua apropriação é bastante acirrada com os diferentes grupos sociais tendo seu atendimento subordinado a interesses prioritários. Para esses grupos sociais, contara, então, o seu peso econômico e capacidade de pressionar o Estado, o que tem determinado uma forma desigual de infraestrutura com o direcionamento para as camadas de maior renda. Como as redes têm natureza coletiva, de difícil visibilidade discriminou-se seu acesso a partir da base espacial, tendo como efeito uma aguda segregação social. Para as áreas de habitação das camadas sociais de renda baixa encontra-se a situação dramática, com uma “não-implantação”, um “não-provimento” ou um atendimento precário que deixou nas favelas (ou que denominação tenha em cada região: mocambos, invasões, palafitas, etc.) e loteamentos de periferia, uma legião de “sem-serviços” e/ou “mal-servidos”.

O Estado, durante pelo menos seis décadas, utilizando-se do argumento jurídico que anotava como irregularidades, ora a ocupação das terras onde fincavam-se as moradias, no caso das favelas, por exemplo, ora a clandestinidade e/ou irregularidades urbanas dos loteamentos, pratica uma política de ausência, não articulando essas áreas de habitação populares às redes de água e esgoto, colocando-as à margem da cidade oficial/legal. As favelas foram excluídas da articulação com redes de água e esgoto durante um longo período de sete décadas. Prevalecem as ligações clandestinas e bicas para a água e esgoto a céu aberto em “valas negras”. Nestes âmbitos não-urbanizados ou de precária urbanização não é possível dissociar esfera pública da esfera privada, existindo uma valorização do público, do espaço externo a moradia, não no sentido estrito senso do público como lugar da ação política e sim de uma externalidade obrigatória para se prover de serviços básicos. Tendo em vista este quadro, estratégias cotidianas foram configuradas pelos moradores para provimento de água e descarte de esgoto, em formas individuais ou coletivas, como ações de desvio de uso de dispositivos oficiais ou não, de ruptura com as normas legais, e práticas cotidianas no espaço da moradia ou público, numa porosidade intermitente entre os dois, e no tempo na repetição de gestos e micro-ações nem sempre iguais ou regradas.

As soluções individualizadas no caso da água são tanto aquelas que os moradores fazem e/ou utilizam por si próprios – poços, bomba manual, cisternas para guardar água de chuva; ou pegam de rios, fonte pública ou bica fora do domicílio; ou que pegam em algum vizinho; como aquela pela qual pagam, no caso dos carros-pipa. Todas estas soluções implicam em táticas e práticas cotidianas que ocupam parte do tempo e do esforço familiar. A água de poço e de cisternas que estejam no interior das casas exigem que se puxe-a várias vezes ao dia e conduza-a em baldes para as panelas da cozinha, para o vaso sanitário, para o banho ou, se possui-se caixa d’água, enchê-la a cada dia, ou com maior intervalo (dependendo da sua capacidade).

Pegar água fora do domicílio em rios, nascentes, fontes ou bicas implica além da rotina de puxá-la e carregá-la, sair constantemente da casa várias vezes ao dia. A vida gira em torno da busca pela água e seu consumo. Apesar desta dificuldade, sair de casa para buscar água implica também numa outra sociabilidade, pois se várias famílias fazem o mesmo durante cada dia, acabam encontrando outras famílias e isto passa a ser um lugar de trocas de histórias de vida, opiniões, fofocas, etc. Usa-se, igualmente, como uma tática, mas em menor escala, pagar para chamar um carro-pipa com água para abastecer as caixas, somente uma minoria dispõe de alguma sobra para ter. Para os que podem, esta forma evita ter que sair de dentro de casa, ou mesmo ir à rua, e tem chance de uma qualidade biológica melhor da água pois a proveniente de poço, de rios, de fontes é, em geral, salobra e é permeável aos resíduos do lixo e do esgoto que corre a céu aberto. As doenças por veiculação hídrica são constantes: diarreias (principalmente em crianças), verminoses, hepatite, etc. A outra modalidade de solução individualizada, muito comum, trata-se da tática de ligação clandestina fazendo-se uma conexão na canalização oficial mais próxima. É o conhecido “gato”, presente onde quer que encontre-se a população pobre. Cada qual furando para conectar-se à canalização oficial relacionam-se um a um: por vezes um “gato” ramifica-se em vários canos para cada casa, numa superposição de tubulações de plástico, na maior parte dos casos colocados ao rés do chão, sujeitos a água misturar-se com o esgoto que corre a céu aberto, resíduos de lixo, urina de animais (principalmente ratos). Quem tem “gato” pode manter uma rotina mais “caseira”, mas estará submetido então aos problemas das redes oficiais que chegam próximo às áreas populares: irregularidade no fornecimento, oscilações de pressão na água. Isto pode conduzi-los a ter que ter também poço, cisterna, ir à bica, etc.

Quanto ao esgoto, as soluções individualizadas encontradas apontam para a maior gravidade do problema. Como para as áreas populares tem-se ainda menos redes de coleta que abastecimento de água as soluções individuais implicam em práticas cotidianas que tornam a vida muito difícil. Nas áreas mais pobres, onde as moradias são barracos de madeira, sequer tem-se banheiro. Nas moradias em palafitas o “banheiro” em geral é um furo no chão, lançando-se o esgoto diretamente na maré. As necessidades fisiológicas também são feitas em “balões” de jornais velhos ou sacos plásticos e atirados na lama nos charcos, nos rios e mar. Usa-se também simplesmente sair de casa e urinar ou defecar. As fezes espalham-se e vão contaminar os poços de onde tira-se a água. Outra maneira, onde tem-se banheiros com vasos sanitários, é lançá-lo a céu aberto em valas (chamadas “valas negras”) que correm nos becos e vielas ao lado das casas, espalhando-se ou empoçando em caso de chuva. Quando as casas, individualmente, têm tubulação lançam na vala em frente. A outra modalidade de solução individualizada é a fossa rudimentar, onde um buraco no solo armazena as fezes.

À semelhança do ”gato” para a ligação para o abastecimento de água, encontra-se também a tática da ligação clandestina de esgoto, o chamado “espeto”, quando o morador leva tubulação de sua moradia até uma canalização de águas pluviais (mais raramente “espeta” na rede coletora de esgoto, pois nas áreas populares eles são mais raros) e conecta seu esgoto. Como na água isto é feito, em geral, um a um, num emaranhado de canos com dimensões muitas vezes menores que o suficiente para escoar o esgoto, ocorrendo entupimentos. As táticas e práticas individualizadas buscam transformar o “não-lugar” dado pela não urbanização num lugar, priorizando a ação do ator individual, fazendo uma repetição de gestos em temporalidades e ritmos sem regularidade plena e espacialmente difusos e múltiplos, implicando numa porosidade desregrada e intermitente entre espaço privado e público. Trata-se de movimentos de externalidades obrigatórias, sem vínculos coletivos explícitos, para se prover de serviços básicos.

Já as estratégias cotidianas coletivas são fruto da ausência do Estado em combinação com formas de conscientização das necessidades que ultrapassam interesses individuais. Diante da ausência do Estado, à semelhança da auto-construção da moradia, as camadas populares terão igualmente o sobre-trabalho de auto-construírem sua infraestrutura de água e esgoto. A auto-construção coletiva pressupõe uma passagem das soluções individualizadas para uma ação social participante, num processo de conscientização. Esta passagem que implica em práticas cotidianas sociais-políticas construídas e desenvolvidas pela coletividade, tem tido também um longo processo através de movimentos populares reivindicando acesso às melhorias nos serviços urbanos, e participação nas decisões governamentais, entre as quais na questão do saneamento básico. Contribuíram assim para a conscientização e difusão da necessidade de alternativas coletivas de água e esgoto, enquanto persistem nas demandas junto ao Estado. A auto-construção coletiva mostra uma percepção do papel social da água e da possibilidade de alteração na vida cotidiana ao ter água canalizada. A organização coletiva em “mutirões” para auto-construir soluções alternativas permitiu a criação de redes possibilitando trazer a água para dentro das casas, ao invés de buscá-la individualmente fora dela. Estas ações coletivas configuram redes alternativas ao conjugarem a observação de como estas são feitas, com os conhecimentos de trabalhadores da construção civil – pedreiros, encanadores, marceneiros, eletricistas, etc. – que, habitando nas favelas, em conjunto com outros moradores, foram construindo os serviços de água e esgoto. Em geral, o trabalho de construção é realizado nos finais de semana (quando juntam-se também as mulheres e as crianças) e podem prolongar-se por muito tempo, de acordo com a possibilidade de compra dos materiais. As redes alternativas podem ser totalmente clandestinas, como o “gato” para água e o “espeto” para o esgoto; ou, ainda que seja clandestina, serem mesmo apoiadas por políticos, que “doam” os canos ou manilhas. Tanto nas favelas de morro como nas planas, na maioria dos casos, a rede alternativa tem uma primeira canalização que conecta-se na rede oficial e em seguida faz-se um emaranhado de canos que distribuem para cada domicílio dado a estrutura urbana de vielas e becos não permitir como na cidade oficial um tronco principal os ramais de cada rua e a distribuição para as casas. Nas casas, a maioria tem caixa d’água; seria como uma “árvore”, inúmeros galhos superpostos, de copa com grande diâmetro. Em algumas favelas de morro a invenção foi a criação rede de distribuição aérea para poder chegar ao denso conjunto de domicílios, uns sobre os outros.

Pela maneira alternativa construíram-se inúmeras redes de água e observa-se que existem em menor número redes de esgoto. Isto tornou a situação mais dramática, pois a maior oferta de água acarreta mais esgoto. A conscientização sobre a necessidade de coletar o esgoto parece mais difícil para os moradores, pois o consideram à semelhança do lixo, como algo que “sai”, sendo entendido como descartável, não precisando ser coletado. Com a conscientização proveniente das discussões e esclarecimentos nas associações de moradores da articulação entre água e esgoto e da proveniência e facilitação de doenças por carência deste várias comunidades procuraram construir rede de esgoto alternativa. Seus hábitos cotidianos e a cultura configurada ao longo do tempo os conduziram a uma obra para instalação de uma rede de esgoto com maior custo, pois pensam em carrear para os canos conjuntamente com a água da chuva, o esgoto líquido e sólido, inclusive móveis usados, roupas, garrafas de plástico, lixo, etc. Assim sendo, quando constroem uma rede de esgoto fazem-na do tipo unitário numa tradução adaptada do sistema francês “tou-à-l’égout”. Usam canos de grande dimensão (150 mm), em geral não utilizam elementos de inspeção e limpeza, poços de visita (em parte porque encarece a obra, em maior parte porque acreditam que com tubos de grande diâmetro não irá entupir). Na ligação com as casas, o vaso sanitário é articulado direto com a rede sem fossa séptica e caixa de passagem, assim como a água servida de cozinha não passa por caixa de gordura. O conjunto todo é carreado diretamente para a canalização mais próxima, em geral a de águas pluviais e daí direto, sem tratamento, para os rios, baías, etc.

As estratégias coletivas evocam uma inserção no espaço público como lugar da ação política com a prioridade passando dos atores sociais individuais para a solidariedade comunitária. É uma inserção na esfera pública, como tática clandestina para a busca do mundo urbanizado, onde através da pratica e solidariedade comunitária tenta-se valorizar a esfera privada -a moradia- ao prove-la de água e da possibilidade do descarte do esgoto, pois implica em ruptura com ritmos e temporalidades de gestos e ações externas desregradas e espacialmente difusas.

3.  Implantação de “dispositivos” de infraestrutura nas favelas e seus impactos nas estratégias     cotidianas: redefinição na articulação com redes de água e esgoto?

A implantação de infraestruturas de água e esgoto em favelas implica em mudanças culturais, espaciais, e nas relações e fronteiras entre as esferas pública e privada, alterando praticas cotidianas.  Será somente a partir de 1995 que passa a formular-se e aplicar-se uma política que pretende implantar, de forma abrangente e sistemática, redes de água e esgoto nas comunidades populares. A política induzida e financiada por organismos multilaterais (BID, OCDE) com contrapartida dos governos estaduais, locais, e mais recentemente da União, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) propõe implantar conjuntamente redes de água e esgoto, contendo todos os elementos que, articulados, podem possibilitar a existência de serviços urbanos básicos, pretendendo-se incluir as comunidades populares na cidade oficial/legal.Esta política faz-se através de um desenho de um padrão em comum: tem porte hiperdimensionado e sofisticação técnica, sendo de natureza macro-estrutural; uma aplicação caso a caso(não se trata de programa geral de saneamento de favelas  respondendo a determinada situação dada emergencialmente, englobando nova organização urbanística e, por vezes, nova tipologia de moradia, e exigem , principalmente, medidas administrativas, normas, regulamentos, regras compartilhadas e taxação dos serviços, tudo antes inexistente nas favelas. Neste sentido, poderíamos pensar que redes e serviços de água e esgoto caberiam no enunciado de “ Foucault(2011: 244-47)” sobre “dispositivo” na medida que implantar redes oficiais e equipamentos de infraestrutura de água e esgoto introduz nas favelas toda uma gama de novos objetos acompanhados por regras e normas oficiais que colocam a necessidade de redefinir rotinas, gestos, ações, condutas próprias do mundo urbanizado.

Os programas de água e esgoto para áreas de renda baixa sejam os concluídos, ou em andamento, de fato tem trazido “dispositivos” como elementos que impactam e alteram a vida dos moradores de favelas. No Rio de Janeiro, por exemplo, os programas “Despoluição da Baía de Guanabara”, o “Nova Baixada”, o “Favela Bairro”, e os mais recentes do PAC apresentam componentes que possibilitariam de fato a configuração de verdadeiras redes de água e esgoto. Estes elementos estão sendo executados. A primeira questão, contudo, que se coloca, é que dados os atrasos, obras não conclusas, instalações apenas de engenharia civil, e falta de partes do que seriam a rede, o cumprimento da efetividade social dos serviços ainda não se fez sentir, ou apenas se fez pontual e parcialmente.

Nas áreas onde a prática cotidiana era de pegar água de poço, bombeá-la na rua ou fazer a ligação clandestina, e criou-se a expectativa de ter abastecimento canalizado com água tratada, a decepção é muito intensa de ver obras de engenharia prontas , mas onde, por exemplo, a água não chega às moradias por conta da inexistência de rede de distribuição para as casas. Em áreas onde conseguiu-se concluir as obras, a vida diária mudou: alteram-se as temporalidades, os ritmos, rompem-se as repetições da obrigatória saída da esfera privada para inserção na pública em busca do líquido. Como não existe completude registram os moradores problemas de freqüência – a água não entra diretamente – insuficiência de volume para as necessidades familiares diárias, e muitos problemas de variação de pressão. Apareceram também indicações de problemas na qualidade biológica da água. Mas se constata um “descasamento” entre as obras de água e esgoto: em algumas favelas foram feitas (ainda que algumas obras apenas parcialmente) obras de esgoto e não as de água, em outros as de água e não as de esgoto; em outros casos faz-se a pavimentação e drenagem das ruas, mas não a rede de esgoto, em outras pavimenta-se as ruas mas não se faz a rede de águas pluviais.

No que concerne mais especificamente ao esgoto se observa, igualmente, obras paradas ou inconclusas. Onde se construiu rede de coleta domiciliar, o sistema aplicado ao invés de ser o separador absoluto como determinado no projeto acabou sendo o unitário que junta água de chuva com esgoto. Esta “solução” provoca problemas de entupimentos, vazamentos e retorno de esgoto às casas, pois os canos do esgoto foram dimensionados para o sistema separador. Apesar de terem sido executados mecanismos de inspeção e limpeza o sistema unitário não da conta do volume de água de chuva somado ao de esgoto. Onde a rede coletora atendeu ao especificado no projeto, o cotidiano modificou-se, pois eliminou-se o mal cheiro, a impossibilidade de sair à rua, etc. Mas existe o problema do destino do esgoto estar sendo a rede pluvial mais próxima, por ausência da obra do tronco coletor que levaria o fluxo para uma estação de tratamento que não previa este tipo de fluxo e matéria.

Outro ponto assinalado é que, onde foram feitas as obras, existem problemas de manutenção e operação das redes: vazamentos na rede água, rompimentos e entupimentos na rede de esgoto demoram muito a serem consertados ou não o são. Apesar de implantação de redes oficiais ocorre que, no mais das vezes, os bairros no entorno das favelas têm ausência ou precariedade de funcionamento das redes (notadamente a de esgoto), e por outro lado, o efetivo funcionamento das redes construídas mostram problemas de operação, pois a Cia. Estadual não quer assumir rede feita pela prefeitura, ou se faz a ligação não faz a manutenção, o que impede a efetividade plena dos serviços. Persistem, assim, alguns problemas de pressão, com variação ao longo do dia, não atingindo homogeneamente todas as casas. Ainda verificam-se manobras para levar água e uma parte a outra, e aponta-se, também para abastecimento irregular( por exemplo é comum a água entrar duas vezes por semana ao invés de diariamente, ou faltar água uma vez ao mês por uma semana), assim como a questão de manutenção mostra-se difícil, com tempo para consertos chegando a levar de 10 a 14 dias, e de entupimentos na rede de esgoto que extravasa em vários pontos. Os moradores, observando sua não resolução pela companhia de água e esgoto, procuram resolvê-lo de maneira alternativa, vazando a tubulação ou lançando, de novo, o esgoto a céu aberto, apontando também, que nas favelas (principalmente nas de maior porte) só atendem-se parte dos domicílios.

A implantação de “dispositivos” de infraestrutura de água e esgoto nas favelas e o quadro encontrado a partir dessa ação permite uma reflexão sobre seus impactos na vida e estratégias cotidianas indagando-se sobre sua implicação na redefinição das fronteiras entre público e privado. Mas se observa um “descasamento” entre a cultura e hábitos das comunidades e técnicas implantadas, normatizadas e regularizadas, pois se a introdução de água e esgoto de fato introduz um elemento de novidade no processo de urbanização brasileira, pois dotariam áreas de camadas populares através de uma política o que se coloca, contudo, é que a introdução de serviços básicos se faz por meio de um padrão idêntico ao utilizado nas áreas de maior renda: um desenho hiperdimensionado, com obras de grande porte e com sofisticação técnica, com alto custo, e que não toma em conta  a tipologia habitacional e a estrutura urbana das favelas, e não observa que se desenvolveu e consolidou-se de um conjunto de práticas cotidianas que configurou-se na ausência de política de infraestrutura básica para estes assentamentos.Ao seguir nas favelas o padrão de infraestrutura das áreas de maior renda poderia se pensar que o Estado procura uma integração plena destes assentamentos na cidade os formalizando. Estas escolhas evidenciam a busca de fazer prevalecer às mesmas normas e regras e seus consequentes comportamentos e condutas rexistentes na cidade formal nas favelas. Isso significaria, se de fato a implantação obtivesse resultados plenos, que: (a)os moradores teriam que(de maneira rápida) apreender um conjunto de códigos, normas, regras para uso dos “dispositivos”; (b) poderia conduzir a uma valorização do privado, a uma “intimização” da vida cotidiana, rompendo a temporalidade da repetição de ações individualizadas para se prover de água e descartar esgoto, (ações que tem ritmos próprios e desiguais por seu caráter individual, possibilitando uma dissociação entre público e privado. Esta intenção de estender as mesmas normas e regras da cidade formal para as favelas será colocada em contradição , pois no que se pode acompanhar, observar com olhar técnico, e se confirma nas entrevistas com moradores, a utilização do mesmo padrão de redes da cidade formal não tem conseguido estabelecer na plenitude, prover redes com todos seus componentes e faze-las funcionar com todas suas propriedades de forma a prestar serviços continuados e suficientes para a vida diária, o que não permite a intenção primeira de valorizar o privado separando-o do público ao não tomar em conta  a cultura e práticas cotidianas  configuradas na ausência e/ou precariedade de serviços básicos, e querer altera-la de chofre, não obtém êxito pleno e continuado na passagem entre o âmbito não-urbanizado ou semi-urbanizado para o âmbito urbanizado, de modo que os ‘dispositivos” introduzidos não conseguem ser compreendidos e usados. A pretensão  de uma integração com a cidade formal e inclusão social envolve completar um percurso que estaria em curso na direção de um âmbito urbanizado, mas que parece carecer de um entendimento que este processo, que se trata na verdade de uma semi-urbanização em algumas favelas ou em parte de algumas favelas, e de persistência da não-urbanização em outras, este processo não é igual a similares na cidade formal, pois  nas favelas sua concepção esta eivada de desvios de uso, de invenções e estratégias para provimentos alternativos próprios das respostas viáveis às condições de vida dos moradores. Não seria possível, assim, fazer a apropriação das tipologias de moradia existentes e de parte da estrutura urbanística, como tem sido tentado pelas intervenções públicas ainda assim parcialmente, sem procurar entender e aceitar,  ou pelo menos dialogar, com as estratégias cotidianas e a cultura que se configurou na vida dos moradores, expressados na estrutura urbanística e tipologia de moradia das favelas. 

Não se trata de algo trivial a passagem da ausência e/ou precariedade de redes e serviços de água e esgoto para a sua disponibilidade, pois esta implica em novos hábitos cotidianos envolvendo mudanças na higiene corporal, no preparo de alimentos, na limpeza das casas, na saúde. Trata-se de uma mudança de modelo cultural que ao introduzir novos “dispositivos” traz consigo outras regras a serem compartilhadas e seguidas como condutas obrigatórias, e uma inscrição tributária na taxação de acesso e consumo de infraestrutura e seus serviços que conduzem a novas práticas cotidianas, mas que são processos necessariamente lentos e que envolvem a compreensão do que se passa- ou seja da intenção do Estado de agregar os moradores das favelas no âmbito urbanizado, onde valoriza-se o privado e o separa do público  e obter a aderência dos moradores a este processo e a este âmbito, sem que tenha existido efetiva consulta aos moradores, e muito menos e fóruns de participação democráticos para tal.

A introdução de “dispositivos” de infraestrutura compondo redes e serviços de água e esgoto trata-se de uma cultura que está sendo trazida mas não traduzida para a população de baixa renda, que inclusive sequer recebe instruções de como fazer uso de algo que nunca usaram, ou usaram na invenção do improviso . Os moradores, por vezes, reagem reativando suas redes alternativas, não aceitando o elo com a rede oficial por esta não estar de acordo com suas práticas cotidianas cristalizadas, e não atendê-la de acordo com suas necessidades. Se observa, assim sendo, a construção de uma indefinição entre público e privado, a configuração de rimos desiguais e difusos de ações ora para valorizar o privado quando os “dispositivos” implantados se efetivam para as atividades da moradia, ou quando funcionam com regularidade, ora para inserir os moradores no público para continuar as se prover de água e esgoto se ainda não contemplados pela intervenção pública, ou quando existem falhas na operação e manutenção das redes instaladas.

As redes de infraestrutura são dispositivos que colocados num território, ainda a mais num lugar como as favelas que estão à margem da cidade formal, possibilitam alterar normas, regulamentos, regras e implicam em novos comportamentos e condutos. No caso das favelas o Estado acredita que ao implantar estes dispositivos os moradores poderiam ser “automaticamente” inseridos num âmbito urbanizado valorizando-se a dimensão sociocultural do domínio privado, e que os indivíduos absorvam o código de normas e procedimentos da cidade oficial, ao reconhecer no seu lugar as mesmas condições de vida (pelo menos no que toca a água e esgoto) que nas outras partes da cidade. Assim o modelo dos programas, idêntico ao do desenho das redes do restante da cidade, “apagaria” a inserção intermitente no espaço público para se prover de serviços, se de fato modificasse as condições de vida. A dificuldade é que como se trata de implantação de infraestrutura que tem atingido apenas algumas comunidades populares, e muitas vezes até somente parcelas no interior destas, será nas partes onde tem êxito que pode-se observar que cessam os caminhos percorridos para buscar água, levando à uma “intimização” da vida, com um tempo de vivência mais contínuo mantendo-se aos não atendidos a passagem cotidiana e intermitente para estes entre esfera pública e privada.

As indagações que se colocam com as intenções e intervenções urbanizadoras do Estado em favelas envolvem a questão sobre se as condições anteriores foram alteradas de forma a compor um novo tipo de espaço em contraste com o âmbito não-urbanizado ou semi-urbanizado e sobre as mudanças culturais pretendidas. As respostas a estas indagações se o “antes” se transforma no “novo” é que não se apagou plenamente o “antes” nem se estabeleceu tampouco o “novo” por completo. Em âmbitos não-urbanizados ou semi-urbanizados improvisadamente como encontrados nas favelas brasileiras, a valorização da esfera pública se fez em movimentos difusos e em ritmos repetitivos mas desregrados por conta de ações individuais, embora , em determinados momentos, tenha se constituído a esfera pública como lugar da ação quando a prioridade da solidariedade comunitária configurou redes clandestinas para se prover serviços de infraestrutura básica alternativa. Estar num âmbito não-urbanizado ou semi-urbanizado possibilitou passagens entre o público e o privado, porosidades entre favela e cidade formal. Mas efeitos da incompletude das intervenções do Estado, são a não redefinição plena da articulação dos moradores das favelas com redes e serviços de água e esgoto, tendo como efeito a não dissociação e separação  entre espaço público e privado que é próprio de âmbitos urbanizados, mas permanece um conjunto difuso de passagens, porosidades e percursos entre um e outro espaço no interior das favelas, criando espaços intermediários semi-públicos e semi-privados com a sinalização que se evidencia que não se completou a valorização do privado, ou seja a moradia ainda não contém, ou não esta articulada  a todos os elementos básicos para a vida cotidiana.

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