Visualizar - Revistas | Chão Urbano

Chão Urbano

Chão Urbano ANO XV - Nº1 JANEIRO/FEVEREIRO 2015

08/05/2015

Integra:

ANO XV – N° 1 JANEIRO/ FEVEREIRO 2015

 

Editor

Mauro Kleiman

Publicação On-line

Bimestral

Comitê Editorial

• Mauro Kleiman (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

• Márcia Oliveira Kauffmann Leivas (Dra. em Planejamento Urbano e Regional)

• Maria Alice Chaves Nunes Costa (Dra. em Planejamento Urbano e Regional) - UFF

• Viviani de Moraes Freitas Ribeiro (Dra. Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ)

• Luciene Pimentel da Silva (Profa. Dra. – UERJ)

• Hermes Magalhães Tavares (Prof. Dr. IPPUR UFRJ)

• Hugo Pinto (Dr. em Governação, Conhecimento e Inovação, Universidade de Coimbra – Portugal)

IPPUR / UFRJ

Apoio CNPq

 

LABORATÓRIO REDES URBANAS

LABORATÓRIO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

 

Coordenador Mauro Kleiman

 

Equipe

 Carla Caroline Damasceno Lopes, Flávia Garofalo, Gizele da Silva Ribeiro, Larissa Ling Gonçalves Setianto.

Pesquisadores associados

Audrey Seon, Humberto Ferreira da Silva, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas, Maria Alice Chaves Nunes Costa, Viviani de Moraes Freitas Ribeiro, Vinícius Fernandes da Silva, Pricila Loretti Tavares.

 

ÍNDICE

Transportes, desigualdades sócio-espacial e políticas urbanas: o papel das estações metroferroviárias na produção de uma melhor coesão urbana.

 

André Luiz Bezerra da Silva................................................................................p.3

 


TRANSPORTES, DESIGUALDADE SÓCIO-ESPACIAL E POLÍTICAS URBANAS: O PAPEL DAS ESTAÇÕES METROFERROVIÁRIAS NA PRODUÇÃO DE UMA MELHOR COESÃO URBANA[1]

André Luiz Bezerra da Silva[2]


1. Introdução

       Processos de renovação de áreas urbanas vêm sendo realizados em várias partes do mundo, muitas vezes em áreas degradadas ou ociosas, como uma alternativa possível à expansão urbana, objetivando um aproveitamento e uma otimização da estrutura pré-existente. Ações desse tipo, embora quase sempre pontuais, podem produzir uma melhoria ambiental e valorização do solo nas áreas onde ocorrem, amenizando ou mesmo eliminando alguns obstáculos aos diversos investimentos na cidade. Algumas áreas urbanas podem se tornar subutilizadas ou ociosas por várias razões, a exemplo das antigas áreas industriais, os antigos eixos ferroviários e as áreas portuárias antigas. Essa situação muitas vezes pode conjugar uma gama de possibilidades e processos urbanos, podendo influenciar em novas formas de organização interna da cidade.

       Nesse contexto alguns fixos e fluxos buscam novas orientações na cidade, onde concentrações e dispersões são realocadas, buscando otimização e velocidade para a reprodução dos investimentos de médio e longo prazo, com algumas variações espaciais que incluem, dentre vários fatores, as inserções e/ou otimizações de estruturas de circulação e  transporte público, que acabam por valorizar e ressignificar alguns espaços (NIGRIELLO, 1987). Kleiman (2011) sublinha que os transportes estão associados aos processos de organização territorial em suas diferentes escalas – intra-urbana, metropolitana, regional, nacional e internacional - articulados aos processos econômicos e aos seus impactos na urbanização. Algumas vezes a renovação de áreas antigas e subutilizadas na cidade, através da incorporação de certos equipamentos urbanos (culturais, serviços, comerciais, residenciais, lazer, empresariais etc), pode ocorrer em locais que passaram por uma consolidação/otimização da estrutura de circulação e transporte, mais precisamente no ponto de interface dos dois, ou seja, no entorno das estações. Para Zmitrowicz (1997) as estações de transporte surgem nesse processo como pontos de controle e disseminação de fluxos, com influência na disposição das diversas atividades, sobretudo as que estão mais ligadas ao consumo. Quando ocorrem inserções ou substituições dos equipamentos do sistema de transporte e a configuração de novos fluxos na cidade, não apenas os usos e valores do solo se alteram (ZMITROWICZ, op. cit.), como também, paralelamente, um novo arranjo espacial intra-urbano pode vir a ganhar concretude, viabilizando e qualificando algumas áreas urbanas servidas por estações, mais atrativas para alguns investimentos comerciais, de serviços e residenciais. Também para Nigriello (op. cit.) existe uma relação de causalidade e a inserção de uma estrutura, tal como uma estação associada a um sistema de transporte coletivo, consegue ser influente na transformação das atividades urbanas e seus estabelecimentos e na valorização dos imóveis na sua área envolvente.

       Investimentos em transportes urbanos podem vir a viabilizar um maior número de estabelecimentos e uma alteração do conjunto das atividades e do ambiente urbano, como: o aumento da possibilidade para clientes e consumidores acessarem bens e produtos (em especial no setor de comércio e serviços); a renovação de espaços degradados (áreas antes desvalorizadas), com o estímulo ao desenvolvimento de pólos de prestação de serviços no entorno de terminais e pelos empreendimentos imobiliários lindeiros aos sistemas de transportes; e a valorização fundiária decorrente da relação direta entre a disponibilidade de infraestrutura e o desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo é preciso identificar se esse processo pode fornecer alguns subsídios para uma discussão mais ampla, envolvendo cidade e transporte coletivo, permitindo que este último seja repensado não apenas como elemento estruturador do espaço, mas também e principalmente como um instrumento que viabilize uma melhor distribuição de atividades e serviços pela cidade, produzindo um espaço urbano mais coeso e menos desigual sócio-espacialmente.

 

2. A problemática da segregração urbana e a questão dos transportes

       As discussões envolvendo o tema  da exclusão social vêm ganhando maior visibilidade teórica e empírica nas últimas décadas, em decorrência principalmente da “reprodução ampliada” das enormes desigualdades socioespaciais associadas ao desenvolvimento e afirmação do capitalismo periférico (CARDOSO, 2007). Segundo o autor, a exclusão apresenta-se com relativa freqüência – ainda que contraditoriamente – como efeito não esperado de experiências de planejamento urbano, movidas talvez pelo imperativo de (re)criar cidades à luz da ordem, da legalidade, da geometria, da higiene, enfim, da modernidade. 

       A exclusão social, na condição de realidade urbana (prática), talvez seja mais facilmente identificável do que propriamente enquanto conceito (ideologia), defende Cardoso (op. cit.), não sendo incomum encontrar na literatura técnico-acadêmica uma estreita vinculação entre os conceitos de exclusão social, pobreza e segregação urbana, sendo estes, em boa medida, apresentados como sinônimos. O significado social representado pelos termos exclusão e pobreza podem até estar intimamente relacionados. O mesmo, todavia, não acontece necessariamente com a idéia de segregação, a qual pode apresentar-se sob várias formas, podendo significar segregação urbana, residencial, espacial, separação de classes, etnias, nacionalidades, entre outras, cabendo relativizações, as quais podem gerar imprecisões conceituais (CARDOSO, op. cit.). No campo das ciências sociais, o fenômeno da segregação é normalmente entendido como uma forma de dissociação que se realiza quando unidades similares, obedecendo ao mesmo impulso, se concentram, distanciando-se, ao mesmo tempo, de outras unidades consideradas diferentes ou divergentes. Essa separação ou distância social e física pode advir de fatores biológicos e sociais: etnia, riqueza, educação, sexualidade, religião, profissão, nacionalidade, entre outros.

       Ainda que a segregação urbana seja considerada como algo socialmente negativo, no sentido de marginalizar ou afastar do acesso à determinados recursos e serviços, pode ela em alguns casos resultar de opções individuais ou coletivas, sem contudo invalidar a ideia de Castells (2000), ao dizer que a segregação urbana expressa uma  tendência à organização do espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e de forte disparidade social entre elas, entendendo-se essa disparidade não só em termos de diferença como também de hierarquia. Villaça (1998), porém, relativiza essa suposta homogeneidade interna, considerando o processo de favelização em “bairros nobres”, entendendo que tal segregação manifesta-se de forma voluntária ou involuntária, sendo a primeira relacionada à iniciativa individual de buscar viver com indivíduos da mesma classe social, como em “condomínios fechados”, por exemplo, e a segunda, associada à impossibilidade de um indivíduo ou família residir – ou continuar residindo – em um determinado local da cidade, em função de razões variadas.  Para (MENDONÇA, 2002, apud CARDOSO, op. cit.), ocorrendo de maneira involuntária, “como a prática deliberada de relegar uma fração da população a áreas apartadas”     pode-se talvez estabelecer uma relação direta, mas não sinonimizada entre segregação, exclusão e pobreza.     

       A exclusão social, por sua vez, aponta Cardoso (op. cit.), é um conceito que encerra maior abrangência e complexidade, sendo imbuído inclusive das noções de segregação e pobreza. Maricato (1996) estabelece uma relação direta, porém hierarquizada entre situações de exclusão social, segregação e pobreza. Diz a autora:

                                                    “A segregação ambiental não é somente uma das faces mais importantes da exclusão social, mas parte ativa e importante dela. À dificuldade de acesso aos serviços e infra-estrutura urbanos (transporte precário, saneamento deficiente, drenagem inexistente, dificuldade de abastecimento, difícil acesso aos serviços de saúde, educação e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e desmoronamentos etc.) somam-se menores oportunidades de emprego (particularmente do emprego formal), menores oportunidades de profissionalização, maior exposição à violência (marginal ou policial), discriminação racial, discriminação contra mulheres e crianças, difícil acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer. A lista é interminável.” [...] “A exclusão social não é passível de mensuração, mas pode ser caracterizada por indicadores como a informalidade, a irregularidade, a ilegalidade, a pobreza, a baixa escolaridade, o oficioso, a raça, o sexo, a origem e, sobretudo, a ausência da cidadania” (MARICATO, op. cit., p. 56-57).

       Villaça (2011) chama a atenção para o fato de que nos últimos anos alguns importantes aspectos vêm ganhando espaço no estudo sobre segregação urbana, significando um certo avanço em relação à maioria dos estudos brasileiros atuais sobre o tema. Dentre estes aspectos, destaca-se aquele que procura abordar a segregação não mais por bairro, mas por região geral da cidade. Essa abordagem, para Villaça, traz um enorme potencial explicativo muito maior que o da segregação por bairro,  considerando que permite seu relacionamento com toda a estrutura urbana, ao focalizar a inter-relação entre a produção do espaço urbano como um todo, com a segregação das residências dos mais ricos (e, por oposição, a dos mais pobres), com a segregação dos seus locais de emprego e serviços e finalmente com a dominação por meio do espaço urbano. Os estudos tradicionais da segregação (como os da sociologia urbana americana entre as décadas de 1950 e 1970), e alguns produzidos no Brasil, não mostram objetivamente (às vezes, nem implicitamente) as relações entre, de um lado, a segregação e o restante da estrutura urbana, e, de outro, suas relações com os demais aspectos da totalidade social, ou seja, com seus aspectos econômicos, sociais e  infraestruturais. Uma das vantagens que o estudo da segregação por região da cidade pode apresentar para a compreensão da estrutura urbana, refere-se ao fato de que ela faz aflorar novas possíveis abordagens sobre a segregação, problematizando e ampliando seu conceito. É o caso dos deslocamentos espaciais e controle do tempo e sua relação com o sistema de transporte.

       Segundo Villaça (op. cit.), ao falarmos dos deslocamentos da população, estamos falando do tempo. A otimização dos tempos gastos no deslocamento espacial (tempo) dos moradores das cidades é um dos mais importantes fatores explicativos da organização do espaço urbano e do papel desse na conformação social que se processa por meio dele. A classe dominante pode manipular/dominar a produção desse espaço priorizando sempre a otimização dos seus tempos de deslocamento.

       Os tempos gastos pelos habitantes das cidades em seus deslocamentos espaciais há muitas décadas vêm sendo objeto de pesquisas desenvolvidas pelas engenharias de transporte e tráfego. São pesquisas que investigam os deslocamentos da população entre os locais de moradia e de trabalho, compras, ensino etc., e ainda as razões desses deslocamentos (VILLAÇA, op. cit.). Em São Paulo, essas pesquisas vêm sendo feitas decenalmente pela Companhia do Metrô, há mais de quatro décadas. São as chamadas Pesquisas de Origem e Destino (OD). As pesquisas OD partem de um espaço urbano dado, e limitam o sistema de transporte a um mero sistema de deslocamento apenas. Mesmo quando baseadas em projeções das transformações do espaço urbano, essas se fazem a partir de tendências históricas de comportamento do mercado, especialmente o mercado imobiliário. A partir daí, avaliam os mais diversos deslocamentos territoriais da população (incluindo os a pé) segundo os meios de transporte utilizados e os motivos dos deslocamentos (trabalhar, ir às compras, estudar etc).

       Para Villaça (op. cit.), embora as mais importantes viagens urbanas sejam as que ligam os locais de moradia aos locais de trabalho, há outras viagens - típicas das pesquisas OD - também importantes; são as viagens moradia-escola, moradia-compras e serviços, e moradia-lazer. Entretanto, a importância dessas outras viagens para os mais ricos é muito diferente do que o é para os mais pobres.

       Destaca-se ainda, de acordo com Villaça, no tocante aos deslocamentos urbanos, que os mais pobres não são penalizados somente pela estrutura espacial urbana que produz os locais de origem e destino de suas viagens. São também muito penalizados por outros fatores associados aos deslocamentos espaciais, especialmente a propriedade e o uso de veículos privados e ainda pelos sistemas viário e de transportes, que no Brasil, sabidamente, sempre privilegiaram os mais ricos.

                                           O peso das obras urbanas referentes a transporte - tempo de deslocamento - é enorme. No Brasil, nossos governantes conferem uma escandalosa prioridade às obras voltadas para o transporte privado individual, em detrimento do transporte coletivo público. Em qualquer metrópole brasileira, o sistema viário da área de concentração dos mais ricos é muito melhor e maior que no restante da cidade. No Rio, enquanto 90% da população é atendida por um péssimo serviço de trens suburbanos e ônibus, o metrô já está em Ipanema e em breve chegará ao Leblon e à Barra da Tijuca. Em São Paulo, são gastos bilhões de dólares em rodoanéis, túneis e via expressas, enquanto sua Região Metropolitana tem um metrô menor que o de Santiago do Chile (onde a construção do metrô é caríssima pela necessidade de proteção contra terremotos), e cuja população da Região Metropolitana é um quarto da de São Paulo (VILLAÇA, op. cit., p. 22-23).

       O controle do tempo de deslocamento é uma das forças mais poderosas que atuam sobre a produção do espaço urbano como um todo, ou seja: sobre a forma de distribuição da população e seus locais de trabalho, estudo, serviços, lazer etc. (VILLAÇA, op. cit.). Não podendo atuar diretamente sobre o tempo, os homens atuam sobre o espaço como meio de atuar sobre o tempo. Daí decorre a segregação como um mecanismo espacial de controle dos tempos de deslocamento. Daí decorre a grande disputa social em torno da produção do espaço urbano e a importância do sistema de transporte como elemento da estrutura urbana, como um serviço urbano que interfere na produção do ambiente construído e pode estabelecer uma relação com o processo de segregação sócio-espacial e espoliação urbana (PINHEIRO, 1993b), influenciando na mobilidade social de determinados grupos populacionais (PEGORETTI & SANCHES, s.d.).

       Dessa forma, a percepção do transporte precisa ultrapassar um entendimento que o vê somente como uma questão técnica de engenharia, evoluindo para uma questão e discussão social, econômica, cultural e política; parte de uma problemática urbana mais ampla (PINHEIRO, 1993a), podendo inclusive ser usado como elemento capaz de minimizar a segregação espacial na cidade (PEGORETTI & SANCHES, op. cit.).

       Diante desse contexto, a acessibilidade às atividades, equipamentos e aos serviços urbanos merece atenção especial, pois está diretamente relacionada ao aspecto sócio-espacial e, consequentemente, à qualidade de vida da população, podendo mitigar as condições de barreiras enfrentadas pelos menos privilegiados no espaço urbano.

     Existem grandes desafios a serem enfrentados, não só na área técnica, incluindo o transporte na pauta de estudos pela riqueza dos problemas a serem analisados, como também na área social, pelo impacto que a visão limitada do papel dos transportes tem nas condições de vida da população. Assim, o transporte  deve ser considerado como um problema eminentemente social, requerendo portanto um mínimo de dedicação dos técnicos e do governo para garantir condições de segurança, confiabilidade, conforto e equidade de acesso aos serviços e deslocamentos (VASCONCELLOS, 1997).

     É consenso em vários países que o transporte urbano deve ser tratado com relevância, pois possibilita a massa populacional suprir não só suas necessidades de deslocamento, mas ter acesso à atividades, serviços e equipamentos urbanos. E isso não deve ser considerado de forma diferenciada para a população urbana, nem rural, visto que o sistema de transporte pode ser usado para combater a segregação espacial, favorecer a inclusão ao espaço urbano e manter a vida social e cultural de forma menos desigual e mais coesa. Limitar a política de transporte à geração de deslocamentos pode ameaçar a continuidade do sistema social, contribuir com a segregação, comprometer a coesão urbana e afetar a noção de pertencimento ao espaço.

 

3. A ideia de coesão em políticas territoriais recentes

      Algumas orientações de natureza politico-normativas vêm destacando nos últimos anos a importância da dimensão territorial e das características locais na formulação de políticas públicas, enxergando o território não só como um espaço de suporte às atividades e serviços existentes, mas também como um sistema social e institucional com várias relações, atividades e transações econômicas, culturais e sociais. A respeito disso, Santinha (2014) afirma que os processos sociais e econômicos tomam forma num contexto espacial e estão condicionados por fatores geográficos como a distância/proximidade, a identidade de cada local e também as características físicas (clima, topografia). Segundo o autor, contraria-se, portanto, a lógica que muitos autores defendiam no final do século passado: com o fenômeno da globalização e o advento e a proliferação das tecnologias de informação e comunicação, o espaço deixaria de ser relevante, na medida em que haveria uma perda de importância do acesso a fatores de produção tangíveis, em prol do interesse da disponibilidade de fatores de produção intangíveis, designadamente a informação e o conhecimento.

       Para Santinha (op. cit) vem traçando-se já algum tempo um caminho para a adoção do princípio de coesão territorial em agendas políticas, visando um desenvolvimento harmonioso  do território, em que a dimensão territorial adquire uma maior preponderância. Exemplo disso percebe-se nas análises dos trabalhos produzidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE 2001, 2009, apud SANTINHA, op. cit.) ou pelo Banco Mundial (2009, apud SANTINHA, op. cit.), mostrando como estas instituições, de referência em escala mundial, sublinham a importância de abordagens de base territorial como fatores essenciais na formulação de políticas públicas. No quadro concreto de políticas recentes da Comissão Européia, por exemplo, esta questão é bastante visível, tendo sido inclusive adotado recentemente o princípio da coesão territorial como um novo caminho para o desenvolvimento do território europeu.

       Procurando elevar a importância territorial no seio das políticas, o princípio da coesão territorial vem com o intuito generalizado de alcançar o desenvolvimento equilibrado de todos os territórios (ou seja, um desenvolvimento social e econômico mais equitativo), valorizar a sua diversidade e complementaridades, possibilitando à população aproveitar melhor as características existentes em cada território. Na Europa, através do  "Livro Verde"[3]  e a abertura do processo de consulta pública sobre o mesmo, busca-se uma definição para o conceito de coesão territorial, e quais os caminhos possíveis para se alcançar  esse princípio,  verificando-se, de acordo com Santinha (op. cit.), algumas incompletudes relacionadas ao seu conceito (o quê) e à sua operacionalização (como). Esta é, segundo o autor, uma preocupação que vem emergindo nos últimos anos em diversos países, cujas orientações apontam no sentido de adotar este princípio na formulação de políticas públicas. Segundo Pereira e Carranca (2009), importa ter presente a ideia de que o conceito de coesão territorial está, à semelhança dos conceitos de coesão econômica e social, intimamente ligado ao princípio de solidariedade e, nessa medida, visando garantir objetivos de equidade no acesso aos equipamentos, aos serviços, às infraestruturas e ao conhecimento. Não obstante essas indefinições, a ideia de coesão territorial representa uma possibilidade de discutir as atuais tendências territoriais, e deve ser considerada como um referencial que permite estruturar diferentes valores e culturas, e promover um diálogo intersetorial (TATZBERGER, 2006; SERVILLO, 2010).

       Em seus estudos, Santinha defende que apesar de toda indefinição que possa haver em torno do conceito de coesão territorial, faz-se míster uma leitura sistêmica deste corpo teórico e das questões-chave que levanta, permitindo formalizar um conjunto de dimensões analíticas subjacentes ao princípio de coesão territorial, que para ele a principio seriam três: 1) reconhecer e lidar com a heterogeneidade territorial e a complexidade das dinâmicas territoriais; 2) estabelecer uma organização territorial que promova a intensificação das relações interurbanas e a complementaridade de usos, funções e competências entre áreas urbanas e espaços rurais; e 3) desenvolver intervenções integradas assentes em sistemas de governança territorial.

       A heterogeneidade territorial diz respeito ao aproveitamento da diversidade dos territórios, ou seja, considerar as potencialidades e as fragilidades territoriais diferentes, o que consequentemente se traduz na análise das capacidades (bens, equipamentos, infraestruturas, recursos...) existentes para formular políticas territorialmente diversificadas. Uma perspectiva que tem sido amplamente defendida nos tempos mais recentes é a que procura associar a ideia de que um território que tira partido da sua diversidade (e respectivas singularidades) é um território mais coeso e com maior potencial para se tornar mais competitivo e resiliente (HAMDOUCH; DEPRET;  TANGUY, 2011), ou seja, com maior capacidade de se antecipar e se adaptar, face às adversidades e às grandes tendências evolutivas. Santinha (op. cit.) alerta que estamos perante o que na literatura se designa por valorizar o capital territorial, isto é, ser capaz de aproveitar os elementos e equipamentos de que dispõe o território ao nível material,  na forma de recursos culturais, bens públicos e a estrutura urbana em geral.

       No que se refere à dimensão da organização territorial, importantes ideias ganham destaque, como: ultrapassar as diferenças de densidade, evitando concentrações excessivas de crescimento e facilitando o acesso aos benefícios proporcionados pelas aglomerações existentes em todos os territórios; melhorar o acesso, através de uma melhor conectividade, aos serviços de interesse geral, de forma social e espacialmente equitativa; eliminar divisões, na medida em que os problemas de conectividade e de concentração só podem ser eficazmente resolvidos com a estreita cooperação entre todos os níveis de intervenientes. Para Santinha (op. cit.) um dos argumentos possíveis seria de que por detrás dessas ideias está associado o conceito de desenvolvimento policêntrico,  que têm estado na base de grande parte das políticas de ordenamento do território desta última década, como resposta às persistentes disparidades territoriais verificadas e às discussões em torno do desenvolvimento territorial, que eram dominadas pelo pensamento convencional centro/periferia. Contudo, mais do que alcançar um desenvolvimento considerado policêntrico, o que se defende é uma organização territorial capaz de encorajar a cooperação, isto é, apta para promover uma maior complementaridade entre as áreas urbanas, de forma a que estas desempenhem um papel estrutural ao criar espaços equilibrados e, ao mesmo tempo, desenvolver possibilidades de acesso à atividades e serviços públicos e privados por parte de grupos sociais menos privilegiados.

       Quanto à dimensão de governança territorial, vêm associando-se nas duas últimas décadas a ideia de uma articulação mais eficiente, quer entre diferentes níveis de administração (ideia de governança multinível ou de cooperação/coordenação vertical, a que está associado o princípio de subsidiariedade), quer entre entidades/atores do mesmo nível (ideia de cooperação/coordenação horizontal entre diversos atores, incluindo esferas pública, privada e terceiro setor), questões decisivas para a formulação de políticas e construção de estratégias coletivas territoriais (BOTKA, 2009; FEIO; CHORINCAS, 2009; JANIN RIVOLIN, 2010, apud SANTINHA, op. cit.). Esta tendência traz também a possibilidade de abordagens mais articuladas e integradas de várias dimensões setoriais, ou seja, facilita e incentiva a procura de coerência de políticas, também estas baseadas numa visão partilhada sobre um mesmo território. Segundo Santinha (op. cit.), esta ideia de articular, integrar e territorializar as políticas públicas, incorporando a dimensão territorial nas políticas setoriais e articulando estas com as políticas de base territorial, contribui para uma maior sinergia entre diferentes políticas e para a maximização dos seus impactos territoriais, amenizando o fato de as decisões políticas serem tomadas essencialmente de um ponto de vista setorial e de forma desarticulada com as políticas territoriais.

       Essas dimensões analíticas -  heterogeneidade territorial, organização territorial e governança territorial - procuram, em conjunto, contribuir para uma melhor percepção do conceito de coesão territorial, delineando um percurso analítico e normativo para alcançar o desenvolvimento harmonioso de todos os territórios (isto é, diminuir/prevenir as disparidades territoriais, tornando-os mais homogêneos internamente e com inter-relações equilibradas), a valorização da sua diversidade e complementaridades e a possibilidade da população tirar o melhor partido das características existentes em cada território, aliada a uma capacidade de interação e cooperação de diferentes agentes e políticas distintas.

 

4. Políticas de transporte e a possibilidade de uma melhor coesão urbana 

       A acessibilidade produzida pelos transportes, ao ser parte integrante e fundamental da dinâmica e do funcionamento das cidades, passa a ser um elemento que contribui para a qualidade de vida urbana, na medida em que facilita o acesso da população aos serviços e equipamentos urbanos, além de viabilizar sua aproximação com as atividades econômicas (CARDOSO, 2007). 

       Considerando-se, em termos gerais, que o conceito de acessibilidade refere-se à facilidade com que os indivíduos interagem com locais espacialmente distintos por meio da utilização do sistema de transporte, levando em conta ainda o grau de atratividade desses lugares e o custo dispendido no deslocamento, a provisão de acessibilidade pode compor um dos pilares do planejamento urbano e de transportes, visando a inclusão social e o desenvolvimento. A provisão de uma melhor acessibilidade pelos transportes pode contribuir para a (re)inserção de populações periféricas dispersas no contexto socioeconômico mais amplo das grandes cidades, embora tão somente investimentos em               infra-estrutura de transportes não sejam garantia de desenvolvimento, uma vez que restrições na acessibilidade representam apenas uma das faces da exclusão urbana (CARDOSO, op. cit.).

       Além dos aspectos meramente econômicos, o sistema de transporte coletivo exerce papel essencial no funcionamento e na configuração da vida social da cidade. Neste sentido, o transporte, especialmente o coletivo, se constitui em fator essencial para manutenção do equilíbrio da sociedade, representando, pois, um importante cenário de construção da vida social, ao fornecer efetivas oportunidades para a integração entre o indivíduo e a cidade. Nesse espaço, é permitindo ao indivíduo, por um lado, obter condições de expressar sua individualidade, por outro, tomar conhecimento de outros estilos de vida, de modelos culturais e das atividades e serviços sociais.

     Dessa interação entre transporte coletivo e cidade, as estações, enquanto um dos principais equipamentos do sistema de transporte coletivo, vêm aflorando nos últimos anos como possibilidade real para investidores e consumidores, com sua dinâmica e capacidade atrativa, concentrando ações e projetos que podem beneficiar não só seu entorno, mas a própria cidade. Além da função como equipamento do sistema de transporte (embarque, desembarque e transbordo), as estações se apresentam como elemento multifuncional e de relevância para a coesão territorial e social, afirmação de identidade local e de difusão de atividades, serviços e equipamentos.

     Nessa linha, as estações de transporte coletivo constitui-se em uma das variáveis essenciais sobre a qual trabalhar para dinamizar, (re)estruturar, impulsionar e revitalizar áreas das cidades. É natural, pois, que o sucesso de empreendimentos juntos à esses equipamentos do sistema de transporte coletivo, que visem à uma mais equânime distribuição de atividades e serviços urbanos, valorizando a cidade e resgatando a auto-estima dos seus moradores, depende, principalmente, do êxito de parcerias envolvendo o poder público e iniciativa privada.

       Em virtude disto, projetos e ações envolvendo o entorno de estações são dependentes de estratégias que os articulem harmonicamente por uma gestão integrada e compartilhada da cidade e, dentro dela, de igual forma, das suas várias configurações funcionais, geográficas e espaciais. Assim, dentro desse escopo, o sistema de transporte coletivo representa uma das variáveis a serem trabalhadas por conjuntos de forças multipolarizadas.

      Sobre essa forma de ação compartilhada, podem ser atribuídas às estações as funções de polarizadoras de investimentos e esforços, buscando uma criação de valores para serviços e atividades, por meio da atração de fluxos, da formatação e manutenção das estruturas comerciais, da proteção do patrimônio histórico, da promoção da cultura e do lazer, dentre outros

       Ações desse tipo vêm se fazendo presente em muitas cidades européias, asiáticas e americanas, e que, a nosso ver, podem contribuir para facilitar a acessibilidade aos meios de consumo coletivo, à medida que eles fossem sendo descentralizados juntos ou próximos à esses equipamentos do sistema de transporte coletivo, nos vários núcleos urbanos, e para ampliar e melhorar a eficácia da circulação, já que os fluxos poderiam ser redirecionados em alguns casos. Isso não quer dizer que os investimentos e ações do poder público e privado tenham que ser realizados somente nas imediações das estações, mas a utilização desses equipamentos estaria atrelada a uma acessibilidade para a cidade como um todo, por meio de um sistema de transporte público eficaz e mais descentralizado, comparativamente à constituição de sistemas de transporte coletivo exclusivamente radiais, cujos fluxos convergem somente para a área central principal.

       A União Européia vem já algum tempo promovendo e investindo na recuperação e utilização do espaço envolvente de suas estações metroferroviárias, realizando paralelamente uma ampla revisão e avaliação de conceitos relacionados aos transportes coletivos e seu papel na produção de uma melhor coesão urbana.  Isto tem resultado na promoção de inúmeras intervenções urbanas, ilustradas, entre outros, por um resgate da mobilidade[4], uma mais equânime distribuição de atividades e serviços pela cidade, pela crescente impedância de circulação de automóveis e pelo incentivo ao uso de modalidades coletivas de transporte, além dos modos não motorizados, ações estas que influem diretamente nos níveis de acessibilidade urbana (CARDOSO, 2007).

       Algumas cidades brasileiras, como Brasília, Curitiba e São Paulo,  vêm  adotando nos últimos anos, embora timidamente, práticas parecidas com as ações realizadas em alguns países da Europa, como Alemanha, Espanha, Holanda e Portugal, e também o Canadá, na América do Norte. Cingapura também vem adotando ações de natureza similar à desses países.

       Permite-se pensar assim na possibilidade de que o planejamento das ações e projetos e o uso controlado do espaço envolvente das estações, como parte de um planejamento urbano integrado e participativo, possa ajudar na promoção de oportunidades para um desenvolvimento mais eqüitativo das cidades, favorecendo a (re)construção de territorialidades urbanas menos desiguais e conflitantes, onde os diferenciais sócio-econômicos não signifiquem necessariamente uma padronização hierarquizada e desigual em termos de uso do espaço urbano. Possivelmente, a acessibilidade produzida pelos transportes coletivos pode constituir uma peça fundamental na busca pela amenização da exclusão social, seja através de processos de descentralização de serviços e atividades, (re)valorizando e dinamizando as precarizadas periferias urbanas, seja pela implementação de modos diversos e integrados de transporte, pensados em escala metropolitana e adaptados à necessidades e públicos específicos, o que otimizaria o alcance e ampliaria as oportunidades (CARDOSO, op. cit.). Este pode ser talvez um dos caminhos para o enfrentamento, a partir do sistema de transporte coletivo, dos desafios referentes ao planejamento metropolitano ante os quadros de segregação socioespacial e a ausente ou fraca coesão de alguns contextos urbanos.

 

 5. As estações de transporte rápido: conectando áreas, pessoas e atividades

       As novas políticas urbanas têm vindo a estreitar uma já antiga relação entre transporte e estruturação urbana, com as estações de transporte ganhando um papel mais significativo na dinâmica urbana atual, que vai além de simples pontos de transbordo e coleta e distribuição de pessoas.

       Estas propostas, que podem considerar-se inspiradas pelo modelo “cidade-jardim” de Ebenezer Howard, de um século atrás, buscam produzir uma cidade mais harmoniosa e democrática, recebendo, conforme o enfoque mais buscado em cada projeto, nomes como áreas desenvolvidas pelo transporte público, produção de unidades de vizinhança, crescimento inteligente e desenvolvimento orientado pelo transporte público (TOD), contribuindo para uma nova maneira de se pensar a relação entre transporte e cidade, até então vista como uma relação pautada somente em dados matemáticos e estatísticos, embora estes, dada sua importância, não estejam ausentes em ações e processos mais recentes.

       No contexto dessa nova relação entre transporte e espaço urbano, as estações, comumente aquelas situadas nos nós de acessibilidade, destacam-se como locais possíveis e até ideais para concentrarem algumas atividades e serviços, visto que a melhor acessibilidade não isolaria mas sim propiciaria um melhor alcance e uso desses serviços e atividades pela população de uma extensa área. Uma das ideias associadas a esse modelo é de que a distância entre a estação e a residência influi diretamente na escolha modal do usuário. Para Cervero (1994, apud MACÊDO, 2010) esse comportamento foi observável na Califórnia, onde os residentes morando dentro dos 500 pés (150 metros) de uma estação de metrô usavam este meio de transporte para cerca de 30% de suas viagens, e quanto maior a distância à estação de metrô menor a proporção de viagens realizadas por esse modal. Observações em outras regiões levaram a conclusões similares, reforçando o pensamento segundo o qual o sistema de transporte urbano influencia no comportamento do entorno, incentivando o uso do transportes coletivos nas áreas próximas dos nós (estações).

       O planejamento urbano tem vindo a promover a fixação de unidades que oferecem bens e serviços diversificados nas áreas lindeiras às estações, visando atrair um número de usuários que viabilize e alimente o funcionamento da infra-estrutura de transporte, o que, por sua vez, potencializa a viabilidade dos estabelecimentos.

       De acordo com Peter Calthorpe (1993), visto como o ideólogo dos TOD, uma política de promoção do transporte coletivo e de boa estruturação das cidades, deve considerar:

       1) A concepção e coordenação de um desenvolvimento local e regional, dando  suporte e ênfase ao transporte urbano;

       2) A utilização do entorno das estações de transporte público (num raio de alcance pedonal) para o desenvolvimento de atividades comerciais, serviços, moradia e lazer;

       3) A configuração mista de usos habitacionais, rendas e densidades;

       4) A implementação de passeios e acessos adequados ao pedestre, conectando-se com locais diversos;

       5) O incentivo ao desenvolvimento urbano próximo aos equipamentos de transporte coletivo, juntamente com a ideia de vizinhança; e

       6) A produção imobiliária com base na utilização de espaços públicos.

       Esses pontos, sem pretender ser um modelo padronizado de ações e objetivos, buscam na verdade, conforme preconizam Dittmar & Poticha (2004), uma espécie de rompimento da tensão entre nó e lugar, fazendo dessas áreas locais de uma provável sinergia entre usos e funções diversas, considerando que relacionam aspectos de acessibilidade, serviços, tempo, qualidade ambiental, lazer e moradia. Os autores ressaltam ainda que o desenvolvimento urbano orientado pelo transporte (TOD) objetiva antes de tudo uma certa "habitabilidade", buscando otimizar os chamados impactos positivos proporcionados pela infra-estrutura de transporte urbano, considerando que, já que esta produz inúmeros impactos na cidade, o melhor é procurar otimizar no que for possível os seus aspectos positivos.

       Dittmar & Poticha (op cit.) nos lembram também sobre um certo dilema que envolve essa questão, qual seja o fato de uma estação de transporte urbano ter de funcionar ao mesmo tempo como um lugar bom para se investir e viver e também um ponto de intenso fluxo de pessoas que chegam pelos mais variados modais de circulação (inclusive a pé). Para os autores, essa é uma das maiores dificuldades enfrentadas por aqueles que elaboram propostas com base nas orientações do TOD, pois necessita, segundo Belzer et al (2004), de se encontrar um equilíbrio entre esses fatores, influenciando na qualidade urbana e nos aspectos físicos do projeto.

       Uma estação de transporte urbano desenvolve ao mesmo tempo dois importantes papéis na dinâmica urbana: é um equipamento gerador de viagens no interior de uma rede metropolitana, exigindo assim uma atenção especial quanto aos pontos de integração entre os diferentes modais, as áreas de circulação pedonal e os pontos de estacionamento; e é também algo muito importante para a população, não apenas com respeito à circulação em si, mas principalmente pelo aumento da acessibilidade, possibilitando (quando acompanhada de uma adequada política tarifária) o acesso à atividades, serviços e oportunidades de trabalho, permitindo assim um uso mais amplo e completo da cidade, além de uma possível requalificação do entorno.

 

6. Algumas experiências internacionais e no Brasil

     A partir da década de 1990 surgiram inúmeras ações urbanísticas envolvendo investimentos imobiliários, comerciais, culturais e residenciais perto ou junto aos nós de transporte coletivo, em lugares relativamente afastados do núcleo central da cidade. Solá-Morales (2001), assim como outros autores, defendem as vantagens e possibilidades de ações em áreas consideradas mais periféricas e com proximidade aos equipamentos de circulação e transporte público.

       Em Madrid foi desenvolvida a partir de 2000 uma estratégia de planejamento urbano com base no poder indutor da oferta de novos padrões de acessibilidade em áreas carentes, com a construção da  linha Metrosur, no triênio 2000-2003, no setor sudoeste da cidade. Com 28 estações e mais de 40 km, é uma linha de metrô que interliga os municípios de Alcorcón, Leganés, Getafe, Móstoles e Fuenlabrada, com uma população de cerca de um milhão de habitantes que, antes da implantação da linha, apresentavam um padrão de desenvolvimento econômico inferior ao dos demais municípios da região (NIGRIELLO; OLIVEIRA, 2013). Com a Metrosur a relação entre os municípios atendidos foi intensificada, reforçando o dinamismo da área sul de Madrid. Hoje este espaço é considerado o terceiro maior e mais dinâmico núcleo urbano espanhol, integrando-se com Madrid na estação Puerta del sur, assim como em seis outras estações onde se liga com a rede ferroviária suburbana. O desenvolvimento econômico dos cinco municípios beneficiados pela otimização da acessibilidade em escala regional, propiciada pela implantação da Metrosur, contou também com alterações na legislação de uso do solo e outras estratégias de ordenamento do espaço urbano junto das estações (NIGRIELLO; OLIVEIRA,  op cit.).

       O Metrô do Porto, inaugurado em dezembro de 2002, e sobretudo o seu processo de concepção e desenvolvimento, ultrapassa em larga escala questões e preocupações operacionais e arquitetônicas das infra-estruturas e equipamentos do próprio sistema. Na verdade, o fato de ter sido desenvolvido para interagir e se relacionar com a cidade, impõe um vasto e forte domínio de integração urbana na elaboração do próprio projeto. Este, principalmente a partir das expansões de 2004, 2005, 2006, 2008 e 2011, constituiu uma oportunidade única de olhar a cidade como um todo, de quebrar limites e barreiras administrativas, e de integrar o sistema num contexto metropolitano diverso e extremamente complexo. O fato da inserção urbana do  sistema não se resumir exclusivamente à intervenção sobre o espaço canal que o mesmo ocupa, transforma o metrô do Porto numa oportunidade e num agente impulsionador único para o desenvolvimento e recuperação da cidade e do território. Constituindo em muitas áreas uma verdadeira e efetiva alternativa de transporte público (permitindo atenuar a presença e utilização do transporte individual no padrão de deslocamentos do município), o metrô do Porto caracteriza-se fundamentalmente pela forte correlação entre as áreas com maior concentração de população, serviços/emprego e as estações existentes (a par desta relação é de referir a importância do traçado para a qualificação e estruturação da ocupação do território). A influência das estações metroviárias do Porto sobre o ambiente urbano é reconhecida genericamente, por usuários e não usuários. Com o metrô, veio uma melhoria das condições e da segurança na circulação, gerando mais conforto e  bem-estar para a população. Efetivamente, o projeto é visto por muitos como um marco na melhoria da qualidade de vida na Área Metropolitana do Porto.

       Localizada na província de Ontário, Toronto é a maior cidade canadense e quarta da América do Norte (atrás de Nova York, Cidade do México e Los Angeles) e tem uma característica que a diferencia de suas congêneres de tamanho: a cidade subterrânea, conhecida como "Path" - caminho, em inglês. A partir principalmente da década de 1960, desenvolveu-se em Toronto, através da ação sistemática de algumas construtoras, galerias subterrâneas interligadas às estações de metrô e trem e aos edifícios e estabelecimento das áreas envolventes, com alta concentração de funções e pessoas. O grande crescimento do Path aconteceu contudo a partir da década de 1970. De acordo com informações da prefeitura de Toronto, o Path tem hoje cerca de 371 mil metros quadrados de construção, abrigando 1200 empreendimentos e empregando por volta de 5 mil pessoas. Os corredores do subterrâneo conectam 50 prédios, 20 estacionamentos, seis estações de metrô, além de entradas para seis hotéis e para o maior shopping da cidade, o Eaton Centre, que tem cerca de 200 lojas. São locais com fluxos diários de pessoas muito elevados, levando  Nigriello (1997) a dizer que o "Underground" de Toronto possa ser o maior sistema subterrâneo de vias de pedestres já construído, contendo vários tipos de serviços e lojas.  Por esse motivo, os empreendimentos mais recentes em Toronto, localizados nas áreas envolventes desse sistema, têm como ponto fundamental sua ligação com o "underground" e o sistema metroviário. A partir de 2010 a prefeitura de Toronto iniciou um projeto de expansão do Path. Quando estiver concluído, estima-se que esse complexo subterrâneo terá 60 quilômetros de extensão e um total de 170 pontos de acesso.

       A proposta feita na última década para a requalificação da área central da Ceilândia, cidade satélite de Brasília, decorre de um leque de oportunidades para o desenvolvimento de atividades e serviços decorrentes da expansão da linha verde do Metrô do Distrito Federal. O Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal propôs em 2007 a estratégia de dinamização de áreas urbanas, em que se inclui o Eixo Ceilândia, atendido pelo transporte metroviário,  buscando distribuir e incentivar a instalação de estabelecimentos e serviços de grande envergadura, de maneira mais equilibrada pelo território do Distrito Federal, reforçando a oferta de emprego fora da área do Plano Piloto. Devido à grande extensão da área de intervenção, o estudo urbanístico procura criar identidades diferenciadas para os diversos trechos urbanos, tendo como referência cada estação do metrô. Essas ações conjuntas envolvendo transporte metroviário e uso do solo no eixo da Ceilândia, objetivam, além de novas áreas para investimentos e reprodução do capital, produzir transformações urbanas estruturais em áreas já dotadas de certa infra-estrutura e que se encontram ociosas ou degradadas, melhorias sociais e ambientais, procurando atender não apenas uma questão de demanda por transportes, mas também a produção, num médio e longo prazo, de um espaço urbano mais equilibrado e disponível em termos de oportunidades, atividades e serviços.

       A Companhia do Metropolitano de São Paulo vem desde o fim da década de 1990 estabelecendo algumas ações e projetos visando a implantação de empreendimentos comerciais e de serviços no entorno de suas estações,  buscando assim uma forma de assegurar uma rentabilidade que não esteja atrelada diretamente à tarifa, com participação nos lucros de alguns dos empreendimentos. Registrando um aumento de passageiros de 44% em cinco anos, de acordo com dados da Folha de São Paulo em 2012, tem um plano de expansão que visa triplicar a rede até 2018 e incluirá uma série de investimentos no entorno de suas estações. Vários debates têm levantado sugestões para a presença de atividades mais diversificadas nos novos empreendimentos, incluindo unidades de saúde e assistência médica, centros de ensino, balcões de emprego, cursos profissionalizantes e equipamentos do Estado de atendimento à população (Poupatempo e similares). Outro ponto que vem sendo discutido é que os novos projetos sejam acompanhados de um estudo que identifique as carências e principais necessidades da população do entorno, procurando satisfazê-las ao máximo, rompendo com a ideia de um empreendimento fechado que nega e segrega a cidade, não promovendo a circulação e a conexão das pessoas com as ruas do entorno, uma ideia que, como defendem vários autores, é ultrapassada e ficou no século XX.

       A Capital do Estado do Paraná, Curitiba, vem desenvolvendo nas duas últimas décadas diversas unidades de serviços chamadas "Ruas da Cidadania", sedes das Administrações Regionais que coordenam a atuação de secretarias e outros órgãos municipais nos bairros, incentivando o desenvolvimento de parcerias entre a comunidade e o poder público e oferecendo à população dos bairros serviços municipais, além de serviços das esferas estadual e federal. As Ruas da Cidadania estão localizadas nos terminais e nós do sistema de transporte urbano, onde são oferecidos diversos serviços nas áreas de saúde, justiça, policiamento, educação, cultura, esporte, habitação, meio ambiente, urbanismo, serviço social e abastecimento, entre outros. Existem também espaços destinados a pequenos estabelecimentos comerciais e cafés. Nos últimos anos têm sido consideradas um importante símbolo de descentralização administrativa e ponto de referência e encontro para os usuários dos serviços de transportes públicos, atendendo às necessidades e aos direitos do cidadão em vários setores.

       Na cidade do Rio de Janeiro, duas antigas áreas industriais servidas hoje pelas estações de Nova América/Del Castilho e Vicente de Carvalho, vêm recebendo inúmeros investimentos, principalmente nos setores imobiliário e comercial, os quais se fizeram sentir de forma mais incisiva a partir do final da década de 1990, estando presentes até os dias atuais. Essas áreas, ainda que sem um planejamento específico, vêm tornando-se especialmente atrativas para o investimento, com a emergência de novos conteúdos urbanos e usos do solo. A refuncionalização no entorno dessas duas áreas, antes ocupadas por atividades industriais (aproveitando áreas ociosas e antigas edificações), contíguas às estações metroviárias de Nova América/Del Castilho e Vicente de Carvalho, foi seguida por uma dinamização com novos pontos de concentração-acumulação e atratividades, em termos de fluxos, serviços, comércio, lazer e condomínios residenciais, contrastando por vezes com o cenário de estagnação e desvalorização em outros trechos da linha dois (SILVA, 2008). Esses exemplos, ainda que não esgotem outros espaços e eixos de valorização na cidade, revelam uma dinâmica espacial urbana relativamente recente na capital fluminense, com a melhoria da infra-estrutura de transporte coletivo atuando como um instrumento na distribuição de equipamentos e serviços pelo espaço urbano, concentrando em torno de algumas estações o máximo possível de atividades e serviços, e não somente como uma solução para o problema dos fluxos de pessoas, haja vista a renovação e valorização dessas antigas áreas industriais lindeiras ao eixo metroviário. Isso, de certa forma, e num primeiro momento, já indica a necessidade de retomar e buscar novos significados para antigos conceitos relativos à relação entre transporte público e cidade. Não que com isso conceitos anteriores sejam descartados, mesmo porque é muito difícil saber exatamente o que mudou, como, quando e onde mudou. Mas esses fenômenos urbanos recentes envolvendo o entorno de estações de transportes coletivos trazem consigo a exigência de novas apreensões e metodologias de análise.

 

7. Considerações finais

          Algumas das principais transformações pelas quais as cidades vêm passando recentemente e o papel exercido pelo sistema de circulação e transporte coletivo nessas transformações, é de grande importância na compreensão de como o aproveitamento do entorno das estações de transportes coletivos foi e vem sendo valorizado por inúmeros setores do mercado. Projetos e ações de tal natureza fizeram surgir, principalmente a partir da década de 1990, propostas políticas e de planejamento voltadas para um aproveitamento e uso mais sistemático do entorno desses equipamentos, aumentando o interesse de vários investidores, comerciantes e consumidores pelas potenciais vantagens que possam oferecer.

       Isto levou à importantes transformações no entorno de estações metroferroviárias, com casos pelo mundo e também no Brasil. Boa acessibilidade, praticidade, conexão intermodal e integração de vários usos e funções, são algumas das características que vêm fazendo desses espaços locais onde é possível residir, estudar, trabalhar, fazer compras, utilizar serviços e se divertir, podendo mesmo, em alguns casos, constituir importantes complexos multiusos.  

       As experiências apresentadas não devem ser compreendidas como um receituário ou modelo pronto para ser empregado indiscriminadamente nos mais diversos contextos urbanos.  Reconhece-se, contudo, que tais experiências sinalizam possíveis caminhos e ações que permitem repensar alguns aspectos da relação entre transporte público e espaço urbano, contribuindo para uma melhor compreensão de cada situação e para a adoção de uma solução mais adequada a cada caso.

 

 

 

 

8. Referências bibliográficas

 

BELZER, D et al. The transit-oriented development drama and its actors. In:  Dittmar, H. & Ohland, G. The new transit town; best practices in transit-oriented development. Washington, DC: Island Press, 2004.

CALTHORPE, Peter. The Next American Metropolis: ecology, communit and the american dream. London: Princenton Architecture press, 1993.

CARDOSO, Leandro. Transporte Público, Acessibilidade Urbana e Desigualdades socioespaciais na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Tese (Doutorado em Geografia). 218 p. UFMG: Belo Horizonte, 2007.   

 

CASTELLS, M. A questão urbana. 1ª reimpressão, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. 

 

DITTMAR, H, POTICHA, S. Defining transit-oriented-development: the new regional building block. In:  Dittmar, H. & Ohland, G. The new transit town; best practices in transit-oriented development. Washington, DC: Island Press, 2004.

HAMDOUCH, A.; DEPRET, M; TANGUY, C. Globalisation and territorial resilience: a suggested approach and preliminary insights from 3 case studies. Trabalho apresentado na The RSA Annual International Conference, Newcastle-upon-Tyne, UK, 2011.

KLEIMAN, Mauro. Transportes e Mobilidade e seu Contexto na América Latina. Série Estudos e Debates (IPPUR-UFRJ), n° 61, p. 1-10, 2011.

MACÊDO, Natalia de Carvalho. Uma análise sobre os impactos decorrentes da inserção de estações metroviárias em áreas urbanas: contribuição conceitual e metodológica através de estudo de caso na cidade de São de Paulo. 2010. 164 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

MARICATO, Ermínia. Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. Estudos Urbanos, Série Arte e Vida Urbana. São Paulo: Ed. HUCITEC, 1996.

 

NIGRIELLO, Andreína. Conservar para desenvolver: estudo sobre o patrimônio urbano construído ao longo da linha norte-sul do metrô de São Paulo. Tese              (Doutorado em Estrutura Ambientais Urbanas) - Universidade de São Paulo,  São Paulo, 1987.

 

______.  Relatório de viagem. Toronto, Montreal e Otawa. Companhia do Metropolitano de São Paulo, 1997.

_______; OLIVEIRA, Rafael Henrique de. A rede de transporte e a ordenação do espaço urbano. In: Revista dos Transporte Públicos- ANTP - ano 35, 1º quadrimestre, p. 101-122, 2013.

PEGORETTI, Michela Sagrillo; SANCHES, Suely da Penha. A Problemática da Segregação Espacial dos Residentes na Área Rural: uma visão através da dimensão acesso e do sistema de transporte. São Paulo: Universidade Federal de São Carlos, s.d.

 

PEREIRA, Margarida; CARRANCA, Maria Adelaide. Ordenamento do Território e Coesão Territorial: contributo para o debate do Livro Verde sobre coesão territorial Europeia. Lisboa: Associação Portuguesa de Geógrafos, 2009.

 

 

PINHEIRO, M. B. Mobilidade urbana e qualidade de vida: conceituações. Anais do VIII Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, São Paulo, vol 2, p. 405- 414, 1993(a).

 

________.  Mapeamento da pesquisa social em Transportes: a caminho da multidisciplinariadade de enfoque. Anais do VIII Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, São Paulo, vol 1, 1993(b).

 

SANTINHA, Gonçalo. O princípio de coesão territorial enquanto novo paradigma de desenvolvimento na formulação de políticas públicas: (re)construindo ideias dominantes. In: Revista EURE (Santiago) vol.40,  nº 119, Santiago ene. 2014.

SERVILLO, L. Territorial Cohesion Discourses: Hegemonic Strategic Concepts in European Spatial Planning. Planning Theory & Practice, 11(3), 397-416, 2010.

SILVA, A. L. B. da. Transporte e Circulação na Reprodução Espacial Urbana:  considerações sobre o metrô do Rio de Janeiro. 2008. 239 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

 

SOLÁ-MORALES, Manuel de. Ações estratégicas de reforço do centro. In: Os Centros das Metrópoles. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2001.

TATZBERGER, G. Spatial visions, concepts and metaphors: their essential role in European spatial development and policy discourse. En L. Doria, V. Fedeli & C. Tedesco (Eds.), Rethinking European Spatial Policy as a Hologram: actions, institutions, discourses (pp. 277-298), 2006.    

VASCONCELLOS, E.A. Transporte rural: o resgate de um tema esquecido. In: Revista dos Transportes Públicos, São Paulo, n.º 75, p. 31-48, 1997.

 

VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Lincoln Institute/Fapesp/Studio Nobel, 1998. 

________. São Paulo: segregação urbana e desigualdade. In:  Estud. av. vol. 25, nº.71, São Paulo, jan/abr. 2011, pp. 1-25.

ZMITROWICZ, Witold. A estruturação da cidade pelas rotinas urbanas. Tese (Livre Docência) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.



[1] Este artigo é produto de uma pesquisa de doutorado, atualmente em andamento junto ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ), em parceria com o Departamento de Geografia da Universidade do Porto (UPORTO), sob orientação dos Professores Doutores Mauro Kleiman (UFRJ) e José Alberto Rio Fernandes (UPORTO).

[2] Professor de Geografia do Departamento de Educação do Instituto Benjamin Constant. Mestre em Geografia Pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutorando em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com processo de co-tutela em Geografia Humana junto à Universidade do Porto, com apoio do CNPQ.

 

[3] O Livro Verde sobre a Coesão Territorial que a Comissão Européia publicou recentemente desencadeou um debate sobre questões fundamentais para o funcionamento da UE. Longe de ter efeitos apenas na política de coesão, este documento suscita questões sobre a natureza da cooperação territorial, sobre a forma como as pessoas usam os espaços em que vivem, sobre as implicações territoriais das políticas setoriais e sobre a relação entre cooperação e competitividade.

[4] Dentre as ações de resgate da mobilidade, inúmeras convergem para a diminuição do tráfego de veículos particulares, através de medidas restritivas, associadas à ampliação dos modos de transporte coletivo e incremento da sua utilização, a exemplo de Belfast e Oslo. Além de intervenções do gênero, outras cidades vêm investindo sistematicamente em processos de (re)valorização dos centros urbanos, através da proibição de circulação de automóveis privados nessas áreas (Bolonha e Milão); De modo mais abrangente, Montpellier e Grenoble optaram pela promoção de melhorias significativas nos serviços prestados pelos transportes públicos; Estrasburgo apostou em um modelo de planejamento urbanístico que objetiva potencializar uma acessibilidade sustentável, (re)distribuir (descentralizar) e diversificar as atividades no território urbano, viabilizando a circulação de pedestres e modos não motorizados de transporte (GEHL e GEMZOE, 2001; PEREIRA et al. 2003, apud CARDOSO, op cit.).   

Arquivo da Revista