Reordenação das formas e meios dos movimentos de deslocamentos na Metrópole do Rio de Janeiro com a implantação de Corredores Expressos de Ônibus (BRT) no caso do BRT TransCarioca e sua efetividade para a mobilidade urbana | Chão Urbano

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Reordenação das formas e meios dos movimentos de deslocamentos na Metrópole do Rio de Janeiro com a implantação de Corredores Expressos de Ônibus (BRT) no caso do BRT TransCarioca e sua efetividade para a mobilidade urbana

Reordenação das formas e meios dos movimentos de deslocamentos na Metrópole do Rio de Janeiro com a implantação de Corredores Expressos de Ônibus (BRT) no caso do BRT TransCarioca e sua efetividade para a mobilidade urbana

Mauro Kleiman - IPPUR

1-PRÓLOGO

Mudanças no modelo de política de transportes em curso na metrópole do Rio de Janeiro, na segunda década do século XXI, principalmente em seu núcleo, a cidade do Rio, devem ser objeto de reflexões críticas. O texto tem como base pesquisa em desenvolvimento com apoio do CNPq sob encomenda do Ministério dos Esportes*. O modelo de transportes que tradicionalmente privilegia os deslocamentos através do modal automotivo, com base em viagens individualizadas por automóveis particulares e motos, e atomizadas em milhares de veículos automotivos coletivos por ônibus ou vans, tem sido alvo de algo que entendemos como tentativas ou ensaios de reordenações e modernizações, como se observa, também, determinadas ações para uma busca de recuperação, ainda que menos forte, dos transportes sobre trilhos, com investimentos em melhorias no transporte por trens, metrô, e a introdução da nova modalidade VLT. Pretendemos com o trabalho colocar em discussão os caminhos que vem sendo tomados quanto ao modal automotivo coletivo, e discutir qual problema as mudanças em curso querem resolver, considerando que a organização territorial da metrópole do Rio implica para a grande massa de menor renda no aumento de distâncias e tempos de viagens com má qualidade em transportes coletivos. Este contexto demonstra a necessidade de pensar numa inversão do foco da política de transportes atualmente mais voltada e restrita aos fatores da economia para a dimensão social dos movimentos de deslocamentos na medida em que estes não são configurados apenas individualmente, mas partem de uma teia de redes de trabalho,família,amizades,necessidades educacionais e de saúde, entre outros. A agenda de enfrentamento por parte do governo municipal quanto a transportes na década de 2010 presume rotina e comportamento de viagens previsíveis com foco em deslocamentos diários pendulares em dois horários fixos, em detrimento da percepção da existência de um nível de variabilidade diária e diferentes padrões de viagens, incluindo, inclusive, atividades não laborais e diversificadas por faixa etárias, o que supõe um padrão de viagens cotidianas múltiplas. Tomando em conta o entendimento governamental uma perspectiva se impõe no sentido de uma reordenação do modal automotivo coletivo com a busca da regulamentação dos veículos comerciais leves - Vans, Kombins e Moto-Taxis e a criação de Faixas Exclusivas (BRS) e Corredores Expressos de Ônibus (BRT), com foco na análise do BRT TransCarioca. O que o trabalho se indaga é estas opções terão efeitos benéficos para os deslocamentos da população configurando efetividade social com possibilidades de ofertar melhor capacidade de mobilidade urbana, ou atende mais diretamente às necessidades do Capital do setor de ônibus.

 

2- O MODELO E OS MEIOS DE TRANSPORTE E A QUESTÃO DOS ÔNIBUS

O modelo de transportes e mobilidade das cidades brasileiras tem na metrópole do Rio de Janeiro um caso exemplar por suas principais características: a) privilegia os deslocamentos através do modal automotivo, com base em viagens individualizadas em automóveis e motos particulares, e viagens coletivas atomizadas em milhares de veículos ônibus e vans, com reconhecida baixa qualidade e capacidade de monitoramento, em detrimento do transporte coletivo de alta densidade(de massa) do modal ferroviário com trens, metrô e a introdução do VLT que subsiste sem atender a demanda, com baixa qualidade e monitoramento;b)o modelo ainda guarda como premissa a idéia de viagens com um só propósito em determinados horários fixos , pela manhã e tarde, dentro do pensamento pendular, e se centra no problema dos congestionamentos e na previsão de nível futuro destes, sem compreender e perceber que a dispersão das áreas de moradia da população,de empregos,de comércio e serviços, de atividades educacionais e de saúde, e as de lazer e esporte, conduz a uma multiplicidade de deslocamentos em diferentes horários, que se conjuga ao fenômeno na metrópole do Rio da permanência de importância de seu centro histórico como núcleo de fortes atividade, combinado com a nova dispersão para importantes sub-centros na Barra da Tijuca, Baixada,antigos Subúrbios do Rio e na direção leste para Niterói - São Gonçalo. Para ilustrar o fenômeno em processo de mudanças na metrópole apontamos neste artigo o modal automotivo coletivo por meio de um dos seus veículos - o ônibus, e as mudanças em curso.

 

2.2. As mudanças nos Ônibus

Para os deslocamentos por ônibus se pode apontar algumas medidas e ações importantes para uma busca por sua reordenação deste tipo de transporte, sem que exista, de modo claro, um planejamento para tal, substituído por ações pontuais na medida de seus transcursos. A primeira medida a se assinalar, regulatória, trata-se da licitação das linhas de ônibus em setembro de 2010 pela Prefeitura do Rio de Janeiro que conduziu a uma concentração das inúmeras empresas antes existentes em apenas quatro Consórcios, o que representa uma forma de oligopólio para o sistema, sob alegação que seria mais fácil organizá-lo no trato com menor número de empresários que com centenas. Á esta medida conjugou-se a implantação de Faixas Exclusivas (BRS) para ônibus, controladas por um sistema de radares, primeiro em avenidas da Zona Sul, e o modelo esta se estendendo também ao Centro, Zona Norte, para possibilitar maior fluidez dos veículos, com redução dos tempos de viagem, e das frotas, e igualmente da localização e redução das paradas. Busca-se impor aos Consórcios reduzir a frota onde existiria superposição de linhas e  número de veículos nas zonas Sul e Centro e faze-las ampliar a frota na  zona Oeste onde o serviço é muito restrito e onde pelo crescimento demográfico e de atividades a demanda é maior. Nas primeiras experiências observadas, de fato, verifica-se redução do tempo de viagens, mas pode-se apontar para problemas de superposição de linhas no mesma faixa e número ainda excessivo de veículos ônibus nas mesmas, com embarque e desembarque concorrencial entre as linhas fazendo que um número grande de passageiros fique no aguardo de sua linha, longas filas de ônibus, por vezes duplas, esperando a vez de parar nos pontos, e congestionamento e aumento do tempo de viagem para os veículos automotores particulares pela redução do número de suas faixas de rolamento. A segunda ação, ainda em fase de implantação trata-se da criação de Corredores Expressos de Ônibus(BRT), que tem como base algumas premissas básicas como a ideia de faixas segregadas, ou tendo , em tese, para que seu percurso seja separado da circulação dos demais veículos automotores por barreiras físicas, com cruzamentos em níveis diferenciados, paradas no mesmo nível dos veículos, e compra antecipada do bilhete fora do ônibus, veículos bi-articulados para transporte de maior número de passageiros, maior espaço entre paradas, e articulações nestas paradas com linhas de ônibus circulares e com linhas do modal ferroviário-trens e metrô. Quatro Corredores Expressos foram previstos: a)o denominado TransOeste, ligando a Barra da Tijuca a Santa Cruz e Campo Grande, envolvendo a duplicação de parte da Av. das Américas (no Recreio dos Bandeirantes onde existia apenas duas pista ao invés de quatro como na sua parte na Barra), viaduto sobre a Av. Salvador Allende, extenso túnel urbano da Grota Funda, e toda duplicação da Av das Américas após o túnel de Guaratiba a Santa Cruz e via expressa deste bairro a Campo Grande. Este Corredor atenderá a forte demanda já existente(hoje mal coberta por tráfego de vans e kombis e deficiente linhas de ônibus) e seu crescimento futuro, na ligação entre bairros da Zona Oeste populares com o sub-centro de comércio, serviços e lazer da área de renda alta da Barra da Tijuca e adjacências, estando tem funcionamento desde 2011; b) o denominado TransCarioca ligando a Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional(Galeão, na Ilha do Governador). Esta com obra em andamento, previa inicialmente desapropriação de 3500 imóveis(tendo no andamento da obra , a partir de alteração de trajetos sido reduzido a 2500 imóveis desapropriados) na sua passagem pelos Subúrbios que atravessa na área de Jacarepaguá, Central do Brasil e Leopoldina , (o que tem provocado atraso nas obras por pendências jurídicas quanto ao valor da indenização), e envolve duplicação de inúmeras vias, cruzamentos em níveis diferenciados tanto como viadutos como por “mergulhões”, e utilizará também a técnica de ponte estaiada na Barra da Tijuca,na travessia da Av. Brasil e da baía de Guanabara perto do Aeroporto. Seus problemas específicos serão abordados mais centralmente neste artigo, em item seguinte. quando de sua efetiva implantação, deverá ser a eliminação das linhas de ônibus hoje existentes, que ainda que com poucos veículos e consequente grande tempo de espera, propiciam viagens diretas inter-bairros suburbanos, e que passariam a ser apenas alimentadoras dos Corredores Expressos, exigindo transbordos; c) o denominado TransOlímpico que ligará a Barra da Tijuca a Deodoro(um dos locais de provas das Olimpíadas). Este Corredor não tem ainda projeto totalmente definido quanto a seu percurso, suas obras começaram mas estão em ritmo lento, e também exigirá, de qualquer forma , viadutos e túneis, e terá pedágio para seu uso. Irá cortar áreas de fato muito mal servidas por transporte de ônibus, e assim propiciaria eixo novo de deslocamentos, possibilitando melhor articulação tanto entre bairros suburbanos, como entre estes e o sub-centro da Barra da Tijuca, abrindo , igualmente eixo viário para automóveis no sentido do Recreio dos Bandeirantes; d) o denominado Transbrasil, que percorrerá esta via desde Deodoro ao Aeroporto Santos Dumont. Um dado comum aos quatro Corredores é que ao inverso da sua ideia matriz de Curitiba terão um grande número de paradas e não serão plenamente expressos, não apresentam vias segregadas plenamente adequadas, e terão vários cruzamentos controlados por sinais de trânsito, ditos preferenciais ao Corredor, mas que por isto mesmo implicarão em bloqueios importantes dos fluxos tranversais aos mesmos. Os BRTs estão sendo implantados sem planejamento, e agora quando se definiram seus trajetos parece existir uma “descoberta“ pelo poder público municipal que formam uma rede que vem sendo alardeada como “coração” de um novo sistema de transportes do Rio de Janeiro, baseado numa modalidade automotiva. Passamos, então, a analisar, em seguida, os elementos da configuração do BRT Transcarioca que permitem uma discussão sobre sua implementação e futura capacidade de atendimento à população em seus deslocamentos.

 

3 - O CASO DO BRT TRANSCARIOCA

Tendo como base dados primários coletados em observação qualitativa de campo acompanhando as obras de sua implantação combinados com dados secundários sobre os parâmetros desta modalidade BRT no mundo e no Brasil, podemos apontar quais elementos existem no caso do BRT TransCarioca que aderem à estes parâmetros e em que grau os atendem.

O primeiro e importante elemento para uma reflexão sobre o caso se trata do fato de que ao invés da operação pretendida para a linha de percurso de viagem do BRT determinar o desenho físico de seu suporte no caso examinado será este que em grande parte determinará a operação. Assim sendo, são os parâmetros relativos ao projeto físico do projeto, que, ao contrário do preconizado de forma corrente em que os parâmetros referentes ao corredor seletivo para os ônibus, estudo das capacidades esperadas e opções de serviços de linhas determinam o desenho físico do projeto, na TransCarioca primeiro se estabeleceu o desenho físico do trajeto e sobre estes os parâmetros operacionais terão de se adaptar à ele.

Para o estudo, que contou apenas com os dados primários de observação técnica da obra este dado foi fundamental, pois o acompanhamento dos elementos que foram configurando o traçado e suporte ao BRT permitiu uma análise prospectiva do que será sua operação na medida que até o momento da redação deste texto(abril de 2014) as obras não terminaram, mas para uma operação com efetividade para a mobilidade urbana os efeitos desta determinação aludida acima gerará constrangimentos para um grau  de melhoria nos deslocamentos da população que se servirá da linha TransCarioca.

Tomando como parâmetros básicos os de: (i) segregação das vias para circulação do veículo face aos demais; prioridade de passagem; (ii) tipo de pistas(se simples ou duplas); (iii) projeto físico e plano de construção; (iv) participação pública; (v) integração com política de uso do solo;(vi) integração com outros modais;(vi) plano operacional; e (vii) estrutura institucional, para exame podemos perceber sua essencialidade para a operação da modalidade BRT no caso do TransCarioca.

O primeiro deles é a existência de infraestrutura de pistas segregadas. No caso do BRT TransCarioca, no entanto, a segregação das pistas para o deslocamento do veículo em sua grande parte será através de pequena mureta de 15cm de altura de frágil construção como bloco de cimento preso ao chão por pinos com uma função mais visual, e/ou tachões; o que obrigará a restrições de uso da pista BRT, garantida por meio de radares controladores do tipo de veículo que pode utilizar a pista;sendo que apenas em alguns pontos do trajeto se tem segregação de mureta física mais eficiente com 60 cm de altura mormente em algumas áreas de estações e nas obras de arte para passagem exclusiva e segregada fisicamente para os ônibus, como na ponte estaiada da Av. Ayrton Senna em direção a Av. Abelardo Bueno,”mergulhão” do Campinho, viaduto de Madureira, viaduto sobre a Av. Brasil e ponte estaiada sobre a Baía de Guanabara.

O segundo elemento é a questão da operação da modalidade com prioridade de passagem que deveria ser feito de maneira mais correta por cruzamentos com outras vias - ruas e avenidas - e outros modais - metrô, trem - em níveis diferenciados por viadutos ou passagens subterrâneas ("mergulhões"), o que garantiria uma operação rápida e frequente, sem constrangimentos a uma velocidade média constante, e evitando acidentes entre os diferentes veículos. É também importante a presença de passarelas ou passagens subterrâneas, para a organização e segurança dos movimentos dos usuários do sistema e seu acesso às estações, evitando-se acidentes com pessoas mas no caso do BRT Transcarioca, na maior parte do trajeto, em longos trechos, os cruzamentos das intersecções com outras vias se dará no mesmo nível, por controle semafórico como: (a) desde a Av. Abelardo Bueno na altura do Condomínio Rio2 até o Largo do Campinho, atravessando assim toda a Estrada dos Bandeirantes, Av. Nelson Cardoso na Taquara, Rua Cândido Benício do Tanque ao Campinho - trechos com inúmeros cruzamentos e volume de tráfego transversal equivalente ou superior ao existente no eixo troncal; (b) do trecho da Av. Edgar Romero em frente ao mercadão de Madureira até as Av. Vicente de Carvalho e Av. Brás de Pina em toda sua longa extensão, chegando até o largo da Penha, com uma única excessão de passagem em diferentes níveis no cruzamento com a linha 2 do metrô em Vincente de Carvalho (embora até este momento sem esclarecimento se fará esta passagem por forma de viaduto ou por alargamento de passagem sob a linha do metrô); (c) do largo da Penha até Ramos, onde apenas o cruzamento com a linha férrea da Leopoldina será feita em  forma de viaduto; (d) de Ramos até a Av. Brasil, contando-se cerca de 30 cruzamentos por semáforos com vias de tráfego intenso que deverá ficar “travado” dado a prioridade de passagem do BRT e implicará em fechamento dos cruzamentos das ruas transversais a linha tronco do TransCarioca.

Por cruzamentos em diferentes níveis teremos assim, além dos já citados acima, apenas os trechos da Av. Ayrton Senna, ponte estaiada na Barra, a passagem subterrânea do Campinho, o novo viaduto Negrão de Lima junto à estação de Madureira, o viaduto em arco estaiado sobre a Av. Brasil e ponte sobre a Baía de Guanabara, e as pistas expressas desta ponte até o Aeroporto do Galeão. Dessa forma, somente nesses pontos haverá passagem sem restrições ao movimento e velocidade do veículo, com as interseções se mostrando como um ponto crítico para o BRT TransCarioca.

Outro elemento muito importante que criará dificuldades para uma operação efetiva para a mobilidade do BRT TransCarioca foi a opção de projeto e execução de circulação por pistas simples- uma em cada direção- ao invés de pistas duplas (como no TransMilênio em Bogotá), contando-se com pistas duplas apenas nas estações como ponto de ultrapassagem para a linha Expressa sobre a Paradora. Por esta opção a linha Expressa terá que aguardar na fila a entrada nas estações dos paradores para ultrapassa-lo, não permitindo maior rapidez nas viagens.

Dos demais elementos do projeto físico, as vias de suporte dos ônibus da Transcarioca, com pavimento de concreto - e sub bases: malha trançada de ferragens de aço, ligações de tubos de aço entre as placas, proteção de plástico para evitar infiltração de água - e largura de faixa radial de 3,5 metros de  largura de 20 metros para faixas de ultrapassagem nas estações, para operar linhas expressas e paradoras, pode ser considerado muito correto e adequado ao exigido.  Ao contrário do sistema construtivo do BRT TransOeste, o BRT TransCarioca refez a pista de rolamento, dando rigidez e aumentando a vida útil incorporando o Pavimento em Concreto. Esta solução apresenta muitas vantagens em relação ao pavimento asfáltico, como a durabilidade que chega a ser entre 3 e 6 vezes superior ao asfalto convencional e possui vida útil variando entre 25 e 40 anos, enquanto o asfalto de boa qualidade precisa de manutenção após 5 anos. Além disso, exibe maior resistência ao tráfego de veículos, especialmente os mais pesados como os ônibus do BRT. 

Dos outros parâmetros adjuntos ao projeto físico, não existiu na TransCarioca projeto de estações intermediárias de transferência no tocante a benfeitorias de integração dos terminais dimensionados para manejar transferências entre linhas de ônibus alimentadoras e troncais, só se tem até o momento o Terminal Alvorada, e um esboço não esclarecido na obra das estações Tanque e Ilha do Governador - Fundão/UFRJ. No final do mês de março de 2014 observamos obras de pequenos terminais de integração, não previstos no projeto básico, para ônibus e vans que terão seus trajetos seccionados para servir de alimentadores ao BRT, notando-se obras para tal na estação Largo da Taquara, estação Tanque,e Cidade Universitária, o que assinala uma percepção pelo governo sobre a ausência do parâmetro integração ônibus-vans-BRT no projeto e a busca de sanar este aspecto de muita importância para a operação do Transcarioca.

Contudo não se teve no projeto físico indicações e desenhos que observassem a infraestrutura para pedestres, tanto na área de captação de usuários para as estações, com caminhos protegidos da chuva, ventos, calor e iluminação – evitando assaltos e outros – caminhos retos, estética e paisagismo, zonas peatonais, passagens por passarelas (até agora só vistas na Av. Ayrton Senna, na Barra da Tijuca e na Taquara) ligando calçadas laterais às estações. Chega a existir na estação do Campinho o inverso, tendo o usuário que subir escadas para atingir o Largo, pois a estação está no nível inferior do “mergulhão”. Além disso, ao chegar no alto da escada, o usuário se defrontará com tráfego de veículos expresso, pois toda a estrutura de “mergulhão” foi feita para eliminar o congestionamento no mesmo nível, ou seria necessário um sinal de pedestres no local.

Também se nota a permanência da ausência de garagens para ônibus, elemento fundamental para operação da modalidade, não só por suas funções inerentes de manutenção e reparos, limpeza, guarda e reabastecimento dos veículos, mas principalmente na sua ligação com o centro de controle. Atualmente, existe um centro de controle destinado à linha TransOeste, mas não se sabe se o mesmo atuará também para a TransCarioca. Através do aviso à garagem se teria saída controlada dos veículos, conforme as necessidades rotineiras de sua quantidade, para garantir o intervalo entre a frequência da operação e rapidez na substituição de veículos avariados.

Na TransOeste, caso ilustrativo de linha em operação, hoje, o que está sendo feito é a colocação de grande número de veículos no Terminal Alvorada para chamada para rodagem, deixando-se os demais veículos possivelmente em garagens das quatro empresas concessionárias da operação (que formam um único consórcio). Teremos que, apenas na ponta extrema de um trajeto extenso de 39 km estarão os veículos tendo de ser acionados. A prevista garagem na Taquara (não iniciada sua obra ainda) e possivelmente mais uma entre a Penha e o Aeroporto, seriam necessárias para uma correta operação.

Também não temos na TransCarioca o parâmetro tecnologia veicular mais “limpa”, pois usa-se como combustível o Diesel. Por fim, só temos até o momento pelo menos sistemas de painéis eletrônicos de informações em tempo real no Terminal Alvorada (assim mesmo, não funcionando plenamente). O sistema de tráfego inteligente, com controle eletrônico de semáforos, velocidades, intervalos, etc., ainda deverá ser observado quando da operação do veículo. Porém, é certo que haverá o sistema de controle e cobrança por bilhete eletrônico previsto.

Quanto à participação pública no projeto Transcarioca, esta não existiu, porque deveria envolver organizações civis e ambientais, associações de moradores e representantes de usuários, proprietários de carros, taxis e vans, agências governamentais e polícia de transito. Mas no processo, só se ouviu e/ou negociou com os operadores de transportes existentes (para os quais, em troca de redução das frotas de ônibus, assumiriam a operação das linhas troncais de BRT e os lucros advindos de sua gestão e operação). O projeto físico, assim sendo, foi de governo municipal.

Quanto ao plano de construção, que é considerado essencial para atrair aderência da população à nova modalidade de deslocamentos, não teve procedimentos claros e continuidade no caso da TransCarioca, tendo as obras causado  primeiras impressões negativas e muitos transtornos aos moradores, comerciantes e outras atividades – escolares, hospitalares, clínicas, etc. – e de tráfego dos atuais veículos – ônibus, vans e carros – com a obra de engenharia civil feita sem cercamento dos canteiros à passagem de pedestres e veículos. A obra foi feita, na verdade, aberta a qualquer um, não tendo existido até agora acidentes graves por milagre. Assim, a construção está sendo feita no meio e na mistura com pessoas e atividades, gerando muita poeira de cimento, altamente danosa à respiração humana, muito barulho, cortes de água e esgoto, muitas das vezes por efeito das obras de remanejamento destas redes de serviços não terem sido feitas a priori e sim quando ocorria um acidente e a empresa responsável pela obra procurava fazer reparo emergencial conectando partes de canos, emendando outros, tapando furos, etc.

Observamos muitos moradores saindo das suas casas ou prédios para avisar os engenheiros, mestres de obra, estagiários ou operários, sobre falta d’água, falta de luz, telefone, esgoto vazando ou retirada de acesso às garagens.

Existiu um procedimento de fechamento parcial ou total de trechos de vias públicas, com desvio de trânsito pesado para vias antes mais residenciais. Fato que só ocorreu onde não havia maneira de fazer, como assinalamos acima, uma obra misturada com todas as demais atividades.

Observou-se também, a retirada de mobiliário urbano proveniente de obras do “Rio Cidade” e mobiliário mais antigo, sem nenhum cuidado para seu aproveitamento - como na Taquara, onde postes e pórticos provenientes do “Rio Cidade”, que estavam ainda em condições perfeitas para reutilização, foram simplesmente postos abaixo por maçaricos de corte e jogados na rua (registramos até parte deste material sendo cortado por pessoas para revender). Como já assinalado, foi também intensa a retirada de árvores ao longo do trajeto todo, que se não forem replantadas novas mudas, será mais um constrangimento para captação de usuários, dado o intenso calor do Rio de Janeiro na maior parte do ano. Isso sem mencionar que, a população em geral, tem agora 39km lineares de extrema aridez, sem sombreamento e proteção sonora (também papel da arborização). Em março de 2014 nota-se o plantio de mudas de árvores em alguns pontos do trajeto mostrando percepção sobre este problema.

Além destes elementos, o plano de construção quanto às desapropriações, previa cerca de 3500 imóveis serem removidos total ou parcialmente, para a passagem da via, número este que foi reduzido para cerca de 2500 imóveis por medida, dita pelo governo, de economia de custo da obra. Mas isto resultou, onde foi posta em prática, em efeitos muito fortes na vida da população residente e no ambiente urbano, pois embora a redução das desapropriações implique em menor dano à vida dos moradores e atividades comercias, aconteceram com isto alterações de trajeto que acabaram importando outras vias e atividades.

Por seu turno, quanto à forma de execução da obra de engenharia civil e os prazos da mesma, podemos apontar que: (i)nas visitas de campo, notamos alterações de obras feitas no decorrer  do andamento das mesmas in loco, ou seja, na medida que foram encontrando algum tipo de problema, principalmente no remanejamento de infraestruturas de água, esgoto, águas pluviais, luz, telefonia, etc., foram fazendo alterações. Nota-se, igualmente, muitas partes prontas já sendo refeitas por problemas no piso de suporte para os ônibus, nas calçadas e meio-fios, postes colocados com inclinação...; (ii) percebe-se poucos operários ao longo de toda a extensão do trajeto a ser construído, parecendo que a estratégia da empresa foi contratar grupos de trabalhadores por trecho, com a seguinte lógica: quando em algum trecho estão sendo executadas obras de remanejamento de infraestrutura, aglomeram ali um conjunto de trabalhadores e máquinas, para aprontar tal trecho, todavia deixando os demais em espera. Somente quando este fica pronto, o remanejamento – que em geral são pretendidos prazos mais dilatados e apresenta muitos atrasos por problemas que surgem na hora da obra (canos de água, gás e esgoto que são rompidos, moradores reclamando de falta d’água, luz, esgoto vazando, etc.) – passam para o grupo que faz obras para a base das pistas BRT e carros, repassando o remanejamento de postes e rede aérea de luz e telefonia a empresas ligadas ao setor. Desse modo, não se vê trabalhadores e máquinas ao longo de todo o percurso de 39 km ao mesmo tempo, e sim grupos sendo realocados conforme a obra termina parcial ou totalmente em um ponto.

Quanto aos prazos das obras, esta apresenta grandes atrasos: prometida inicialmente para maio de 2013, depois estendida para final de setembro e depois para final de dezembro do mesmo ano, ao chegar a este mês, a obra de engenharia civil das pistas BRT e carros estava pronta apenas no trecho do Alvorada até a Taquara, na altura da R. Farmacêutico Silva Araújo, ainda sim com pequenos últimos ajustes no cruzamento de nível com ruas e avenidas. Na Taquara, só nos dois últimos meses de fevereiro e março de 2014 avançaram no trabalho de montagem das estações, faltando sinalização semafórica controlada eletronicamente, sinalização horizontal da separação das pistas do BRT com os demais veículos. Em abril de 2014 observou-se avanço mais expressivo do Alvorada até a Penha mas com trechos ainda em obras na altura da Praça Seca, Vicente de Carvalho,  e estações ainda em obras de montagem, faltando, também sinalização semafórica e placas indicativas que não permitiriam , ainda, inaugurar pelo menos este trecho.

O trecho Penha - Ramos (até Av. Brasil) é o mais atrasado de todos ainda com obras de término de demolições fruto de desapropriações para os devidos alargamentos de vias e remanejamento de infraestrutura básica água, esgoto, gás, águas pluviais e rede aérea de luz, telefonia, tv a cabo, em toda extensão da Rua Ibiapina da Penha e estação de trem de Ramos. Neste ponto está em construção viaduto sobre a estrada de ferro que embora tenha pilares prontos e tabuleiros de acesso em construção, não tem ainda o vão principal sobre a linha férrea. Neste ponto o trecho em obra passa para o lado da rua Cardoso de Morais onde já aconteceram as demolições junto a via férrea para abertura de nova via para o BRT que em seguida cruzará a Cardoso de Morais por semáforo cruzando a rua Viúva Garcia, onde fizeram até agora demolições de casas, e daí seguirá pela rua Emílio Zaluar, rua de pequena largura, com residências e galpões industriais, que de início se removeu a pavimentação toda para remanejamento de infraestrutura  e se deixou a obra sem terminar, se fez demolições parciais de residências e recuos de muros, e não se compreende como farão para nele alocar as duas pistas do BRT e mais duas pistas para carros em cada sentido como em toda a extensão da TransCarioca, pois aparenta que só será possível uma pista de cada lado para atender a entrada de garagens existentes e acesso as residências e galpões (sendo que nestes torna-se inviáveis a entrada de grandes caminhões de carga). Em seguida a esta rua a TransCarioca toma o trecho da Av. dos Campeões, ainda em obras para assentar o piso das pistas BRT nas margens do canal, com localização prevista apenas o estaqueamento feito de estação sobre o canal em área que em geral  tem cheias anuais nas chuvas de verão, sendo o canal veículo de esgoto.

As pistas do BRT já estão quase prontas no trecho de Av das Campeões após a Praça Teixeira de Castro, e tomam a direção dos tabuleiros em construção para acesso a ponte estaiada sobre a Av. Brasil em direção a Ilha do Fundão- UFRJ. Esta ponte estaiada até fevereiro de 2014 tinha obras de finalização dos dois grandes pilares de sustentação para os pilares do estaiamentos e as alças de acesso do recuo a Ilha do Fundão em finalização, mas ao final deste mês e março de 2014 iniciou-se a colocação do tabuleiro sobre a Av. Brasil.

No trecho da Av. Brasil até o aeroporto as pistas do BRT estão em construção desta Avenida até o Hospital Universitário do Fundão, ainda obras para a estação de integração com a Ilha do Governador e Cidade Universitária. Inicialmente foram projetadas 2 estações uma para integração com ônibus provenientes da Ilha do Governador e outra para a Cidade Universitária  pensada para localizar-se junto ao terminal  e agora seria só uma estação integradora junto a estação da Light no fundão com os ônibus que vem da Ilha do Governador passarem pela ponte estaiada para chegar a mesma, e deixando os passageiros que destinam-se a UFRJ relativamente longe, e se, caminho abrigado da chuva, sol, calor e ventos do terminal rodoviário com ônibus internos  da Universidade e outros de ligações com bairros e metrô.

Neste trecho a poste estaiada sobre a Baía de Guanabara tem prontos seus pilares e quase toda a parte de acessos, mas a transposição em estais ainda está em obras mais lentas da ponte até o aeroporto as pistas do BRT estão prontas no trecho do entroncamento das alças de viadutos sobre a Estrada do Galeão - quase todas prontas até o início das entradas para os terminais onde só agora inicia-se as obras de articulação das pistas BRT com acesso a estes, sendo que ainda não foram iniciadas as estações dos dois terminais.

Quanto ao parâmetro integração com política de uso do solo, pelo que se conhece, não existe nem no projeto nem no decorrer das obras, integração com políticas de uso do solo. Desta forma, não existiu estudo sobre a estrutura urbanística existente antes do projeto e sobre os impactos da operação da modalidade BRT sobre as áreas da cidade que o trajeto atravessa. As áreas que o BRT Transcarioca cruza apresentam importantes diferenças entre si, que não foram objeto de estudo e análise quando do projeto e, não tem horizonte de análise de impactos e muito menos de alterações da legislação do uso do solo. Como se manteve esta legislação, tal como está, provavelmente, como assinalam vários autores e estudos sobre a implantação de grandes infraestruturas de circulação, existirá um forte adensamento e verticalização ao longo do percurso do veículo BRT, impactando tanto na configuração de cada área/zona/bairro por onde passar, com transformações importantes, como na capacidade de transporte do veículo, que estará possivelmente saturado em relativo espaço de tempo.

Os impactos na estrutura urbanística poderão ser mais fortes nos bairros suburbanos, como a área que vai de Curicica a Ramos, passando por Taquara, Praça Seca, Campinho, Madureira, Vaz Lobo, Vicente de Carvalho, Brás de Pina, Penha e Ramos, sendo estes dois últimos os que apresentam maiores características de subúrbio. Estes bairros têm ainda características de ocupação horizontal: casas isoladas, vilas de casas, pequenos prédios de apartamentos ou comerciais, ruas residenciais, algumas ainda arborizadas, com pequeno comércio de proximidade – padaria, papelaria, botequins, etc. Na área da Barra da Tijuca, a modalidade cruza estrutura urbanística consolidada, mas implicará no complemento de seu adensamento verticalizado onde isto for possível em termos de legislação. Já sobre o parâmetro integração modal o BRT Transcarioca, que no seu trajeto atravessa diferentes modais de transporte, apresenta uma possibilidade de integração intermodal relativamente baixa e/ou mal aproveitada. No trajeto de 39 km a modalidade cruza ou segue as várias ruas e avenidas importantes para o tráfego da rede viária, tendo Terminal na Av. das Américas com a Av. Ayrton Senna, na Barra, seguindo esta última e a Av. Abelardo Bueno, depois segue o extenso eixo viário que corta subúrbios formados pela Estrada dos Bandeirantes, Av. Nelson Cardoso, Rua Cândido Benício, Av. Edgar Romero, Av. Vicente de Carvalho, Av. Brás de Pina, Av. Brasil, Linha Vermelha e Estrada do Galeão; com a linha ferroviária tronco Central do Brasil- Deodoro/Santa Cruz na estação de Madureira, a linha ferroviária auxiliar na estação Magno-Mercadão de Madureira, e linha 2 do metrô na Estação Vicente de Carvalho, a linha férrea da Leopoldina ramal Central do Brasil – Saracuruna na Estação Ramos.

Apesar destes cruzamentos com outros modais que possibilitaria a integração com outras opções para deslocamentos e interfaces que contribuiriam para otimizar a base de clientes potenciais ao BRT, não se observa nem no projeto nem na obra sua efetividade plena na medida que: (i) apenas em Madureira a estação do BRT terá oportunidade de interface física próxima com a estação da Estrada do Ferro, tendo ainda que se saber como será a acessibilidade real entre as duas estações, se por rampa, esteira rolante, caminho protegido coberto; não estando previsto, no entanto, nem no projeto nem nas obras, qualquer tipo de integração do BRT com a estação ferroviária Magno-Mercadão de Madureira como integração física, passagem coberta, escadas rolantes, etc., o que seria importante pois o movimento de usuários desta estação é muito expressivo; (ii)em Vicente de Carvalho entre a possibilidade de interface-integração com a Linha 2 do Metrô, mas resta saber também como será a integração pois a Estação do BRT fica na rua em nível abaixo da do metrô que é elevada, e relativamente longe para uma caminhada a pé entre as duas, e precisaria de caminho protegido-coberto, esteiras rolantes, escadas rolantes; (iii)As duas outras possibilidades de integração BRT – ferrovias seriam nas estações  Penha, Olaria e na Estação Ramos da Leopoldina, mas no primeiro caso o Terminal BRT é relativamente longe da estação de trem – mais de 800 metros – e não existe previsão de caminho coberto, esteiras rolantes, etc. para uma verdadeira integração, e no caso da de Ramos, onde a linha do BRT cruza com a do trem não está prevista mesmo a integração, sendo a estação BRT da rua Etelvina a mais próxima da estação de trem de Olaria, mas também não existe previsão de passagem coberta, esteiras rolantes, e se deverá caminhar a “céu-aberto” para alcança-la.

Fora estas quatro possibilidades de integração modal metrô-ferroviário com o BRT, existiria e seria importante dentro dos parâmetros internacionais, ter planejamentos para integração de carros particulares com o BRT – as pessoas que morassem longe do eixo tronco da linha poderiam vir de carro até certo ponto estacionarem com pagamento articulado à passagem de ônibus e assim teríamos uma interface carro - BRT. Mas não existe no projeto, nem nas obras referência à esta importante interface. Dessa mesma forma não existe previsão de integração bicicletas - BRT com parqueamento para o veículo bicicleta e autorização para entrada nos ônibus BRT, assim como articulação com taxis ou moto-taxis. Todas estas interfaces não previstas seriam alimentadoras nos dois lados da jornada diária. Não esta previsto também, ônibus com espaço para malas de viagem, o que seria importante dado os dois terminais aeroporto do BRT Transcarioca. Este dois Terminais representam integração modal aéreo com modalidade BRT, e deveria se pensar na autorização e espaço para veículos que pudessem levar malas de viagem. Existe ainda a questão já assinalada acima da integração entre vans e ônibus que passarão a ser linhas alimentadoras do Transcarioca para o que não se tinha previsto terminais de integração mas que agora estão em obras em alguns pontos.

Quanto ao parâmetro projeto operacional não se teve acesso a dados que possam informar a existência de uma preparação de projeto operacional para o BRT Transcarioca, desde sua etapa de preparação até a de plano de implementação e de avaliação, começando pela questão (crucial) do estudo de demanda real. Foi feita, no nosso entender, apenas uma estimativa com base no PDTU de 2003 e nas atualizações para atendimento de 400mil passageiros/dia. Esta estimativa não parece levar em conta que o BRT Transcarioca atravessa exatamente as únicas áreas que cresceram populacionalmente e em termos de empreendimentos imobiliários no Rio na última década, com base nos Censos do IBGE de 2000 e 2010 - Barra e Jacarepaguá, e áreas suburbanas que ficaram estagnadas, mas já tinham grande contingente populacional, densamente ocupadas, embora em grande parte ainda horizontalmente.

Não encontramos estudos da matriz origem-destino, e também sobre a demanda reprimida (aquela que prevê que pessoas que antes não se deslocavam por constrangimentos de possibilidade para tal – fato muito comum principalmente em Jacarepaguá, com precário sistema de ônibus, conduzido por empresa monopolista que dita poucos veículos e horários de passagens, com intervalos muito longos e espera incerta) – e demanda esperada – aquela que teria como base a atração de proprietários de carros particulares que seriam atraídos a deixa-los na garagem e se deslocariam num coletivo mais rápido, com frequência intensa, ar-condicionado, etc.

Não encontramos igualmente, estudos sobre uma possível natureza flexível e modulação da infraestrutura de suporte das vias do BRT para sua adaptação a variáveis condições da estrutura urbanística no seu trajeto, assim como projeto sobre linhas alimentadoras. Quanto ao serviço ao usuário, como medidas de conforto, conveniências, proteção e segurança, sinalização clara e mapas da linha tronco-alimentadora, painéis eletrônicos e anúncios por bases digitais, funcionários amigáveis, profissionais vestidos com uniformes reconhecíveis, iluminação de alta qualidade nas estações, área de captação das estações, presença de pessoal de segurança, igualmente não encontramos os projetos à respeito, e só poderemos apontar sobre estes pontos quando da efetiva operação do BRT. Embora já possamos observar nas obras, problemas para a questão da iluminação e segurança ao pedestre-usuário.

Quanto ao item estrutura institucional, não ocorrem no Rio concessão por projeto competitivo, como em outros lugares, com forte monitoramento público, e sim concessão à priori a um dos quatro consórcios existentes no município, formados na licitação pública de 2011, que tem como origem 121 empresas de ônibus que já operavam nas quatro áreas em que se subdividem a cidade.

Também não temos criação para atuação de uma agência governamental para inspecionar o desenvolvimento do projeto, tendo instalado uma ouvidoria para informar a população e receber reclamações, sendo a secretaria de obras do município do Rio a encarregada da supervisão das obras. Nas experiências mundiais observadas, a modalidade BRT é projetada para funcionar sem subsídios, com o número de passagens esperado gerando receita incipiente para sua operação. Porém, no Rio as passagens de ônibus são em parte subsidiadas e, como o sistema está sendo implantado para ser operado pelas empresas de ônibus, isto poderá seguir ocorrendo.

 

4 - Análise crítica da implantação do BRT TransCarioca

Se já fossemos pensar a questão do legado do BRT Transcarioca para o Rio de Janeiro apenas tomando as indicações que temos sobre as obras de sua construção e elementos que dela podemos extrair temos que, antes de tudo, retomar alguns dos mais iniciais elementos dos princípios básicos de BRT que como assinalamos acima, é apenas em parte, aplicados no caso de estudo. De forma sintética podemos reafirmar que apesar de denominado de corredor expresso de ônibus o BRT Transcarioca a tipologia de implantação da sua via não terá a capacidade plena na maior parte de seu trajeto de 39Km de corresponder a essa característica. Isto porque não apresenta segregação física plena entre os veículos do BRT e os demais não trazem pistas duplas, sendo estas localizadas apenas nas estações para dar passagem à linha expressa e a direta (se esta existir), possui poucos cruzamentos em diferentes níveis, sendo a maior parte mesmo nível, controlado por sistema semafórico.

Estes elementos básicos essenciais de BRT não aplicados na maior parte do trajeto vão implicar em risco para a devida operação do BRT Transcarioca. Quanto aos dois outros elementos básicos desse tipo de modalidade de deslocamento que são a frequência  e  pequenos intervalos entre os ônibus (previstos no projeto para 30 segundos entre cada ônibus) reduzindo-se estes elementos ao máximo para propiciar a possibilidade de rapidez e a operação atender a enorme demanda esperada para esse tipo de transporte que atravessa  bairros e zonas da cidade consolidados, como muitas diferentes atividades e usos (residencial, comercial, industrial, etc.), e para captar novas demandas.

O projeto e a obra do BRT Transcarioca mostram também, que existirá risco quanto ao parâmetro essencial de integração com os outros modais, pois como assinalamos apesar da via cruzar vários deles como inúmeras vias automotivas importantes, três linhas ferroviárias (cruzando ou tendo proximidade com cinco estações) uma linha de metrô, não se observa, nem no projeto nem na obra possibilidades de interfaces objetivas com real acessibilidade aos usuários, a não ser possivelmente na estação de Madureira onde a proximidade física permitirá isto, sendo que a importante estação com a linha 2 do Metrô em Vicente de Carvalho permanece uma incógnita dado sua distância com a estação do BRT que exigiria cobertura para  proteção do usuário se deslocaram de uma a outra, esteiras rolantes, escadas rolantes, elevadores... e nada disto aparece muito claramente nem  no projeto nem nas obras.

Não se encontrou, também, estudos ou obras sobre integração do BRT com automóveis. Se deseja, ou se diz, que os donos de automóveis particulares passem a utilizar de transporte coletivo, e se aponta o BRT como caminho para tal, mas não existe previsão na Transcarioca para parqueamentos próximos às estações onde quem tenha carro mas more longe do eixo da via possa estaciona-lo e tomar o ônibus, fazendo uma integração entre os dois tipos de veículos; assim como se fala na integração da bicicleta a esta modalidade BRT mas não se prevê bicicletários ou ônibus que permitam entrada deste veículo. Nota-se , igualmente, que o BRT ao articular a cidade com seu Aeroporto Internacional deveria prever ônibus com espaço para malas de viagem, mas isto também não esta previsto.

Apresentam-se, igualmente, possibilidades de riscos ao empreendimento quanto a sua operação propriamente dita, pois não está claro se no projeto preliminar existiu estudo objetivo sobre a demanda, ou se existiu se está correto, dado o trajeto do veículo atravessar área que mais cresceu em população, empreendimentos imobiliários e atividades na década de 2000-2010, não se sabe se maneira clara como se fará a intervenção de linhas alimentadoras, nem como que a interface desta com a linha troncal.

Deve-se atentar a maneira muito especial, para a não integração do BRT Transcarioca com a política de uso do solo ao longo do trajeto que exigiria alterações de modo a conter adensamento e verticalização de imóveis e estudo sobre quais as atividades que seriam permitidas, pois ao deixar esse item sem altera-lo o risco é uma atração imediata para a via e seu entorno de uma expansão de prédios, residenciais e comerciais com possibilidade de forte verticalização, o que faria com que a capacidade de transporte do BRT fosse rapidamente reprovada, além da reprovação que já deve apresentar desde sua inauguração, dado não ter efetivo estudo de demanda loca e/ou de demanda real. Assim, mesmo  sendo um empreendimento que apresenta uma alteração importante e positiva quanto ao atual modelo de transporte coletivo que é atomizado por miríade de ônibus e vans, que com o BRT passa a se concentrar em linhas troncais servidas por alimentadoras,melhorando certamente o fluxo de veículos e tempos de viagens e apresentando alguns dos elementos necessários a uma melhora na problemática dos movimentos de deslocamentos por ônibus na cidade do Rio de Janeiro como seu efeito na reordenação de transportes por esta modalidade automotiva por coletivos, e o acréscimo de qualidade proporcionado pelo tipo de ônibus e sua capacidade, o BRT TransCarioca possui características desde sua idealização como  Projeto e durante as obras, ou seja, na base de todo o processo, que certamente irão impactar negativamente em toda a operação do sistema, podendo chegar até a inviabilidade de todo este sistema num curto horizonte de tempo.

Pode-se dizer, pelo que se observou e acompanhou do projeto e das obras, que seu trajeto acompanha corretamente a ideia de uma via transversal aos tradicionais eixos longitudinais de trafego da cidade, o que certamente acarretará em alterações positivas nos movimentos de deslocamentos , o BRT TransCarioca é um projeto que apresenta riscos para sua efetiva operação. Implantado sobre o antigo percurso pensado para a Linha T5 ou Linha 6 do metrô, antigo projeto idealizado para o modo de transporte sobre trilhos, ou seja, com maior capacidade de transporte de passageiros, substituiu-se o transporte sobre trilhos e se ratificou mais uma vez o modal automotivo com  o ônibus, com menor capacidade de passageiros, limitações quanto a sua velocidade e mais propenso a acidentes devido a grande responsabilidade de condução atribuída ao condutor. Ou seja, apesar de anunciado como veículo de “alta capacidade" ele só o é em relação ao atual modelo de deslocamento atomizado por milhares de ônibus e vans. Neste sentido, a capacidade e operação rápida com mais frequência seria uma passagem da "baixa capacidade" dos atuais ônibus para uma "alta”, mas em relação ao modal ferroviário trem e metrô são os que realmente apresentam "alta capacidade" e o VLT tem "média capacidade", sendo os ônibus de "baixa capacidade”, com o BRT se completo e de acordo com todos os parâmetros operacionais corretos podendo melhorar a capacidade sem, contudo, se poder afirmar que chegaria sequer a ser de "média capacidade" em relação ao modal sobre trilhos. Representa , assim sendo, uma alternativa paliativa às novas características dos mais modernos modos de transporte e já com uma demanda muito acima da esperada para um modo de transporte rodoviário.

Décadas atrás, quando o a Linha T5 foi projetada existiu um estudo de viabilidade onde matrizes Origem e Destino foram  confeccionadas para o calculo do número de viagens  dos mais variados modos de transporte que eram realizados por todo o percurso desta Linha. Estes números auxiliaram na modelagem matemática que determinou o número de estações, a quantidade de interseções com a via e, principalmente, a demanda por este modo de transporte para o período atual e projeções futuras. O fato agravante é que o BRT TransCarioca, como já assinalamos, corta os bairros que sofreram o maior crescimento na cidade, tanto no número de edificações, quanto na população. Sendo assim, a adaptação de um projeto sobre trilhos, para um projeto rodoviário torna-se ainda mais incerto, devido as atuais características da região.  Como exemplo temos a linha já implantada BRT TransOeste,  que já em seu início de operação sofreu um acréscimo de passageiros maior que 60%,  mesmo estando em um  local sem a densidade populacional que encarará o BRT TransCarioca.

Vê-se que os outros BRTs, implantados em outras regiões do Brasil e o Mundo foram planejados já com uma demanda esperada, que cresce gradativamente junto com o desenvolvimento da região. Estes sistemas não são adaptados a uma realidade já difícil, mas possuem uma base de planejamento urbano onde os setores e regiões ao longo de sua via sofrem alterações urbanísticas complementadas pelo uso eficiente do BRT. Nestes casos até mesmo os gabaritos das edificações são alterados urbanisticamente e regiões degradadas são incentivadas com a implantação de estações multimodais, preocupação esta que não ocorre no BRT TransCarioca, onde o principal objetivo é escoar uma demanda, já elevada, por um modo de transporte rodoviário com sérias limitações quanto a sua capacidade, velocidade e intervalo de  tempo entre as composições.

Após a concepção do projeto, o fato mais grave encontrado no BRT TransCarioca é a sua via. O ponto negativo não se trata do pavimento, mas sim das dezenas de interseções que esta via faz com as vias de outros modos de transporte.O ponto fundamental de um  BRT é ser atendido por um via segregada, ou seja, livre de interseções com as vias de outros modos de transporte e com interferências negativas externas que possam interferir na sua velocidade e segurança. Este ponto fundamental não é respeitado no BRT TransCarioca, como também já assinalamos,  sendo que mesmo antes de sua conclusão observa-se pontos que irão se tornar gargalos de todo o sistema.

Neste ponto o BRT TransCarioca torna a repetir o erro do BRT TransOeste, com muitas interseções e consequentemente, muitos sinais de transito, o que obstrui o funcionamento contínuo do veículo do BRT. São inúmeros os acidente reportados no BRT TransOeste, onde a causa é em sua maioria a interferência de veículos estranhos em sua via e até mesmo a entrada de pedestres, onde muitos destes acidentes são fatais. Nos dois sistemas de BRT deveria haver uma separação física maior entre a via do BRT e a via dos outros modos de transporte como ocorre em outros BRTs. Além disso, interseções rodoviárias e cruzamentos deveriam ser substituídos por elevados ou mergulhões, eliminando toda barreira ao livre deslocamento dos ônibus do BRT.

Com a atual configuração e características impostas ao BRT TransCarioca, pode-se esperar um intervalo entre os veículos que tenderá a ser irregular, demora na viagem das composições que prejudicará o funcionamento de todo o sistema e muitos acidentes e atropelamentos, já que o BRT TransCarioca atravessa uma área muito mais carregada e densa do que o BRT TransOeste, que mesmo assim já apresenta um índice muito alto de acidentes.  

Quanto a Capacidade de tráfego do BRT TransCarioca ela esta  reduzida desde a sua concepção, onde foram projetadas vias de uma faixa, onde a ultrapassagem das composições ocorre apenas nas estações dos ônibus, onde há o alargamento da via. Esta via de faixa única não permite as ultrapassagens entre os veículos do BRT e caso haja a quebra do veículo ou acidente, a via fica intransitável e obstruída, interferindo negativamente em todo o sistema. Diferentemente do que ocorre em outros sistemas de BRT, como o Transmilenio, em Bogotá, onde há vias de duas faixas, no BRT TransCarioca haverá um congestionamento de veículos caso seja necessário aumentar o número de veículos para diminuir o tempo do intervalo, sendo impeditivo para a melhora de todo o sistema.

Além das faixas reduzidas, o grande número de estações e a pouca distancia entre elas faz com que os veículos com características Parador, ou seja, que obrigatoriamente param em todas as estações, acaba por ter uma evolução lenta, com muitos pontos de aceleração / desaceleração e paradas. Esta característica do projeto aponta que este BRT terá um caráter local, com estações próximas umas das outras e localizadas nos principais pontos de atração de viagens. Isto faz com que as viagens sejam lentas, com muitas paradas e pouca evolução, contrariando drasticamente o caráter regional que o BRT deveria ter, onde os pontos deveriam estar instalados em locais centrais das regiões, tornando-se estações intermodais com conexões para outros modos de transporte, inclusive os não motorizados e afastados uns dos outros, permitindo uma maior evolução dos veículos do BRT. Desde o início o BRT Transcarioca foi pensado como um projeto de modal automotivo para uma região com demanda que já deveria ser atendida com o transporte sobre trilhos, com uma capacidade modal muito maior. Além disso, as vias possuem muitos cruzamentos e interrupções por sinais de trânsito, interferindo negativamente na operação de todo o sistema. Estas vias, além de cortadas por outras vias, são compostas por uma única faixa, reduzindo drasticamente a capacidade do tráfego de veículos do BRT e com muitas estações em seu percurso, que elevam muito a necessidade de desacelerar e parada dos veículos que, por sua pouca capacidade, certamente estarão superlotados. Podemos apontar assim que entre os padrões mundiais estabelecidos para um BRT o Transcarioca não pode ser tomado como "completo", estando, possivelmente, entre os padrões "leve" e "padrão", indicando que sua operação oferecerá apenas uma efetividade de mobilidade urbana parcial e com constrangimentos nas possibilidades de integração inter-modal.

De qualquer forma como as obras de engenharia civil de implantação do BRT Transcarioca em abril de 2014 ainda não foram concluídas principalmente no trecho denominado de Etapa 2 - Penha Aeroporto, toda a análise critica e tipo do empreendimento, que apontamos neste artigo, é preliminar e precisariam ser checadas novamente quando a obra de engenharia civil estiver toda concluída  - o que estimamos não estará até o inicio da Copa do Mundo (a não ser que acelerem e muito os trabalhos no trecho Penha – Aeroporto e nos que faltam maiores conclusões no trecho Barra-Penha (que são aqueles que parte de até Vaz Lobo, parte de Bras de Pina e Penha), e a operação do veículo possa se acompanhada, monitorada e analisada.

As obras por seu turno são necessárias mas não suficientes para a observação do legado do BRT Transcarioca para o Rio de Janeiro pois embora evidente a necessidade da obra engenharia civil como suporte de infraestrutura para seu funcionamento, o suficiente será a forma e a eficiência da operação de modalidade BRT neste trajeto, com rapidez e frequência para atender a demanda do usuário. Para tal entendemos ser necessário uma análise critica da operação do veículo, e propostas de correções caso necessárias, e que prevemos serão muitas a serem feitas, existindo capacidade e formas de reverter os problemas apontados para levar o BRT Transcarioca ao padrão de BRT "completo". Só observando e analisando o BRT Transcarioca em operação será possível mostrar o grau de mobilidade urbana que ele seria capaz de proporcionar como legado à população e cidade do Rio de Janeiro.

 

5 - CONCLUSÕES

A opção pela modalidade BRT ao invés de implantação de VLT ou Metrô, coloca a necessidade de um exame mais acurado sobre sua real capacidade de contribuir para a melhoria do grau de mobilidade urbana no território. Numa economia e sociedade de múltiplas atividades e origens e destinos multiplicados e complexos no tempo e no espaço, os deslocamentos no Rio de Janeiro continuam marcados pela prioridade da utilização do modal automotivo para sua realização. Sobrepondo-se a modais ferroviários de transporte de alta densidade, com um precário sistema coletivo na modalidade ônibus, vans e moto-taxis, e um crescimento da utilização de automóveis particulares o transporte na cidade deve ser pensado como importante recurso social expressado pelo desígnio da mobilidade urbana com os diferentes graus de capacidade de seus habitantes de traspassar as barreiras sócio hierárquicas configuradas no território. Assim sendo, a modalidade que transforma o mais que centenário veículo ônibus adptando-o a novos usos, vias, modo de gestão, deve ser pensado na sua real possibilidade de melhoria para a questão da mobilidade urbana, sua efetividade social tem, evidentemente, que se observar sobre sua real capacidade de fornecer os deslocamentos pontuais, em tempo e fluxo ágil pertinente ao período restrito a que se destinam, se deve acrescer, de forma essencial, sua efetividade para os deslocamentos obrigatórios - rotineiros. Para uma mobilidade urbana com efetividade social devemos indagar se o que pauta os projetos e obras partem entendimento de uma operacionalidade em rede de BRT, e esta ser concebida no pensamento de sua articulação intermodal e capacidade de integração, oferecendo aos habitantes da cidade as possibilidades de escolha entre os modais e trajetos , tempos, preços oferecidos por cada qual  que sejam os mais efetivos para suas atividades obrigatórias ou não obrigatórias, suas diferentes idades , seus ritmos e tempos diversos. Uma das questões que se coloca quando desta opção pelo BRT é que escolheu-se esta modalidade automotiva por seu custo mais baixo sem atentar para a relação com a questão do benefício à população: o custo de fato é menor que o da implantação de VLT ou metrô mas o benefício também pois enquanto estes dois do modal ferroviário são transporte de grande capacidade o BRT tem veículo de baixa capacidade só sendo maior da que os dos atuais ônibus.

Tendo em vista estas características básicas elencadas torna-se necessário analisar determinados pontos e discutir proposições de mudanças, que apresentamos sintéticamente, como se segue:a) os indivíduos do grupo social com maior renda conseguem ,ainda que com constrangimentos, alcançar um leque mais amplo de atividades sócio-econômicas e equipamentos coletivos, seja porque tem capacidade de renda para localizar-se  mais próximo a de atividades e equipamentos, seja porque possuem os meios e veículos próprios para tal,seja porque tem como localizar-se nos eixos dos principais modais de transporte, enquanto que a maioria da população deve ser indagada  sobre como ou quais possibilidades possue para resolver suas demandas de movimentos obrigatórios cotidianos ou desejados, considerando que a organização territorial da metrópole do Rio esta baseada na combinação dos fenômenos de dispersão-centralização-novas centralidades em sub-centros, o que implica  parta a grande massa de menor renda no aumento de distâncias e tempos de viagens com má qualidade em transportes coletivos com baixo grau de conexidade. Este contexto demonstra a necessidade de pensar de maneira integrada a política de transportes com a de planejamento do território uso e ocupação do solo procurando incorporar a grande massa da população à mais amplas e melhores possibilidades de acessibilidade ás atividades das quais precisam ou que querem(desejo) participar, invertendo-se o foco da política de transportes atualmente mais voltada e restrita aos fatores da economia para a dimensão social dos movimentos de deslocamentos  que não são configurados apenas individualmente mas partem de configuração social mas ampla dependentes de uma teia de redes de trabalho,família,amizades,necessidades educacionais e de saúde,entre outros.A política atual de transportes presume rotina e comportamento de viagens previsíveis com foco em deslocamentos diários pendulares em dois horários fixos, em detrimento da percepção da existência de um nível de variabilidade diária e diferentes padrões de viagens, incluindo, inclusive, atividades não laborais e diversificadas por faixa etárias, o que supõe um padrão de viagens cotidianas múltiplas;b)à atomização da legislação e órgãos de controle e gestão, em geral voltados a atender os interesses das camadas de maior renda, deve-se pensar em superar os obstáculos à configuração real de um organismo de planejamento e gestão metropolitano para os transportes já existente como figura da administração mas não concretizado),  articulado e inserido  num planejamento do território também no mesmo âmbito metropolitano, onde existisse o direito de demanda e participação , nas esferas consultivas e decisórias,dos interesses da maioria da população de menor renda para um novo modelo de transportes de modo a atender e com qualidade as necessidades de viagens obrigatórias de rotinas e as que desejem acessar no sentido da percepção de deslocamentos múltiplos,atendendo, principalmente a população das regiões mais distantes das suas atividades socioeconômicas e equipamentos coletivos;c)ao invés de pensar em separado os diferentes modais de transporte ou a busca de restrições a seus usos,inseri-los no território como rede que interligue todas as atividades possibilitando igualdade de acesso as diferentes camadas sociais,com prioridade para de baixa renda, através do modelo de intermodalidade com melhor qualidade do sistema de transporte coletivo de massa, tomando em conta a estrutura urbanística dada da metrópole do Rio;d)sair do foco restrito de ações pontuais para viabilizar os deslocamentos aos pontos de eventos das Olimpíadas para pensar na multiplicidade de pontos de destinos obrigatórios e de desejos da metrópole como um todo.No primeiro foco o que vai se buscar resolver são congestionamentos pontuais liberando pistas para a passagem de alguns tipos de deslocamentos e para determinadas áreas e classe social restringindo-os ao todo, e no segundo vai se buscar ampliar e melhorar os deslocamentos da metrópole como um todo.

O governo aposta nos Corredores Expressos de Ônibus para oferecer um melhor grau de mobilidade a camada popular, mas temos que analisar a tipologia que esta sendo implantada no Rio, pois as premissas básicas originais desta modalidade automotiva BRT não estão sendo plenamente colocadas no caso, não se trata de transporte de grande densidade ( como vem sendo apregoado pelo governo municipal), e os eixos traçados para sua implantação já exigiriam o modal ferroviário, seja por VLT, ou mesmo o metrô, ou por trem com veículos e sistema modernizado, pois estes sim transporte de massa passíveis de atender a densificação das áreas dos percursos previstos, seja na demanda atual, seja na que fatalmente atrairá, seja na demanda reprimida, esta não levada em conta no cálculo do projeto.O que refletimos é que embora o BRT tenha um custo menor que a implantação de um VLT, e muito menor que a de um metrô, cabe a indagação e estudos que revelem que existiria, de fato, uma relação custo-benefício capaz de propiciar elementos contributivos a uma melhoria no grau de mobilidade urbana no Rio de Janeiro. Isto porque principalmente para a grande massa que depende do transporte coletivo, se tomando que ao baixo custo de implantação se coloca que sendo uma solução mais imediata ela pode ser temporária, dado que poderá atender uma demanda dos próximos 15, 20 anos, se não se confirmar que sequer atenderá no Rio apenas a demanda atual mais a que atrairá(demanda reprimida), e a que se formará na atração de seus eixos. Esta questão se agrava na medida que, em geral , quando se implanta infraestrutura de grande porte obrigando a uma reestruturação no desenho das vias a tendência é que permaneça em uso por tempo mais largo. Então podemos apontar que a um menor custo de implantação do BRT corresponderá um menor benefício à mobilidade da população.

Assim, podemos apontar para uma indagação sobre qual lógica prevalece quando da modificação do papel do ônibus e das vans na metrópole do Rio de Janeiro: se é uma questão que atende as necessidades do Capital ou configura efetividade social de possibilidades de ofertar capacidade de mobilidade urbana. Pensamos, neste sentido, que a reordenação em curso dos transportes atende primeiro ao Capital, em dois níveis: (i) a uma confirmação da primazia da economia da indústria automotiva instalada no país, inicialmente mais diretamente ao setor de indústria produtora de ônibus, que envolve um complexo que vai desde empresas de projeto-design dos veículos, às fábricas de auto-peças, as montadoras, até a ponta de comercialização e manutenção; e por extensão serve, também, ao setor de produção de automóveis particulares, pois os BRTs , em tese buscam retirar das ruas o número excessivo de ônibus, vans e kombis, reduzindo deslocamentos atomizados, liberando espaço e fluidez nas vias para os veículos automóveis; e atende aos interesses das empreiteiras de construção civil com a oferta de obras públicas de porte e custo importante para implantação de BRT;(iii) atendendo aos interesses do oligopólio das empresas de ônibus da cidade-metrópole, pois a racionalização e reorganização da operação e modalidade dos serviços de ônibus, combinado com a busca de regulamentar e controlar as vans, tentando transforma-las em veículos para rotas alimentadoras de BRTs, configurando um possível modelo operacional em rede integrada que o Estado esta colocando para as empresas tende a aumentar a eficiência do sistema, reduzir seus custos de manutenção, propiciando possivelmente maior margem de lucro. Assim, podemos indagar se o oligopólio de empresas de ônibus do Rio tem sido obrigado a aderir ao novo modelo, ou se aderiu dizendo obrigado ao Estado, por fazerem a reordenação e modernização do sistema sem custo para si. Por certo que a remodelagem do ônibus e seu sistema operacional, ainda que seja um viés de implantação  onde sua flexibilidade seja por controle de seu fluxo com base na “canalização” de seu trajeto, (assim como tem sido feito com o fluxo dos automóveis), parece estar tendo um papel mais centrado em resolver entraves do Capital, e busca a resposta mais imediata ao problema dos congestionamentos atuais, e tenta prever a redução do futuro dos seus níveis, não tomando em conta um entendimento de uma metrópole com dispersão de áreas de moradia e atividades econômicas e sociais com multiplicidade de horários e itinerários, incluso por diferentes faixas etárias. Ao revés para melhoria dos constrangimentos aos movimentos rotineiros ou desejados da grande parte da população, e que necessita de transporte de massa, ao qual o BRT pode não responder plenamente, será preciso refletir sobre a efetividade, e em que grau, esta modalidade automotiva propicia elementos de mobilidade urbana. Existem em curso mudanças, embora, a meu juízo, sem planejamento nem de rede de BRT, nem ,menos ainda sobre a integração entre diferentes planejadas, que estão configurando um novo modelo, que vai criando algo como uma rede não pensada inicialmente como tal.

O BRT apesar de suas premissas apontarem para uma melhoria ao que se tem atualmente no Rio de Janeiro, esta modalidade não tem como fazer o papel de “coração” de um sistema de transportes (como se anuncia),por força de seus parâmetros próprios mais adequados a servir como função auxiliadora e para articulação com transporte de massa, servindo mais como modelagem de reorganização e reconcentração  do oligopólio das empresas de transporte automotivo do Rio de Janeiro, ao qual a população continuará a demandar para a maior parte de seus deslocamentos na metrópole.  

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* A pesquisa está sendo realizada pelo Laboratório de Redes Urbanas do IPPU – UFRJ, contando com uma equipe de estudantes e profissionais. Composta por: Alana Pacheco, Bruna Linhares, André Bezerra, Cleber Almeida, Dayana Rosa, Letícia Quintanilha, Rhayssa Belloti , Roberto Lucas Junior, Silvana Lima, Tassiane Eyer, Vanessa Gonçalves, Márcia Oliveira Kauffmann Leivas.


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Autor: Mauro Kleiman - IPPUR