Produção do espaço urbano na região do agronegócio. O caso de Lucas do Rio Verde no Mato Grosso. | Chão Urbano

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Produção do espaço urbano na região do agronegócio. O caso de Lucas do Rio Verde no Mato Grosso.

Este trabalho explora questões relativas à produção e reprodução do espaço urbano no ambiente do agronegócio, cujos aspectos abarcam a relação sócioespacial campo/cidade, as dinâmicas territoriais, bem como o processo de modernização e reestruturação da agricultura e sua influência na formação do espaço urbano. Elege-se como estudo de caso o município de Lucas do Rio Verde no Estado do Mato Grosso. Os resultados demonstram que o município participa ativamente do crescimento econômico nacional, resultado da modernização agrícola e do recente processo de industrialização local. Esse processo tem provocado profundas modificações no território, porém, nota-se que sua realidade não se diferencia das demais cidades brasileiras, há indícios que não estão sendo asseguradas condições do acesso a terra urbanizada, ampliação do acesso à moradia e democratização da apropriação da cidade.

Palavras-chave: agronegócio, urbanização e segregação socioespacial.

 

ABSTRACT

This paper explores some issues concerning the production and reproduction of urban space in the environment of agribusiness, which cover aspects of the relationship between socio-rural / urban, territorial dynamics and the process of modernization and restructuring of agriculture and its influence on the formation of urban space . Elected as a case study the city of Lucas do Rio Verde in state of Mato Grosso. The results show that although the city to actively participate in national economic growth, has undergone profound changes in the territory as a result of agricultural modernization and industrialization process of the recent local, your reality is no different from other cities. There are indications that are not being guaranteed conditions of access to urban land, increased access to housing and democratization of ownership of the city.
Keywords: agribusiness, urbanization and socio spatial segregation. 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A política habitacional no Brasil, não conseguiu reduzir o déficit por moradias e a política urbana praticada não foi capaz de reverter o processo de segregação socioespacial. Os planos urbanísticos e leis não ampliaram as oportunidades de atendimento a população de menor renda, principalmente no que tange ao acesso a terra urbanizada e a moradia digna. (VILLAÇA, 1999; MARICATO, 2000)

É comum a argumentação que esses problemas são resultado da aglomeração urbana, porém Ferreira (2011) argumenta que:

 

“Essa é, entretanto, uma visão ingênua. Ao contrário dos países industrializados, o grave desequilíbrio social que assola as cidades brasileiras , assim como outras metrópoles da periferia do capitalismo mundial, é resultante não da natureza da aglomeração urbana por si só, mas sim da nossa condição de subdesenvolvimento”. (Ferreira, 2011)

 

Observa-se que os problemas das cidades brasileiras não podem ser relacionados apenas com a concentração da população nestes territórios ou com os processos de migração. Trata-se como afirma Maricato (2001) de uma questão estrutural relacionada com as características históricas do desenvolvimento do capitalismo nos países periféricos, identificadas como “desenvolvimento desigual e combinado”. Relaciona-se com o Estado Patrimonialista, onde não é clara a separação do interesse público e o privado. Um dos aspectos desta desigualdade é a condição de acesso à moradia digna que se relaciona com o processo de produção e reprodução do espaço urbano.

O Estatuto da Cidade (Lei Federal n.º 10.257/2001) abriu a perspectiva de novos rumos nas políticas urbanas. Os instrumentos previstos na referida lei teriam o potencial de combater os diversos problemas enfrentados pelas cidades brasileiras, decorrentes do processo de urbanização ocorrido nas últimas décadas, como a falta de saneamento, o transporte público precário, a violência urbana, o déficit e a precariedade habitacional. Observa-se inclusive, importantes avanços relacionados à retomada do investimento na área habitacional e o aumento dos gastos com programas sociais como Bolsa Família, Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Minha Casa Minha Vida (MCMV).

Entretanto, Denaldi (2012) aponta que a avaliação nacional qualitativa dos Planos Diretores produzidos no país, revelou que a maioria dos municípios que aprovaram seus Planos Diretores, ainda não estão aplicando os instrumentos que fazem cumprir a função social da propriedade por não terem conseguido incorporá-los no corpo do texto ou porque os mesmos não são autoaplicáveis, isto é, dependem de legislação complementar ainda não elaborada ou aprovada.  Na grande maioria dos casos, não se tornaram efetivas a regulamentação e implementação de instrumentos para gestão da valorização da terra.  Argumenta ainda que os resultados qualitativos preliminares dos empreendimentos produzidos pelo programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) indica que os municípios nem sempre asseguram uma inserção urbana adequada dos empreendimentos construídos e muitas vezes contribuem para aumentar a vulnerabilidade social das famílias atendidas.

Segundo Oliveira e Biasotto (2011, p. 95), sobre o acesso a terra urbanizada, a avaliação produzida aponta que:

 

De acordo com os relatórios estaduais analisados, de maneira geral, os Planos Diretores pós-Estatuto da Cidade pouco ou nada avançaram na promoção do acesso à terra urbanizada. Embora a grande maioria dos planos tenha incorporado os princípios e diretrizes do Estatuto – o que, certamente, não é um fato insignificante – raramente essas orientações se refletiram em zoneamentos, nos parâmetros urbanísticos definidos, na regulamentação dos instrumentos de política fundiária ou na definição de políticas e medidas voltadas para promover a democratização do acesso à terra urbanizada e bem localizada. Como destaca o relatório do Pará, “a função social da propriedade é um princípio de adoção generalizada, mas os planos não avançam no sentido de conferir precisão ao conceito, nem de instituir disposições que propiciem sua concretização”. (Oliveira e Biasotto, 2001, p.95)[1]

 

Os autores concluem que a “autoaplicabilidade das leis é uma construção social que não é resolvida no meio jurídico, mas na política”.

 A questão que buscamos explorar neste artigo é como estas questões são observadas no espaço do agronegócio. Grandes transformações ocorreram na última década no Mato Grosso. Observa-se alterações na sua estrutura produtiva e fundiária. A agricultura, base da economia, tem passado por um forte processo de expansão e industrialização. Grande crescimento populacional é observado em alguns municípios. A execução de obras como a pavimentação da rodovia BR 163 tem contribuído com a concentração de riqueza e com o crescimento populacional.  Sobre essas transformações Milton Santos (1996) afirma que:

 

“Os grandes avanços científico-tecnológicos e a espetacular expansão das redes de comunicação e transporte foram condição sine qua non para a reestruturação produtiva e espacial que permitiu a dispersão mundial da produção e a criação de “espaços inteligentes”, onde a lógica capitalista pudesse fluir. Em outras palavras, está havendo, uma transnacionalização que alcança espaços até então não penetrados pelo capital.” (Santos, 1996).

 

Lucas do Rio Verde representa um desses “espaços inteligentes” no ambiente do agronegócio.  Está localizado no norte matogrossense e se destaca nos cenários estadual e nacional pelo seu grande potencial agrícola e industrial. É considerado o maior produtor de milho safrinha do Brasil e passa por um intenso processo de industrialização da produção local e regional, resultando, entre outros fatores, em altas taxas de crescimento populacional e um espantoso crescimento urbano.

Quanto mais avança o processo de capitalização e monopolização das terras para o desenvolvimento da agricultura, maiores serão as possibilidades de transformações sócio-territoriais e de percepção dos impactos urbanos originados. Portanto estudar a origem, o uso e ocupação do solo e sua evolução, além do real potencial do novo arcabouço jurídico, institucional e os efeitos da retomada do investimento da área social e habitacional, torna-se um valioso recurso para compreender a dinâmica territorial dos municípios inseridos no contexto do agronegócio.

 

  A RELAÇÃO ‘CAMPO E CIDADE’ NO MATO GROSSO

 

Nas décadas de 1950 e 1960, o governo de Mato Grosso mobilizado pela política de integração nacional do regime militar, desafetou grandes parcelas de terra, no norte e nordeste do Estado que foram destinadas a abertura de novas rodovias e também para a colonização[2] da região.

O advogado Alves Júnior (2003) em análise dos reflexos do planejamento governamental sobre a estrutura fundiária em Mato Grosso afirma que:

 

“Essa política de distribuição, legalização e venda de terras associadas, destinadas a colonização, induziu a monopolização da propriedade privada da terra de latifundiários, capitalistas particulares e grupos econômicos através da compra da terra para estocagem ou especulação e ainda, garantiu a permanência dos latifúndios existentes, bem como a formação de outros”. (Alves Júnior, 2003, p. 72)

 

A partir desse processo teve origem às monoculturas de grandes dimensões, resultado da monopolização das terras por meio da expansão da agricultura e também pela desapropriação camponesa que reflete a realidade predominante em Mato Grosso.

Atualmente, o processo de formação do território matogrossense vem sofrendo profundas transformações e esse fenômeno pode ser explicado através da reestruturação produtiva da agropecuária brasileira, ocorrido principalmente nas últimas décadas. A globalização da economia provocou também, transformações profundas no processo produtivo associado à agropecuária. Santos (2000) afirma que:

 

“Os sistemas de ação e de objetos inerentes à agricultura foram reestruturados com a introdução da ciência, da tecnologia e da informação, daí resultando um novo modelo técnico econômico e social de produção agropecuária, que aqui chamaremos de agricultura científica”. (Santos, 2000)

 

Dessa forma, o novo modelo de crescimento agropecuário baseia-se na incorporação da ciência, da tecnologia e da informação, melhora a produção e aumenta a produtividade, culminando em importantes transformações econômicas e, portanto, socioespaciais.

A modernização e expansão da agricultura contribuíram também para o processo de urbanização do Brasil. Elias[3] (2003) afirma que várias cidades desenvolvem-se “atreladas às atividades agrícolas e agroindustriais circundantes e dependem, em graus diversos, dessas atividades, cuja produção e consumo se dão, em grande parte, de forma globalizada”. As novas relações entre a cidade e o campo, impostas pela agricultura moderna, representam um papel fundamental para a expansão da urbanização e para o crescimento das cidades, que a autora, assim como Milton Santos, denomina “cidades do campo”.

A partir das questões supracitadas, acreditamos que podemos utilizar a denominação dada por Santos (1993, 1996) e Elias (2003) de cidade do campo para classificar várias cidades matogrossenses. Na medida em que é a cidade que passa a fornecer a grande maioria dos produtos, serviços e mão-de-obra necessários à produção agropecuária.

Na última década, os fatores anteriormente demonstrados, contribuíram para a ampliação da concentração de terras no Mato Grosso. Deslocou a população do campo para as cidades, em busca de emprego, ou para outras regiões, em busca de novas oportunidades. Tanto uma opção como outra contribuíram para agravar os problemas sociais que persistem no estado atualmente.

Ao realizarem estudos sobre a reestruturação do capital e a modernização agrícola, Mendonça e Thomaz Júnior (2003) chamam a atenção para o fato de que ocorre uma modernização conservadora (excludente e concentradora) que possibilita a mecanização e eleva a produção e a produtividade ao mesmo tempo em que promove a “desterreação”[4] de milhares de famílias rurais, que seguem em direção às cidades e/ou áreas de fronteira, tratando-se de um fenômeno de exclusão sócio econômica.

Sobre exclusão socioeconômica, Denizo entende como sendo:

 

 “A expressão da dualidade associada ao processo que conduz determinados grupos sociais a se manterem e se reproduzirem em condições de pobreza e de carências, ao lado de outros grupos sociais que se desenvolvem e se reproduzem dispondo das condições favoráveis para o usufruto da riqueza produzida pelo conjunto da sociedade.” (Denizo, 2009, p.3)

 

O impacto destas transformações é grande.  A modernização da produção agropecuária e agroindustrial é acompanhada do deslocamento da população e sua concentração nos aglomerados urbanos . Até 1970 o grau de urbanização do Estado era inferior a 40%, significativamente inferior ao observado para o Brasil que no mesmo período já era de quase 60%. A partir da década de 90 o grau de urbanização passa a ser muito semelhante ao nacional e atualmente ambos já possuem mais de 80% da sua população morando em cidades.

Diante das questões anteriormente elencadas, observa-se que uma análise da formação espacial urbana não deve ser feita somente a partir da antiga relação cidade-campo, uma vez que até mesmo o urbano é diferente do que era trinta anos atrás. A matriz fundiária, o processo de modernização e reestruturação produtiva da agropecuária, as dinâmicas territoriais e ainda, a nova relação cidade-campo, são aspectos fundamentais para o entendimento da formação das cidades brasileiras, especialmente aquelas que possuem sua economia baseada no agronegócio. 

Para compreender a formação espacial urbana de um município, é necessário também, conhecer sua origem, seus aspectos econômicos e sociais, sua configuração espacial e suas condições normativas e institucionais. Dessa forma passa-se agora a demonstrar aspectos necessários para a caracterização do espaço urbano em Lucas do Rio Verde.

 

        O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DE LUCAS DO RIO VERDE

 

A formação do município de Lucas do Rio Verde precisa ser entendida no contexto histórico da política de integração nacional do governo militar e da abertura da rodovia BR-163, pelo 9º BEC (Batalhão de Engenharia e Construção), ligando Cuiabá a Santarém (PA), na segunda metade da década de 70, que mobilizou os primeiros colonizadores para esta região de cerrado situada no Médio-Norte matogrossense e mais tarde dos projetos de assentamento promovidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). 

O sitio eletrônico Portal de Mato Grosso divulga que a origem da cidade esta relacionada com o assentamento promovido pelo INCRA. “Em 1981, o referido instituto assentou 203 famílias de agricultores sem-terra, oriundas da Encruzilhada Natalino, interior do município de Ronda Alta (RS). Estas famílias formaram uma comunidade que deu origem a Lucas do Rio Verde.” (Portal de Mato Grosso, 2011)[5]

Em 17 de março de 1986, o núcleo urbano foi elevado à condição de Distrito e no dia 04 de julho de 1988, quando conquistou sua emancipação político-administrativa, já contava com 5.500 habitantes. Atualmente, poucas famílias dos assentados de Ronda Alta ainda continuam de posse de suas terras. Pressionadas pelas inúmeras dificuldades daquele período, muitas delas desistiram de seus sonhos e outras perderam terreno para a agricultura extensiva que começava a ocupar a vastidão do cerrado.

Estando numa localização geográfica privilegiada, no centro-norte matogrossense, se destaca como um dos principais pólos de desenvolvimento agrícola do Estado, ao lados dos municípios vizinhos, Nova Mutum, Sorriso e Sinop. Situa-se à 360 km da capital matogrossense, Cuiabá. Com alta tecnologia e elevados índices de produtividade, a agricultura de Lucas do Rio Verde desponta como uma das mais eficientes do Estado, este aspecto foi fundamental para rapidamente torná-lo um dos mais importantes pólos do agronegócio de Mato Grosso e do país.

O Brasil é o segundo maior produtor de soja do mundo, Mato Grosso é o maior produtor do país e o município de Lucas do Rio Verde é considerado o 5° maior produtor do estado. Assim, a soja e o milho são os principais produtos agrícolas cultivados no município, sendo responsáveis quase que totalmente pela economia local.

Conforme os dados disponibilizados pela Prefeitura Municipal[6], Lucas do Rio Verde é responsável por 1% de toda produção brasileira de grãos, embora sua área ocupe apenas 0,04% do território nacional. Lucas do Rio Verde ingressa atualmente no segundo ciclo econômico, o da industrialização. Esse processo evoluiu a partir de 2005, com o início da implantação da Usina Canoa Quebrada[7] e se consolida com a chegada das grandes indústrias de transformação de alimentos como, por exemplo, a BR FOOD.

Os dados disponibilizados pelo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e demonstrados na tabela 1 a seguir, indicam que a população de Mato Grosso cresceu mais no período de 1991 a 2000 do que na última década. Lucas do Rio Verde apresenta uma espantosa média de crescimento anual da população que era de 12,50 % no período 1991 a 2000 e subiu para 21,14 % nos últimos dez anos. Sua população aumentou de forma bastante significativa, saindo de 6.693 habitantes em 1991 para 45.556 em 2010.

 

Tabela 1: População e taxa média de crescimento anual.


Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010.

 

Cabe registrar ainda, segundo dados do IBGE, que a taxa de urbanização de Lucas do Rio Verde em 1991, era de 64,72%, em 2000 foi de 83,58% e em 2010 era de 93,19%. O que demonstra uma grande movimentação da população do campo para a cidade.

Com relação a infraestrutura, o Censo demográfico 2010 revelou que 91,27 % e 99,23 % dos domicílios possuem água encanada e rede de energia elétrica respectivamente. A maioria dos domicílios, ou seja, 93,78 % possuem seu lixo coletado, porém, somente 21,73% são atendidos por rede de esgotamento sanitário. A maioria dos domicílios de Lucas do Rio Verde despejam seus resíduos em fóssas sépticas ou fossa rudimentar.

Para se compreender melhor a vinculação da cidade com o campo, conforme os preceitos teóricos demonstrados anteriormente, buscou-se levantar o número total de trabalhadores por segmento. A tabela 2 revela que a maioria está empregada na industría, porém é importante relembrar que trata-se de uma indústria de transformação da produção agrícola local e regional, portanto agroindústria.

 

Tabela 2: Número de empregados por setor econômico.


Fonte: Rais/Caged/TEM (2008) do Ministério do Trabalho e Emprego.

Elaboração: Nívea Muniz Vieira

 

Outros dados foram levantantados, como o Indice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Produto Interno Bruto (PIB) per capita[8]  e o índice Gini, buscando-se compreender prelirminamente as condições de vida da população.

Segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2000), o IDH de Lucas do Rio Verde é tido como elevado, alcançando 0,818 e o PIB Percapita, segundo o IBGE em 2008 foi de R$ 51.771,45. Com relação a distribuição de renda, o indice Gini no Brasil em 2000 era de 0,58 e no município era de 0,55. Os índices demonstram que a desigualdade na distribuição da renda no município é ainda maior que no restante do país.

A tabela 3 revela que segundo o último censo demográfico (2010) 13.769 domicílios particulares permanentes em Lucas do Rio Verde. Desse total, 37,84% possuem rendimento familiar mensal inferior  a um salário mínimo. 49,30% possuem rendimento entre um e três salários mínimos mensais e apenas 12,85 % possuem rendimento superior a três salários mínimos mensais.

Observa-se na tabela 3 a seguir, que aumenta a concentração população na faixa com rendimentos familiares inferiores a três salários mínimos, passando de 38,98% em 1991, para 87,14 % em 2010.

 

Tabela 3: Rendimento familiar


Fonte: IBGE. Censo Demográficos de 1991, 2000 e 2010.

 

A cidade se formou, conforme já dito, a partir das margens da rodovia BR 163, sua área central é predominantemente comercial e ocasionalmente ocupada por residências de classe média alta. Nessa região estão localizados os principais fornecedores de mercadorias e serviços, tanto para a população, quanto para a produção agropecuária. Além da ocupação residencial mencionada, situam-se bancos, supermercados, farmácias, oficinas mecânicas, postos de combustíveis e todos os outros segmentos que dão suporte ao agronegócio. Esse também é o local melhor servido por infraestrutura e serviços públicos da cidade.

Em geral a população que migra para Lucas do Rio Verde, se instala no centro da cidade em habitações coletivas. É expressivo o numero de famílias que passam a morar com parentes e amigos e é comum encontrar mais de cinco pessoas por dormitório nestas moradias. Quando instalados definitivamente, os trabalhadores residem em sua maioria nos bairros localizados nas extremidades da cidade em habitações ofertadas pelo poder público ou se submetem a aluguéis que comprometem os rendimentos familiares.

Em 2007, através da Lei Complementar nº. 54/2007 foi instituído o perímetro urbano do município, onde foram delimitadas a sede municipal, o distrito industrial Senador Attílio Fontana e o distrito de Groslândia. Recentemente, através da Lei Complementar n.º 06/2011 houve uma alteração com ampliação do perímetro da sede municipal e do distrito industrial.

A figura 1 a seguir, demonstra apenas o perímetro da sede municipal com sua última alteração, nota-se que existe grande disponibilidade de áreas para expansão urbana, porém a grande maioria está ocupada pela produção agrícola, estando inclusive, muito próxima a áreas residenciais. A cidade está crescendo para o norte, oeste e sul, uma vez que ao leste encontra-se o rio Verde, principal fornecedor de água e maior reserva ambiental do município. Também é possível visualizar as novas vias que estruturarão o sistema viário urbano.

 

Figura 1: Perímetro Urbano

 

Fonte: Google/2009 e Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde.

 

Embora o perímetro urbano possibilite a expansão da cidade, a lavoura extensiva que ocupa a maior parte desta área, torna-se um grande fator impeditivo, por não haver interesse dos produtores rurais em produzir solo urbano devido a alta rentabilidade da agricultura, entre outros fatores.

O Plano Diretor Municipal foi aprovado através da Lei Complementar n.º 52/2007. Além das diretrizes e objetivos relativos à política urbana, o município estruturou seu macrozoneamento considerando a integridade do território municipal, tanto a área urbana quanto rural, a partir da divisão tradicional entre esses dois espaços, prevendo, conforme já mencionado a delimitação da sede municipal, do distrito industrial e do distrito Groslândia.

O plano não estabeleceu diretrizes de uso e ocupação do solo assim como não há qualquer menção das áreas de transição entre o urbano e o rural ou conforme denomina a Lei do perímetro urbano, áreas de expansão urbana. Estas deverão ser regulamentadas posteriormente por meio de leis específicas.

A ampliação do perímetro urbano pode implicar processos mais intensivos de uso e ocupação do solo, resultando em valorizações fundiárias, que se tornam ainda maiores com os investimentos públicos em infraestrutura e serviços. Como o Plano Diretor não regulamentou instrumentos de captura dessa valorização, como orienta o Estatuto da Cidade, nem estabeleceu regras para as futuras alterações do perímetro urbano, a disputa pela terra urbanizada tende a ser ainda maior.

Alguns instrumentos de política urbana foram mencionados, porém não foram regulamentados, ou seja, sua implementação foi remetida para detalhamento em legislação específica posterior. Estes não garantem uma visão ampla e integrada das questões urbanas. O texto apenas descreve, mas não aplica instrumentos como o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo, desapropriação mediante pagamento em dívida pública, da outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, e outros.

Não houve reserva de áreas para habitação de interesse social, o plano não faz qualquer menção as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), apenas foram mencionados instrumentos, que se forem implementados, contribuirão para a melhoria no acesso da população de baixa renda a moradia adequada.

Lucas do Rio Verde neste momento está realizando a elaboração do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) e segundo a Prefeitura Municipal será concluído em Abril de 2012. Dessa forma não foi possível conhecer a situação habitacional atual, porém em 2004, a Secretaria de Planejamento do Estado de Mato Grosso divulgou que o déficit habitacional municipal, em 2000 era de 925 unidades, esse total era equivalente a 17,91% dos domicílios particulares permanentes.

Esse índice é superior ao Brasil e ao Mato Grosso que no mesmo ano era de 15,12% e 11,35% respectivamente. Os dados apresentados na tabela 4 demonstram que mesmo antes do processo de industrialização o déficit habitacional já era relativamente expressivo em Lucas do Rio Verde.

 

Tabela 4: Déficit habitacional


Fonte: Governo do Estado de Mato Grosso (2004)[9].

 

O município não dispõe de programas permanentes voltados para promoção da política urbana e habitacional. Possui apenas projetos isolados de construção de moradias populares e de produção de lotes urbanizados ou de implantação de infraestrutura.

A regulação urbana assim como os investimentos municipais indica a submissão da terra urbana aos interesses do capital agrícola e imobiliário que dificulta o atendimento déficit habitacional.

Esse modelo de cidade dominada pelo capital imobiliário se reproduz em Lucas do Rio Verde, porém com a especificidade do papel desempenhado pelo capital produtivo agropecuário, que motivado pelos ganhos obtidos na produção não tem interesse em disponibilizar terra para urbanização, o que eleva seu custo e dificulta ainda mais o acesso da população de menor renda.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Lucas do Rio Verde desponta como um dos principais municípios inseridos no contexto do agronegócio do país, onde novas atividades vêm se implantando, voltadas para a agregação de valor na produção agropecuária. Entretanto analise preliminar aponta que o dinamismo sócio-produtivo não se reflete na melhoria da condição de vida da população em geral e em especial não contribui para melhorar as condições de habitação e acesso a terra. Indicadores do tipo Gini e evolução da população com renda menor que três salários mínimos,no período de 1991-2010 e tomando como fonte o IBGE, apontam forte concentração de renda. A evolução do déficit habitacional no referido período confirma a dificuldade de acesso a terra e moradia digna.

As altas taxas de crescimento demográfico e expansão urbana acelerada impõe a necessidade de planejar o crescimento da cidade de forma a garantir uma apropriação mais igual dos benefícios desta urbanização.   .

No campo do discurso, o município busca cumprir a nova agenda urbana pautada no Estatuto da Cidade. Entretanto, poucos reflexos positivos foram observados. Os instrumentos previstos no Estatuto das Cidades citados no Plano Diretor Municipal além de outros, teriam potencial para frear a especulação imobiliária e reservar terra para produção de habitação de interesse social, se tivessem sido regulamentados ou fossem auto-aplicáveis. O solo urbano está subordinado ao capital imobiliário e agropecuário e a oferta de moradia é ainda mais escassa do que em outras cidades no país.

É certo que somente leis e planos não serão capazes de mudar essa realidade, pois esta mudança requer a construção de pactos sociais oriundos da vontade coletiva. É importante frisar que tanto o Plano Diretor, quanto o PLHIS, se elaborados e aplicados corretamente, podem tornar-se ferramentas importantes e capazes de fornecer a todos os agentes envolvidos nas questões urbanas e habitacionais uma significativa visão sobre a realidade local e partir desta desenvolver mecanismos de melhoria das fragilidades e dos problemas a serem enfrentados. Reconhecemos as limitações desta análise e a necessidade de investigar a participação destes diversos agentes na condução do processo de urbanização.

A cidade de Lucas do Rio Verde cresce no contexto marcado pela retomada do investimento no setor habitacional e crescimento do investimento no setor social, de implementação de um novo marco jurídico e institucional (aprovação do Estatuto das Cidades, criação do Ministério das Cidades e Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social) e de crescimento econômico, em especial relacionado com o agronegócio. Entretanto, há fortes indícios que veremos a repetição do processo de “urbanização excludente” de implementação da política urbana e habitacional subordinada aos interesses da elite, proprietários de terra e do o capital imobiliário. Não podendo acessar o mercado de terras formal, parece previsível que a população de menor renda terá como única opção a ocupação das margens do rio Verde em um futuro próximo.

 

 

 

 

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[1] Participaram da Rede Nacional de Avaliação e Capacitação para Implementação de Planos Diretores Participativos, que foi instituída para avaliar qualitativamente os planos diretores no Brasil, o Ministério das Cidades, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), através do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) e diversos pesquisadores de instituições de ensino superior, atores sociais e representantes de governos locais e estaduais. Ver: Montandon e Santos Júnior (2011)

[2] Pode-se compreender colonização como toda atividade pública ou privada, oficial ou particular destinada a dar acesso à propriedade da terra e a promover seu aproveitamento econômico, mediante o exercício de atividades agrícolas, pecuárias e agroindustriais, através da divisão de áreas em lotes ou parcelas, dimensionadas de acordo com os módulos das regiões, ou através de cooperativas. Elas são regulamentadas pelo Decreto Federal nº 59.428, de 27 de outubro de 1966.

 

[3] Denise de Souza Elias é Bacharela, Licenciada em Geografia e Doutora em Geografia Humana (1996) pela Universidade de São Paulo (USP). Professora Adjunta do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará (UECE), desde 1997. Coordenadora, desde 1999, do grupo de pesquisa Globalização, Agricultura e Urbanização (GLOBAU) e membro da Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe).

[4] Para Antonio Thomaz Júnior o fenômeno da desterreação pode ser entendido como a expulsão de milhares de famílias de pequenos produtores que atualmente vivem precariamente nas áreas de fronteira ou nos centros urbanos, nesse caso, atendendo as demandas colocadas pelo mercado que exige mão-de-obra não qualificada, e portanto apropria-se do trabalho desses sujeitos (construção civil, vigilância, serviços domésticos, etc.) mantendo-os como um exército de trabalhadores intensamente precarizados.

[5] Disponível em: http://www.mteseusmunicipios.com.br/NG/conteudo.php?sid=168&cid=484. Acesso em 02/11/2011.

[6] Disponível em: http://www.lucasdorioverde.mt.gov.br/economia.asp. Acesso em 05/11/2011.

[7] Um investimento gerador de mais 28 megawatts de energia que entrou em operação no início de 2007.

[8] O PIB nos diz qual é a riqueza total de um determinado local, ao dividi-lo pelo número de habitantes têm-se uma idéia, muito imperfeita do rendimento anual por habitante no municipio analisado. Essa divisão denomina-se Pib percapita.

[9] Indicadores Sociais de Mato Grosso, 2004. Disponível em: <http://www.seplan.mt.gov.br/arquivos/A_0eb09ef74ab9859e1574f1d2d20326f4INDICADORES%20SOCIAIS%20MT.pdf>. Acesso em 26 de dezembro de 2011.


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Autor: Lucas Gomes de Sousa