Rio de Janeiro: contextualizando o processo de revitalização na região portuária | Chão Urbano

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Rio de Janeiro: contextualizando o processo de revitalização na região portuária

 

Introdução

O presente artigo aborda a proposta de transformação no cenário urbano da Região Administrativa Portuária - RA I pela implementação do Projeto Porto Maravilha da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e sua relação com a sociedade com especial destaque para o processo de revitalização. Tem por objetivo discutir o processo de ocupação e uso do território e propor uma reflexão sobre o projeto apresentado pela Prefeitura Municipal com foco nos eventuais impactos, positivos ou negativos, a serem gerados na região. Para tal, relaciona as ações governamentais à demanda retratada pelos indicadores sociais e a percepção da sociedade sobre o projeto, como uma das formas de validação de políticas públicas e com vistas à valorização do patrimônio cultural material e imaterial. Para desenvolver o tema foi necessário criar uma interface entre uma gama de autores e conteúdos nas áreas da arquitetura, engenharia civil, direito, geografia, filosofia, sociologia e história cuja temática fosse a evolução da ocupação territorial de uma Metrópole. Como parâmetro de análise para o processo de revitalização, foram utilizados os exemplos do Porto Madero, na cidade de Buenos Aires, Argentina, cujo processo de reforma completou 20 anos em novembro de 2009, e a cidade de Paris, França, cujo processo está em curso. A assinatura do acordo de cooperação assinado pelos Prefeitos do Rio de Janeiro e da capital francesa, prevê que técnicos do Ateliê Parisiense de Urbanismo apresentem sugestões para a região. A Gestão em áreas portuárias como vemos em Porto Madero e Boston teve por base a extinção das atividades portuárias propriamente ditas. Apresentaram um complexo projeto urbano que compreende a criação de espaços de lazer, cultura, gastronomia, eventos, além da criação de áreas para expansão do mercado imobiliário com novas construções, atraindo novos investimentos empresariais e residenciais. No Brasil, as intervenções contam com a participação e o desenvolvimento de uma política urbana federal, mantidas ou não as atividades portuárias. Cidades como o Rio de Janeiro, Recife, Olinda, Natal, São Luís e Porto Alegre são o foco de projetos que contam com operações consorciadas entre as esferas governamentais e a iniciativa privada. Podemos citar outras cidades que passaram por processos semelhantes, entretanto, não farão parte deste recorte, tais como: Barcelona, Vancouver, Sidney, entre outras. O Ministério das Cidades definiu alguns preceitos que devem ser observados quando se traçam as estratégias de Gestão e Ocupação: gestão e monitoramento de longo prazo; mix de ocupação da área (presença de “âncoras”); respeito à memória coletiva, ao patrimônio e ao contexto preexistente; e atenção ao poder da paisagem como edificação coletiva e de identidade. As questões ambientais com especial destaque para processos de intervenção urbana, aliadas ao papel do setor imobiliário, com a crescente busca por lugares de atração para investimentos e moradia, formam a fundamentação básica para se compreender o processo de recuperação de áreas degradadas, conhecido como revitalização, renovação, requalificação ou reabilitação urbana. Em que pesem as diferentes conceituações às terminologias apresentadas para as políticas de intervenção urbana, o termo revitalização - recuperação ambiental dos centros urbanos em estado de abandono ou degradação do meio físico, numa visão econômica, vem se tornando mais usual e associa aos outros conceitos de intervenção, trazendo em seu contexto a idéia de empreendimento sustentável, o que faz “pano de fundo” na discussão sobre o projeto. Por princípio, deve atender a quatro requisitos básicos: ser ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo e culturalmente aceito. Seja pela requalificação, que propõe afirmativas a dinâmica socioeconômica, seja na reabilitação urbana, cujo objetivo é o de adequar o processo ao fim pretendido, os processos apresentam entraves. A falta de determinação do fim pretendido aliado a ausência de planejamento participativo, são fatores que determinam o insucesso de processos desta ordem. A busca da sustentabilidade pressupõe a transformação do cenário urbano a médio e longo prazo, que por sua vez pressupõe o sentimento de pertencimento da sociedade desde a sua concepção. O interstício temporal entre o planejar e o executar prevê, no mínimo, a implementação de ações que supram as demandas locais na busca da sustentabilidade da proposta em si. Projetos dessa envergadura, para obterem sucesso, devem estar apoiados pelos atores que decidem os usos da cidade e que possuem os instrumentos apropriados para a implementação dos planos A gestão participativa é uma forma de reorganizar estes espaços com controle e monitoramento das atividades. Neste contexto, alguns aspectos devem ser analisados e para tal propomos este trabalho dividido em 5 (cinco) temáticas que abordam a economia, legislação, exemplos de âmbito internacional, a reforma urbana propriamente dita e um estudo realizado com a população local.

 

1. A Cidade, o Porto e a Economia.

A cidade como principal elo entre o porto e a economia regional é objeto de pesquisas e análises e na busca da compreensão do processo faz-se necessário refletir sobre a proposta com foco nos eventuais impactos, positivos ou negativos, a serem gerados na região. A evolução da ocupação territorial de uma Metrópole que, além de apresentar peculiaridades históricas, possui uma forte vocação para as atividades portuárias e turísticas, reforça a tese de adequar os processos de ocupação com a preservação da sua identidade cultural. A cidade portuária pressupõe, na atualidade, estratégias de desenvolvimento local e regional convergentes com o aumento na demanda da importação e exportação. A mecanização e modernização das atividades portuárias e a sua funcionalidade adaptada às novas tecnologias, são fatores de forte apelo para se propor substituições no equipamento urbano e nos modais de transportes, alterações na paisagem e no modo de vida, criando um repensar sob a ótica da gestão pública, que necessita administrar as novas situações, avaliar necessidades e requalificar o território. Os porto modernos seguem a lógica da implementação de uma estrutura de escoamento e industrialização na área do retroporto. A logística que adota o porto-indústria, com a participação de grandes indústrias globalizadas, envolvendo importações e exportações, chega ao Brasil. Estão sendo implantados três portos dentro dessa lógica: dois no nordeste e um no sudeste. O complexo de Açu, no Rio de Janeiro, por exemplo, está avançando com duas siderúrgicas e outros empreendimentos em negociação, estruturado com ampla área de retaguarda será um novo modelo de "terminal privativo". Hori[1] (2010) afirma que “... os que não seguem esse modelo acabarão perdendo posições”. O projeto na capital do Rio de Janeiro não poderia ficar indiferente as automatizações de carga e desembarque de passageiros. A região dispõe dos principais modais de transporte e se configura num importante corredor no fluxo de circulação intra e interurbana municipal, interestadual e internacional. O projeto remete a uma “análise de oferta”, ou seja, uma avaliação das composições entre aptidões e usos do território para imbasar as negociações e acordos firmados.

 

2. Paris Revi Gauche, Puerto Madero e o Porto do Rio de Janeiro: similaridades.

O projeto “Paris Rive Gauche” passa por debate e reformulações desde os anos de 1990 e apresenta-se como modelo, apresenta-se polêmico por sua arquitetura e inteligente pela abordagem sustentável, une três bairros (quartiers) de Austerlitz, Tolbiac e Masséna e inclui edifícios como a Biblioteca Nacional, projeto de Dominique Perrault, e a Universidade de Paris 7. Segundo a engenheira Melhado[2] (2008) “a revitalização de sua área de 130 hectares (1,3 km²) surgiu com o objetivo de ligar o antigo bairro ao Rio Sena, ao superar a declividade do terreno e remanejar 26 hectares (260 mil m²) cobertos por linhas férreas, que ficavam entre o bairro e o rio. A idéia também inclui o desenvolvimento de um novo pólo econômico da cidade, tornando a região atrativa para indústrias e para a geração de emprego, e ainda promover a miscigenação urbana e social. Para isso, propõe reequilibrar, por exemplo, a quantidade de moradias sociais e estudantis e integrar a universidade à cidade.” No início do projeto a preocupação era mais social que ambiental, entretanto itens como a redução no consumo de energia, gestão da água, redução da poluição sonora e melhoria de moradias e construções foram incorporadas e passaram a nortear o projeto, ao lado da necessidade de novos empregos, transporte e lazer, com vistas à sustentabilidade. Os prédios construídos nos últimos quatro anos passaram a utilizar eletricidade gerada a partir da energia solar captada por painéis fotovoltaicos, além de sistemas de reuso de água. O projeto prevê que até 2025, o consumo energético da região deverá ser reduzido a ¼ do que era em 2000. As obras ainda devem durar cerca de dez anos. O programa prevê um modal de transporte menos poluentes, aluguel de bicicletas em pontos estratégicos do bairro (Programa Velib); investimento de 3 bilhões de euros entre 1991 e 2015, 26 hectares (260 mil m²) de linhas férreas cobertas, restringiu 20% da área para uso residencial (430 mil m²) com cinco mil unidades distribuídas entre unidades para estudantes, de interesse social e da iniciativa privada e distribui o restante da área nas seguintes proporções: 18% da área para serviços, como escolas (405 mil m²); 30% da área para bibliotecas e universidades (662 mil m² e 210 mil m², respectivamente); 32% da área para escritórios (700 mil m²), com capacidade para 60 mil funcionários; e 10 hectares (98 mil m²) de área verde, com duas mil árvores. Em relação aos transportes menos poluentes, Melhado (2008) acredita que "o conceito de sustentabilidade vai muito além das soluções técnicas de conforto acústico e energia; é preciso ter o transporte adequado. A engenheira Melhado (2008) acredita ser possível trazer a idéia para o Brasil, apontando como barreira a cultural, que envolveria uma mudança de comportamento associada à educação. Na contramão de todas as benesses proferidas encontramos o filósofo francês Henry Pierre Jeudy. Jeudy (2005) declara que no mundo inteiro, há uma tendência de conservação patrimonial que se exerce sobre a cidade por meio da reconstituição do centro histórico. É uma maneira de dar certa imagem estética internacional para o turismo, de guardar uma idéia de unidade e harmonia da cidade. O problema é que o processo de conservação patrimonial torna as cidades cada vez mais parecidas. No fundo, há sempre um centro histórico, onde tudo é refeito da mesma forma. Normalmente o início desse processo é uma busca de identidade da cidade que leva a cidades patrimonializadas, onde o centro é colocado como a vitrine de uma loja. Declara ainda que o processo de revitalização petrifica, promovendo o esvaziamento e a morte das regiões, que perdem sua evolução natural. Alega que os Centros patrimonializados podem acabar desestimulando o turismo tendo em vista que o turista viaja para lugares diferentes, porém, vê sempre a mesma coisa. Alerta também para o fato de que no momento em que o governo parar de estimular as “animações culturais” o Centro fica vazio e, sem vida própria, acaba morrendo.

Na cidade de Buenos Aires, Argentina, a região de Puerto Madero deu lugar a um bairro que concentra os edifícios mais caros da cidade e uma ampla oferta gastronômica. O porto construído no final do século XIX entrou em declínio com o passar dos anos, tornando-se um local quase abandonado na segunda metade do século XX. Sua modernização e reestruturação deram nova vida à região e o bairro se tornou um centro novo para a cidade, com residências, escritórios e restaurantes de qualidade internacional, com a instalação de grandes hotéis, se transformando no bairro mais luxuoso dos portenhos, o que tornou o local um tanto caro. Na sua concepção atual a região é um exemplo de como um bom planejamento urbano com esforço e trabalho deram origem a uma área importante da Província de Buenos Aires, tornando-se um dos principais pontos de encontro e uma das zonas turísticas mais bem sucedidas da cidade. Numa breve abordagem histórica, a trajetória que deu origem a revitalização surgiu da necessidade de se construir uma ligação entre a cidade e os navios que chegavam da Europa durante os últimos anos do século XIX, auge do agro modelo de exportação da Argentina. O engenheiro Eduardo Madero promoveu seu projeto pessoal, que propôs a construção de quatro barragens fechadas, ligadas por pontes e duas docas, norte e sul. O projeto aprovado pelo presidente Julio Argentino Roca em 1884, iniciou a construção (1900 até 1905), quando 16 docas foram construídas de tijolos, no estilo da arquitetura Sharp Inglês utilitária . Com aumento no tráfego de mercadorias e o intenso movimento de passageiros o Porto Madero foi superado, começando a apresentar falhas no ano de 1910. Tornava-se necessário modificar as obras e dar um novo passo na história e o resultado dessa construção começou por alargá-lo. Ao longo dos anos outro momento crucial se revela na história e Porto Madero passa por um processo de renovação no final da década de 80, graças à Lei da Reforma do Estado e a criação da Corporação Antiguo Puerto Madero, cujo principal objetivo foi realizar trabalhos de desenvolvimento em 170 hectares e de modernização na área central da cidade. Isto resultou no trabalho de construção de uma estreita faixa situada entre as barragens, bem como dois grandes parques e amplas avenidas e vias de pedestre. Foram recuperados numerosos detalhes para manter a história viva: Porto Madero foi o tema da reciclagem das antigas docas de mercadorias, mantendo as fachadas de tijolo e vigas de ferro fundido, onde os galpões foram reparados e incorporando-se vários elementos que contribuíram para a elegância, a identidade e o prestígio para a área que, atualmente, é usada por edifícios e lofts , bem como escritórios, bares, restaurantes, universidades e diversas obras de beleza arquitetônica incomparável.

O Projeto Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, foi apresentado à sociedade tendo como principal objetivo a requalificação da estrutura da região, através da construção e recuperação de habitações, promoção da cultura e entretenimento, aliados a preservação e a melhoria da qualificação ambiental. Prevê a formação do corredor verde com o plantio de árvores; a reforma do sistema de tratamento de água em tempo seco no canal do Mangue, Rio Comprido e Maracanã; a reurbanização de vias e construção de novas vias  (ilustração 16) rodoviárias, a complementação da ciclovia com trechos que ligarão o Leblon ao cais; uma garagem subterrânea, lixeiras, bicicletários, totens, painéis informativos, entre outras. O plano concebido em 1992 tratava a região como um espaço estratégico de desenvolvimento, tinha por meta atrair novos empreendimentos privados (serviços, comércio, lazer cultural, e habitação para classe média), rompendo o caráter de isolamento dos bairros portuários (melhorias nos sistemas de locomoção) e reintegrando a área à paisagem e ao uso da Baía de Guanabara (lazer, esporte e contemplação). Busca a valorização e preservação do patrimônio arquitetônico e urbano local, criando uma política para o reaproveitamento de imóveis de valor histórico para fins habitacionais, comerciais ou de serviços, instituindo, para este fim, um órgão gestor para o desenvolvimento da região. O objetivo central do atual Projeto é a requalificação completa da região, a ser financiada com recursos públicos e privados oriundos de uma Operação Urbana Consorciada , como a utilizada em São Paulo (Água Espraiada, Faria Lima, Ponte Estaiada-Large), compreendendo as seguintes demandas: habitação; cultura e entretenimento; comércio e indústria; recuperação completa da infraestrutura urbana, de transportes e do meio ambiente da região, de acordo com os novos usos do solo previstos; preservação e melhoria do meio ambiente, com arborização de calçadas (aprox. 40km c/ 11 mil árvores), novas praças e parques, e limpeza do canal do mangue criando, aproximadamente, 20 mil empregos diretos durante as fases 1 e 2, com investimentos previstos na ordem de R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais); melhoria das condições habitacionais da população existente e atração de novos moradores para a região projetando-se um crescimento de moradores na região de 20 mil para 100 mil (~30 mil casas); recuperação do casario através do programa novas alternativas; e instalação de unidade de polícia pacificadora (UPP) no Morro da Providência (março de 2010). Prevê a reurbanização do Bairro da Saúde e Morro da Conceição; o restauro da Igreja de São Francisco da Prainha; a recuperação e retrofit no edifício “A Noite”; uma garagem subterrânea; e a nova estação do Metrô – Cidade Nova (Lauro Muller). Em andamento se encontram os seguintes projetos: o Píer Mauá; o Museu do Amanhã (Guggenheim), a cargo do Arquiteto Santiago Calatrava e da Fundação Roberto Marinho; a Pinacoteca do Rio; o novo prédio da Polícia Federal; o AquaRio, maior aquário da America Latina, construído pela Kreimer Engenharia, com previsão de término para o inicio de 2011. Abrigará a nova sede do Banco Central e a Escola Técnica de Audiovisual e Restauro. O local funcionará como terminal de passageiros e terá varandas de observação denominadas “janelas para o mar”. Posteriormente, os 3.500 metros quadrados do espaço serão transformados em uma área de cultura e lazer, com restaurantes, cinemas, bares e lojas (Sérgio Cabral). Com falhas e erros se reflete no repensar à Cidade como espaço integrado onde as partes estão interligadas e são interdependentes.

 

3. O Direito à Cidade

A fundamentação jurídica compreende todas as fontes de direito disponíveis, respaldando  e refletindo o motivo e justifica à ação do poder público baseado na lei, nos princípios de ordem jurídica e no interesse público ao privado. O Plano Diretor da Cidade se apresenta num misto de participação de grupos da sociedade e de grupos de especialistas, tratando a metodologia de reunir por um lado as expertises dos grupos setoriais envolvidos com a técnica aliada aos campos do conhecimento pertinentes. É dever de o Estado intervir para promover a preservação e garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais. Para tanto, consagra o art.205 CF como direito de todos a Educação, estimulada pela sociedade com o objetivo de promover maior grau de cultura a população, pois quanto maior for seu grau de compreensão e conhecimento, maior será o valor atribuído ao seu patrimônio cultural. A interligação entre educação e cultura promovida pelo Estado deverá fomentar a proteção dos monumentos e edificações para barrar atos de vandalismo e depredação, e promover o acesso às fontes e manifestações culturais (art.215 CF), que se expressam em bens de natureza material e imaterial, assumidos individualmente ou em conjunto, perpetuando referências à identidade, ação ou memória dos grupos sociais, constituindo o patrimônio cultural brasileiro (art.216 CF). Entre estes bens encontram-se as edificações e os conjuntos urbanos, que representam um estilo e uma época e retratam o modo de vida da sociedade. A participação da sociedade na preservação do patrimônio cultural poderá ser verificada na apresentação de projetos de lei; na fiscalização de execução de obras e na proteção legal. Segundo Santos (2009), através da propositura de lei municipal, os cidadãos podem apresentar projetos de lei de interesse específico do município, desde que preencham os requisitos do art.29, XI da Constituição Federal. Poderão ainda, fiscalizar a execução de obras que podem causar impacto ao meio ambiente ou ao patrimônio cultural, acompanhando os estudos de impacto ambiental e seu relatório (EIA-RIMA), nos termos da legislação ambiental (Lei N.º 6.938/81), e proteger juridicamente o patrimônio cultural através da Ação Civil Pública prevista na Lei N.º 7.347/85, a qual rege as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. A iniciativa popular também será exercida pela representação à Câmara dos Deputados de projetos de lei, desde que preencha o número de eleitores previsto no art.61, §2º da Constituição Federal. A Ação Civil Pública pode ser proposta pela União, Estados, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista, o Ministério Público e associações que estejam constituídas pelo menos há um ano e tenham entre suas atividades a proteção ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Através da Ação Popular (Lei N.º 4.717, 29.6.65) poderá o cidadão postular a anulação de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista de fundações etc., considerando-se como patrimônio público os bens de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico (art.1º, caput e §1º). Uma nação que não conhece, não preserva e não valoriza seu patrimônio cultural é uma nação sem "alma e sem sentido", que fatalmente estará fadada a se extinguir, afirma Santos (2009) .A intervenção do Estado na propriedade privada visa proteger o interesse social e se manifesta através de ato compulsório do Poder Público que retira ou restringe o direito à propriedade, sujeitando o uso dos bens particulares a uma destinação de interesse público, a saber: a preservação da identidade cultural, entre outros. Seus fundamentos se dividem em político, que tem por objetivo proteger os interesses da sociedade contra conduta anti-social praticada pelo particular; e jurídico, quando dispuser a Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional. Tem como modalidades o tombamento e a desapropriação.

 

3.1 Tombamento

O vocábulo advém do verbo tombar no sentido de inventariar, registrar ou inscrever bens. Segundo Oliveira (2008), no direito português o vocábulo referia-se a registrar nos arquivos do reino guardados na Torre do Tombo, portanto, tombamento significava inscrever em um dos quatro livros do Tombo: Belas Artes; Histórico; Arqueológico e Etnográfico; e Paisagístico. É a forma com que o Poder Público protege o patrimônio cultural com vistas à preservação da memória nacional, refletindo o aspecto histórico do país, fazendo parte da sua cultura e retratando inúmeros aspectos sociais, políticos, econômicos, artísticos, científicos, paisagísticos e turísticos. Nesta abrangência de fatores, esses bens, embora permaneçam na propriedade privada, passam a ser objeto de proteção estatal, impondo ao particular certas restrições quanto ao uso e obrigações quanto a conservação. Pode ser definido como o procedimento pelo qual o Poder Público impõe ao proprietário particular de um bem com valor comprovadamente de interesse cultural, restrições administrativas visando a sua preservação e proteção. Com o objetivo de fomentar a cultura a Emenda Constitucional n.º 48 acrescentou o § 3º no art. 215, onde prevê o estabelecimento do Plano Nacional de Cultura, com duração plurianual. Tem por fundamento a adequação do domínio particular às necessidades de interesse público resguardando o interesse coletivo e mantendo a função social da propriedade. Encontramos na arquitetura a forma de mais fácil exemplificação destes bens tombados, seja pelo seu aspecto histórico retratando a predominância de determinado estilo, ou por sua importância cultural quando retratam aspectos culturais antigos e que de alguma forma marcaram época. Atualmente, outras necessidades movem o Estado no sentido de tombar áreas urbanas para impedir que a especulação imobiliária exerça um forte impacto no meio ambiente pela incompatibilidade que será criada entre a demanda e a oferta de serviços públicos disponíveis, entretanto, o estado vem usando de forma ilegal esta prerrogativa que nenhuma relação verdadeira mantém com o real motivo do tombamento, podendo se valer de outros instrumentos para instituir limitações ao uso, bastando alterar critérios para a edificação mantendo determinado gabarito, por exemplo, ou impedindo determinada atividade. Carvalho (2009) aponta uma "conduta dissimulada do governo municipal, aplicando indevidamente o tombamento, que, como regra, não enseja indenização ao proprietário, em lugar de estabelecer limitações urbanísticas individuais." Observa-se uma conduta muito mais de origem política do que de interesse público, revestindo o fundamento do instituto. Diverge a doutrina sobre a natureza jurídica considerando-o ora como servidão administrativa, ora como limitação administrativa ou especificamente, se tratar de um bem de interesse público, não obstante que acima de tudo se constitui por ato administrativo devendo conter todos os pressupostos legais, decorrendo de procedimentos administrativos. Seu objeto recai sobre bens móveis e imóveis, segundo o art. 1º do Decreto N.º 25/37, lex specialis, entretanto, para este estudo, trataremos apenas dos bens imóveis que reflitam importância no contexto histórico nacional. Podemos analisar o instituto através de suas espécies reunidas considerando a manifestação de vontade (voluntário ou compulsório) ou eficácia do ato (provisório ou definitivo). A doutrina ainda admite o tombamento individual, quando atinge bem determinado e geral quando atinge uma área ou bairro. Como regra, o tombamento possui caráter individual, direcionado a determinado bem e proprietário e sendo o suposto tombamento geral, de caráter abstrato e genérico, incompatível com a natureza jurídica do instituto. Ensina Carvalho (2009) que "quando várias edificações de um bairro ou uma cidade são alvo de tombamento, tal ocorre porque foi considerada cada uma delas per se como suscetível de proteção histórica ou cultural." O processo administrativo que dá origem ao ato propriamente dito, geralmente, se reveste de conflitos entre o interesse do Estado e o particular, sendo passível de verificação quanto a sua forma, motivo e legalidade, dando amplo direito do contraditório e defesa, permitindo todos os meios de prova cabíveis para demonstrar a inexistência de relação entre o bem a ser tombado e a proteção ao patrimônio nacional. O Decreto Lei N.º 3.365/41, que trata de desapropriações quanto aos bens públicos, concede a União o poder de tombar bens estaduais, distritais e municipais e o Estado pode exercer tal direito sobre os Municípios. O seu desfazimento pode ser efetivado ex officio ou a pedido do proprietário sendo possível quando comprovada a ausência do fundamento que o decretou. Quanto aos efeitos oriundos do ato se observa a sua importância no que tange o uso e a alienação do bem, sendo vedada a sua demolição, destruição ou mutilação, devendo o proprietário conservá-lo de forma que mantenha as características culturais inerentes a proteção decretada, devendo solicitar prévia autorização para pintar, reparar ou restaurar. Inexistindo a possibilidade de dispor de recursos financeiros para a sua manutenção deverá comunicar ao órgão que a decretou que tratará da execução as suas expensas. Fica assegurado ao Estado à possibilidade de fazê-lo tomando para si a obrigação de providenciar as obras, em caso de urgência. O tombamento atinge a área vizinha ao prédio tombado, impondo restrições quanto a qualquer construção que impeça ou reduza a sua visibilidade, além de outras restrições de menor relevância. Ressalvamos que, sendo provado o prejuízo ao proprietário quanto ao valor do bem devido ao tombamento decretado, poderá este solicitar uma indenização ao Poder Público, no prazo de 5 (cinco) anos, contado do ato que instituiu o tombamento. Sendo omisso o Estado no seu papel de preservar o patrimônio cultural, poderá ser utilizado o direito de petição por via administrativa, com base no art. 5º, XXXIV da CF por qualquer pessoa para requerer ao Poder Público que providências sejam tomadas no sentido proteger determinado patrimônio. Através da via judicial caberá a Ação popular, prevista no art. 5º, LXXIII da CF, para anular atos lesivos ao patrimônio histórico e cultural, tendo legitimidade ativa o cidadão, regulamentada pela Lei. N.º 4.717/65. A Ação Civil Pública (Lei N.º 7.347/85), cujo objetivo principal é a proteção dos interesses coletivos, em seu art. 1º, III define o alcance de proteção do diploma legal, a saber: aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Conforme alerta Santos (2009), deve-se observar que a decisão administrativa de tombamento poderá ser objeto de discussão na esfera do Judiciário, pois não se pode excluir da apreciação do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça a direito (art.5º,XXV, CF), o que propicia a discussão com a sociedade do processo de tombamento.

 

3.2 Desapropriação

Desapropriar é a forma mais contundente do Estado intervir na propriedade privada em caráter supressivo, retirando e desapossando seus então proprietários, ou seja, provocando a perda da propriedade. No seu papel de ente público, o Estado se apropria de determinado bem amparado por razões de utilidade pública ou interesse social, geralmente, através de indenização paga. Norteado por uma série de atos administrativos e judiciais, a desapropriação é um procedimento de direito público, embora o Código Civil em seu art. 1.228, § 4º tenha concebido o instituto de expropriação que se assemelha a desapropriação sendo que este promovida pelo particular. Nesta concepção, reside à expropriação social de caráter coletivo, e, neste prisma, será matéria a ser tratada pelo direito privado.

 

Art. 1.228 O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer injustamente a possua ou detenha

[...]

§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

 

A desapropriação, revestida pelos pressupostos do interesse social e utilidade pública, reside sob a égide do direito público e traz como objetivo a transferência do bem para o patrimônio do expropriante, sendo, normalmente, o particular indenizado pelo fato e o não pagamento desta indenização configura-se como uma exceção. Tratando-se de matéria de interesse público afetando diretamente o interesse privado, é comum advirem conflitos e, neste caso, o poder judiciário atuará para garantir o direito seja da desapropriação ou pela manutenção da propriedade. Neste contexto, cabe avaliar o que seria a utilidade pública e o interesse social que legitima o Estado a intervir na propriedade privada. O interesse social se configura pelo aspecto da função social da propriedade, assumindo o Poder Público a função de mitigar possíveis desigualdades coletivas. A utilidade pública abrange a necessidade pública de caráter emergencial onde tão somente a desapropriação solucionaria a situação. Ambos os pressupostos revelam conceitos subjetivos e indeterminados cabendo a lei defini-los.

O Decreto Lei n.º 3.365/41 enumera no art. 5º os casos de desapropriação por utilidade pública:

 

Art. 5º - Consideram-se casos de utilidade pública:

 

a) a segurança nacional;

b) a defesa do Estado;

c) o socorro público em caso de calamidade;

d) a salubridade pública;

e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência;

f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica;

g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais;

h) a exploração e a conservação dos serviços públicos;

i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; loteamento de terrenos, edificados ou não, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais; (Redação determinada pela Lei 6602, de 7 de dezembro de 1978).

j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo;

l) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza;

m) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens móveis de valor histórico ou artístico;

n) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios;

o) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves;

p) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científico, artística ou literária;

q) os demais casos previstos por leis especiais.

§ 1º - A construção ou ampliação de distritos industriais, de que trata a alínea i do caput deste artigo, inclui o loteamento das áreas necessárias a instalação de indústrias e atividades correlatas, bem como a revenda ou locação dos respectivos lotes a empresas previamente qualificadas. (Acrescentado pela Lei 6602, de 7 de dezembro de 1978).

§ 2º - A efetivação da desapropriação para fins de criação ou ampliação de distritos industriais depende de aprovação, prévia e expressa, pelo Poder Público competente, do respectivo projeto de implantação. (Acrescentado pela Lei 6602, de 7 de dezembro de 1978).

 

Outros diplomas foram publicados com o objetivo de alterar ou criar normas para regular o sistema normativo vigente desde 1941 adequando-o as transformações sociais, a saber: Lei N.º 2.786/56, Decreto Lei N.º 856/69 que acresceu o § 3º ao art. 2º, o Decreto Lei N.º 1.075/70, que tratou da imissão liminar de posse em imóvel urbano, Lei N.º 6.071/74, que adaptou a lei básica ao Código de Processo Civil, a Lei N.º 6.602/78, que lhe acrescentou e exclui textos, a Lei N.º 9.785/99 que alterou a redação, a Medida Provisória N.º 2.183-56/01, que introduziu alteração no DL N.º 3.365/41 e, recentemente, pela Lei N.º 11.977/09 incluindo §§ ao artigo 32. A Lei N.º 4.132/62 define os casos de desapropriação por interesse social:

 

Art. 1º A desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem estar social, na forma do art. 147 da Constituição Federal.

 

Art. 2º Considera-se de interesse social:

 

I - o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico;

II - a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola, (VETADO);

III - o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola:

IV - a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias;

V - a construção de casa populares;

VI - as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas;

VII - a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais.

VIII - a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas.

 

§ 1º O disposto no item I deste artigo só se aplicará nos casos de bens retirados de produção ou tratando-se de imóveis rurais cuja produção, por ineficientemente explorados, seja inferior à média da região, atendidas as condições naturais do seu solo e sua situação em relação aos mercados.

 

§ 2º As necessidades de habitação, trabalho e consumo serão apuradas anualmente segundo a conjuntura e condições econômicas locais, cabendo o seu estudo e verificação às autoridades encarregadas de velar pelo bem estar e pelo abastecimento das respectivas populações.

 

Limitamos este estudo a área urbana da cidade e, desta forma, tratará apenas da legislação que se refira à desapropriação urbanística abrangendo a área delimitada pela legislação municipal no Plano Diretor da Cidade, que traça as diretrizes para ocupação do solo, urbanização e ordenamento, possibilitando um crescimento de maneira eficaz e sustentável, tratando de maneira diferenciada as regiões de acordo com suas necessidades específicas. O atual Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, em vigor desde 1992 e com prazo de vigência de 10 anos, é objeto de discussões e um novo Plano tramita na Câmara Municipal. A Constituição Federal trata em seu art. 182, § 4º, III da modalidade de desapropriação denotando a mesma um caráter sancionatório quando determina a adequação do uso sob pena de, não o fazendo, ser desapropriado:

 

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

[...]

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

[...]

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

 

 

Tal se consolidou na Lei n.° 10.257/01, denominada Estatuto da Cidade, em seu art. 8º, a saber:

 

Art. 8º Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

 

Trata, ainda, o ordenamento jurídico de uma modalidade de exceção que consiste em não haver indenização pela desapropriação denominando-se na doutrina de desapropriação confiscatória, definido na Constituição Federal, art. 243. que descrevemos abaixo. e regulamentado pela Lei N.° 8.257/91 que trata da expropriação em áreas de culturas ilegais de plantas psicotrópicas, o que não seria o caso deste estudo por se tratar de propriedade em área rural.

 

Art. 243 - As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

 

De modo sui generis a desapropriação é uma modalidade de aquisição da propriedade, devendo o Poder Público declarar o interesse social ou a utilidade pública que recai sobre o bem. A desapropriação urbana, de competência do Município, se fundamenta nos arts. 30, I e VIII e 182, caput e § 3º da Constituição Federal assim como o art. 5º, I do Decreto-lei n.º 3.365/41. Mesmo diante de todas as regras e normas estabelecidas no Direito brasileiro é comum ocorrerem desvios de finalidade na destinação dos bens e mesmo perda de interesse de determinado bem tombado, o que dá ao Estado o benefício da Reconversão, que torna o bem livre de restrições. A regra é que os bens desapropriados integrem o patrimônio do ente público, adquirindo o status de bem público, podendo, após a transferência, ser desfrutado ou até mesmo repassado a terceiros, no caso de reforma agrária por exemplo. Atendendo a demanda de modernização e revitalização da área portuária da Cidade do Rio de Janeiro, um grande número de imóveis foram desapropriados e outros tombados no sentido de se conservar e preservar a memória cultural da cidade e de garantir o desenvolvimento e utilização adequada da área central que se encontrava em processo de esvaziamento onde foram investidos recursos e infraestrutura dando um caráter de subutilização aos bens e serviços disponíveis na região. A Secretaria Municipal de Habitação concluiu o processo de desapropriação de 499 imóveis e em parceria com a Caixa Econômica Federal (CEF), esses prédios serão reformados e os apartamentos vendidos para famílias com renda mensal de 3 a 6 salários mínimos (de R$ 1.395 a R$ 2.790).

 

4. A reforma urbana: novos contextos.

A reforma urbana ou a adaptação urbanística às novas necessidades sociais não se configura somente ao acesso à moradia, mas também ao acesso à boa qualidade de vida, traduzida pela infraestrutura e equipamentos sociais aplicados a cidade, à segurança e ao meio ambiente harmonizado, como direito de todos os cidadãos. Ao lidar com interesses diversos, a matéria revela polêmicas e atinge a diferentes pessoas sejam físicas ou jurídicas, como exemplo, se verifica na certificação dada à comunidade Quilombola Pedra do Sal, residente no Morro da Conceição, no Bairro da Saúde, que busca o seu reconhecimento para obter em caráter definitivo o certificado de propriedade dos terrenos, feito pelo secretário de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, à época, Darcy Ribeiro, no dia 20 de novembro de 1984:

 

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN realizou o tombamento de cinco bens, os quais são considerados parte da primeira fase da preservação do patrimônio no País, privilegiando a arquitetura colonial, sendo quatro localizados na Saúde e um na Gamboa, tombados em 1938, na época da fundação do IPHAN, sendo o contexto urbano desconsiderado.


Com a finalidade de orientar os planos de renovação em 1992 foi implantado o Plano de Estruturação Urbana da Zona Portuária pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente, com a proposta de ser decretado o tombamento de edifícios históricos, além da criação de áreas para preservação, e reabilitação, incluindo o incentivo ao uso habitacional, reestruturação do sistema viário e uso do solo, estabelecendo-se o potencial cultural, social e econômico da área.

O plano concebido em 1992 tratava a região como um espaço estratégico de desenvolvimento, tinha por meta atrair novos empreendimentos privados (serviços, comércio, lazer cultural, e habitação para classe média), rompendo o caráter de isolamento dos bairros portuários (melhorias nos sistemas de locomoção) e reintegrando a área à paisagem e ao uso da Baía de Guanabara (lazer, esporte e contemplação). Buscava a valorização e preservação do patrimônio arquitetônico e urbano local, criando uma política para o reaproveitamento de imóveis de valor histórico para fins habitacionais, comerciais ou de serviços, instituindo para este fim um órgão gestor para o desenvolvimento da região. Além da legislação constitucional e específica encontramos nas Constituições Estaduais a previsão do tombamento, sendo tanto este quanto a Desapropriação objeto de súmulas e julgados. A intervenção do Estado na propriedade privada visa estabelecer um equilíbrio advindo com a função social que ela deva atender. Atualmente, outras necessidades movem o Estado no sentido de tombar áreas urbanas para impedir que a especulação imobiliária exerça um forte impacto no meio ambiente pela incompatibilidade que será criada entre a demanda e a oferta de serviços públicos disponíveis. Mesmo diante das normas estabelecidas no Direito brasileiro, é comum ocorrerem desvios de finalidade na destinação dos bens e perda de interesse de determinado bem tombado, o que dá ao Estado o benefício da Reconversão, tornando o bem livre de restrições.

 

5. A Revitalização e a Sociedade local

A pesquisa intitulada “Revitaporto” cujo objetivo foi conhecer os interesses, aspirações, expectativas e práticas culturais, junto aos moradores, registra dados que refletem o grau de conhecimento, participação e comprometimento da população no processo de revitalização. A população adulta é a que concentra maior conhecimento sobre o projeto por alguma fonte de informação (gráfico 1).

 

Destaca-se a imprensa escrita como meio de divulgação (gráfico 2). Medidas de divulgação, com vistas a atingir o público jovem, devem ser intensificadas para desenvolver a percepção de pertencimento face ao projeto de revitalização.

 

A recuperação dos armazéns destaca-se como o ponto mais conhecido do projeto, seguido do Museu Guggenheim e a recuperação de prédios. Tal fato fortifica a hipótese de que a população tem percebido alterações em áreas já construídas, ou seja, naquelas onde está sendo realizada a refuncionalização dos espaços construídos (gráfico 3).

 

A idéia da destinação de espaços para arte, cultura e lazer é considerada essencial para o desenvolvimento local, entretanto, se mostraram apreensivos quanto ao aumento no valor dos aluguéis e impostos o que denota a preocupação com o orçamento familiar. Como símbolo da região portuária não houve um destaque o que nos leva a perceber que os moradores não caracterizam a região por uma imagem única, indicando que a população se identifica com o bairro onde vive, destacando-se o próprio Cais do Porto (15%). Como pontos positivos da região, dentre os apresentados, apontaram a “facilidade de transporte” e dentre os pontos citados na consolidação das respostas – Outro (14%) destacamos a “proximidade de tudo” com maior número de citações (gráfico 4).

 

Nos pontos negativos se destacam a ausência de opções de lazer e de atividades culturais (21%) e a violência (20%) e na incidência de resposta – Outro (11%) destaca-se o “comércio fraco” (gráfico 5).

 

Apesar de considerarem a região tranquila para moradia apontam a violência como uma fragilidade. Numa perspectiva para o desenvolvimento urbano sustentável, a médio e longo prazo, o que se percebe é a tentativa de integrar estruturas e interesses diversos. Entretanto, seria fundamental definir um Índice de Desenvolvimento Local Sustentável (IDLS), validado por atores locais e com informações sistematizadas, com vistas a sustentabilidade do projeto, na busca de um modelo ideal para a transformação do espaço construído.

 

Considerações Finais

Os portos são objeto da política ambiental brasileira e suas atividades geram divergências de interesse entre os agentes modeladores do espaço urbano. A participação da sociedade interagindo com o processo retrata uma simbiose onde emergem outros conflitos. Modelos de outras cidades que vêm sendo utilizados como parâmetro não refletem a realidade social e cultural local. Em visita ao Porto Madero se percebe que a suntuosidade das edificações, entre outros aspectos, “elitizou” a região. Quanto a Paris, os aspectos socioculturais e a implementação de soluções que buscam a sustentabilidade do projeto são fatores que não podemos deixar de avaliar, principalmente, no que tange as diferenças socioculturais. A Gestão Territorial como metodologia de trabalho se constitui por um conjunto de ações de planejamento, implantação, acompanhamento e monitoramento para projetos que buscam a requalificação de áreas subutilizadas e propõe soluções em tempo real para as mais diferentes demandas. Os impactos devem ser mensurados de acordo com as evidências e acontecimentos, dando suporte a uma política de monitoramento para que ajustes ocorram quando forem necessários, preservando o investimento efetuado na região e tornando-o atraente e funcional às gerações futuras, possibilitando alterações culturais e comportamentais em prol do bem estar social. A desvalorização imobiliária produziu as condições econômicas favoráveis para justificar o processo como forma de resposta ao mercado e a sociedade. A hipervalorização verificada em 2010 torna a região motivo de disputas, traduzida como “guerra pelo porto”, onde, segundo a imprensa, o valor dos imóveis quadruplicou. O mérito do poder Público residirá nos benefícios sociocultural, econômico e ambiental, que poderá trazer para a cidade integrando um espaço em desuso a um novo contexto socioeconômico e cultural. Embora com inicio marcado pela refuncionalização dos espaços mais do que pela mudança na sua forma propriamente dita, que se traduzem em aspectos fundamentais para a mudança da percepção dos habitantes da cidade, espera-se promover as alterações sociais desejadas. Com grande complexidade, o projeto ainda é objeto de reavaliações, tendo em vista a escolha da Cidade para sediar eventos internacionais (Jogos Mundiais Militares 2011, Conferência WWW 2013, principal evento de internet do mundo, Jogos Mundiais dos Trabalhadores 2013, Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos 2016), o que traz conseqüências diretas ao planejamento inicial, ensejando dúvidas no que tange os verdadeiros interesses e quais necessidades estariam atendendo. Conservar as referências culturais, valorizar os conhecimentos adquiridos e afirmar suas ambições, no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida, são os corolários indispensáveis a qualquer projeto de desenvolvimento de cidades portuárias. Programas e planos dessa natureza só podem ter sucesso se forem apoiados pelos atores que decidem os usos da cidade e que possuem os instrumentos apropriados para a implementação dos planos. Transformar os conflitos em cooperação para construir as soluções socioambientais e econômicas para a complexa realidade dos portos é uma tarefa desafiadora, porém fundamental para os diversos segmentos produtivos que têm operações portuárias como atividade. Espera-se que a melhoria da infraestrutura existente e a requalificação dos espaços públicos aumentem os índices de qualidade de vida dos habitantes da Saúde, Gamboa e do Santo Cristo, permitindo a inserção de novos extratos sociais sem, contudo expulsar a população local. Os galpões tombados e reciclados acrescidos da grande extensão de áreas verdes projetadas ao longo do antigo cais transformarão a área pela implantação de atividades turísticas, alavancando o desenvolvimento econômico da cidade, e permitindo a visibilidade para o mar. A revitalização é polêmica e provoca debates entre a população no que tange aos verdadeiros interesses e quais necessidades estariam atendendo, tendo em vista que parte das propriedades desapropriadas retornarão ao uso residencial após recuperação e adequação através de alienação. O desafio do Poder Público ao priorizar o Projeto é transformar a Zona Portuária num pólo multifuncional com enfoque na cultura, lazer e turismo, com uso de alta tecnologia, criando novas habitações e integrando-o a dinâmica do núcleo central da cidade, estabelecendo propostas e direcionamentos para o desenvolvimento local dos habitantes estabelecidos e daqueles que têm a área como local de trabalho: empresas de navegação, sindicatos, associações, comércio local, escolas, igrejas, hospitais entre outros. O mérito residirá no benefício sociocultural, econômico e ambiental que poderá trazer para a cidade, integrando um espaço em estado de degradação e estagnação a um novo contexto social, dando novas utilidades aos prédios antigos e atendendo as necessidades básicas da região, ampliando as redes de saneamento e infraestruturas, dando suporte às novas construções que se deslumbram, justificando a intervenção direta naquele espaço.

 

Referências

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Autor: Márcia Regina Martins Lima Dias